Nunca tinha visto tal coisa na vida! Os meus olhos estavam completamente fixos na cena! Sabem aquelas pessoas estarrecidas quando vêm alguém numa cadeira de rodas? Era essa a minha cara a olhar para aquilo!
Um estalar de dedos diante do meu rosto chamou-me de volta à realidade.
– Hey! Estou aqui! – Resmungou a minha namorada.
– Desculpa, mas estás a ver aquilo!? – Apontei com subtileza para a mesa ao lado, onde um homem de cabelo branco apreciava um belo jantar romântico com um robô feminino.
– E depois!? Não te chega a visão mesmo à tua frente? – Empinou o peito. Um decote bem generoso fazia sobressair o seu par de mamas irrepreensível. As quais fez questão de realçar com as mãos abertas de lado.
– Calma. Não precisas insinuar-te tanto! – Exclamei envergonhado. – Mas não achas bizarro o homem ter trazido um robô para um jantar romântico?
– Se ele gosta de chapa e hidráulicos, é problema dele. Não sejas preconceituoso, já não estamos em 2025, está no direito de o fazer. – Bufou-me amuada. – Já eu, sou de carne e osso. Se gostas disto, espero bem que a tua atenção se vire para mim!
– Certo. Certo. Tens razão. – Resignei-me.
Tinha gasto uma pequena fortuna ao reservar a noite de São Valentim naquele restaurante chique. Não era para qualquer um. Pagava-se bem caro, acreditem. Queria dar um jantar de sonho à minha namorada. A sério, a ideia era essa. Não tenho culpa se a curiosidade levou a melhor.
O homem com a acompanhante robótica estragou-me os planos. Nem imaginam como era difícil ignorar algo tão fora do comum. Tinha de admirar a capacidade dos engenheiros ao concederem a máquina. Apesar de manter o aspecto mecânico, o design era incrível, com as curvas do corpo a manterem linhas femininas. Para não falar na linguagem corporal, a imitar os gestos de uma dama digna da alta sociedade.
Só não compreendi porque não preferia uma mulher verdadeira!? Não me julguem. Vocês questionavam o mesmo, isso eu sei!
Fomos servidos com todo o luxo. Nada a reclamar nesse sentido. O jantar continuou, embora o romantismo nem tanto. De vez em quando lá me escapava o olhar, para ser imediatamente repreendido pelo pigarrear chateado da minha companheira.
Paguei e fomos embora. Não sem antes de dar mais um longo reparo no casal improvável ao meu lado. Obviamente, quando cheguei a casa tive de me esforçar mesmo bastante para recuperar o romantismo desejado. Foi difícil, mas lá consegui.
Uns dias depois, no trabalho, todos os funcionários estavam empolgados pois íamos receber a visita do chefe internacional da firma. Colocamo-nos em fila para cumprimentar a comitiva estrangeira. Queríamos fazer excelente figura para mostrar a nossa eficiência e organização. Afinal quem nunca quis impressionar os maiorais?
Um grupo de pessoas, com visual executivo, entrou na sala. O diretor da minha sucursal mostrava-se orgulhoso das instalações e dos funcionários. Indicou o caminho a um homem cuja aparência acusava ser o patrão. Qual não é o meu espanto quando o reconheço do restaurante!? A seu lado estava o robô feminino.
Falavam alemão. Mas eu tinha a certeza de os ter ouvido falar português no restaurante. Logo alemão! Uma língua da qual não percebia patavina. Riam-se numa conversa animada. Ou pelo menos parecia.
Ao conhecerem os meus colegas, o homem falava alemão e o robô servia de intérprete. Cumprimentava e seguia para o próximo. Bolas! Sabia falar português e a mim não me enganava. Não precisava de tradução nenhuma. Aquela encenação era só para intimidar.
Chegaram ao pé de mim. O meu diretor apresentou-me como chefe de projetos. Suponho eu, pois o meu cargo era esse. Das palavras arranhadas só compreendi o meu nome.
– Já conheço o senhor. – Traduziu o robô com o seu rosto a imitar as feições humanas. – Estávamos no mesmo restaurante, na outra noite.
Havia um grande ecrã na parede do salão, usado para fazer apresentações. Pela graça da tecnologia moderna o robô usou-o para mostrar uma imagem daquele jantar no restaurante:
A minha namorada a gesticular junto às mamas, enquanto eu fazia um ângulo de noventa graus com a cabeça na direção da mesa do suposto chefe ‘alemão’.
Depois fez zoom na minha cara. O filme do momento era composto de milhares de frames, contudo escolheu propositadamente aquele onde parecia mais parvo. Olhos esbugalhados, boca aberta e aparência de matarruano. Uma careta digna dum episódio do ‘Mr. Bean’.
Os meus colegas tentavam conter o riso. Dividiam a atenção entre mim e o ecrã. Alguns sussurravam entre si. Ia sofrer uma avalanche de piadas. Já podia imaginar o suplicio.
Engoli um sorriso forçado. Cumprimentei o homem e de seguida o robô como se fosse gente. – Muito prazer. Sinto-me honrado. – Disse, a tentar disfarçar o embaraço.
– O prazer é todo nosso. – Respondeu o robô.
Ao saírem, deu-me um aceno de despedida e piscou o olho. A sério, piscou mesmo o olho!
Amaldiçoei os engenheiros capazes de criar aquela máquina maquiavélica, com cara, olhos e boca como gente. Já não bastava ser a companhia romântica do patrão, ainda era um supercomputador com pernas e braços. Pior ainda, capaz de compreender e usar a ironia contra mim.
Fui gozado pelo algoritmo de um ser artificial. De igual modo pelo seu proprietário, o qual, também era meu chefe. De certa forma meu proprietário igualmente, pois pagava-me um bom ordenado. Por isso era capaz de comprar jantares em restaurantes de luxo. Tudo não passava de um círculo vicioso.
Enfim. A vida continuava. Restou-me suportar as piadas dos colegas e aceitar as coisas como são. É um ‘Admirável Mundo Novo’, concluí.
Nota: a ação ocorre em 2035, num futuro muito próximo.
2 comentários:
Aplaudo e elogio o talento e a inspiração. Belo texto.
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“” Votos de muita Saúde e Paz ““
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Excelente história e muito bem contada.
Também gostei dos poemas que li mais abaixo. Talento não lhe falta.
Por incrível que pareça, não conhecia o seu blog. Voltarei, por isso, de vez em quando.
Boa semana Caro António.
Um abraço.
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