terça-feira, junho 18, 2019

Solem in Aurora


Já sentiste o tédio a crescer?
Desperdiçar o existir
Vontade desesperada de fugir
Coragem castrada sem viver!

Já sentiste o cansaço a vencer?
Sem saber o que sentir
Adiar constante do partir
Sentença no prazer de adormecer!

Já sentiste o sonho a desvanecer?
Memória sem existir
Vida que teima em se evadir
Destino surge apenas para esquecer!

Já sentiste o empenho a entorpecer?
Pausa carente de dormir
Descansar nunca foi desistir
Amanhã renasce o sol ao amanhecer!



quarta-feira, junho 12, 2019

O que tenho para dizer é igual ao Infinito


Tenho sempre algo para dizer, todos os dias, a alguém. Nem que seja a mim. Nem que seja silêncio.
Há sempre algo que precisa ser dito, mesmo que seja calado.
Os loucos falam para si mesmos, porque têm algo a reparar.
Os génios falam para si mesmos, porque têm algo a questionar.
Os ignorantes falam para todos, porque não têm nada a ensinar.
As respostas vão surgindo no meio do caos; entre o barulho; na confusão das cores. Também na voz dos sábios, ou dos estúpidos. Muitas vezes a explicação está no inverso do que é discursado. O conhecimento está em perceber o que o mundo diz e isso, só por si, é uma disciplina complexa.
O que tenho para te dizer é igual ao Infinito, por isso é vago. Só o consigo verbalizar quando estou longínquo, com o pensamento fixado no inefável. Naqueles momentos, que tu conheces bem, em que o olhar está concentrado num ponto para lá do horizonte. Eu, meditativo, na tua companhia, mas sozinho. Numa viagem ausente pelos mistérios do existir.
Tenho o teu toque por perto e isso dá-me conforto. Tens o meu mundo tão longe e isso dá-te abrigo no carinho da minha inquietude. Sabes que é difícil explicar o que não se compreende, por isso calo-me e deixo que me interpretes com telepatia.
A ciência de quem ama é proibida e, só por esse argumento, é grandiosa. Saber o que não se toca. Dominar a sinestesia dos sentidos curiosos. Alimentar a fome de entendimento, a mesma que nunca se sacia. A Gnose é impossível de expressar. Talvez seja algo que cresça com cada questão. Ou um caminho que se torna mais longo com cada resposta.
Seja como for, tudo que digo agora é um devaneio de quem é insaciável. De nada mais serve a não ser para desassossegar. Pouco mais te posso acrescentar do que este pensamento. Em mim não existe uma verdadeira serenidade. É preço que se paga para quem se perde pela madrugada fora.
Agora fala-me de ti. A condição humana aborrece-me, portanto, abstém-te do que é banal e deslumbra-me com o teu próprio Universo. Não existe nada que seja demasiado insignificante. Há sempre algo a saber, nem que seja dos teus próprios retalhos.

quarta-feira, junho 05, 2019

Fetiche grotesco


Tenho um fetiche por pessoas quebradas. Peço desculpa.
Acho que cicatrizes são o expoente máximo da sensualidade. Venham elas da mágoa que habita a alma, ou da profanação do ser que lhe dá abrigo. O âmago melancólico implora o caos, tal como a felicidade anseia a vida. Nada me seduz mais do que aquilo que é feio, estragado e impossível. O convite tímido de entrar em portas que se abrem com fome de toque. A entrega surge por direito próprio. Saber dos pecados, afinal, inexistentes. Da culpa que nunca foi. Provar o sabor afrodisíaco de bocas caladas. O gemer que se solta do íntimo, entre deleite e súplica. A humidade aberta de um espírito envergonhado com o seu nascer.
A beleza está no grotesco e isso excita-me. Peço desculpa.
As obras de arte estão velhas e cabisbaixas. Não há regras quando a verdade acorda. Os rasgos na pele lisa, sem qualquer objectivo de perfeição, elevam o seu desenho ao auge do erotismo. Toda e qualquer deformação é, para mim, pornografia no sentido mais sexual da palavra. A formosura está morta e o seu cadáver podre. Em nada me cativa a pele lisa, hidratada e imaculada. Só me satisfaz o que está desalinhado. Carne amorfa em êxtase a pedir devassidão. A sujidade crua e pegajosa de quem se vem por inteiro. Corpos disformes, como coisas proibidas, num gozar absoluto em orgasmos translúcidos de prazer.
Só encontro apoteose entre o que é anómalo. Não peço desculpa.
Não podem existir julgamentos quando a virtude é ignorante.