terça-feira, janeiro 26, 2016

Para mim hoje é janeiro


Algo sombrio quer emergir à tona dos meus sentimentos. Não digo que se trata de qualquer coisa maligna. Não! Não quero adjectivar algo que faz parte de mim com essa conotação. Digo que é obscuro simplesmente porque me é desconhecido e tem na sua essência uma vontade voraz por rebeldia.
As regras estabelecidas não parecem conseguir segurar esta mudança. Pelo contrário. Diria mesmo que no seu âmago existe um impulso imenso por quebrar as normas que nos regem. Assusta-me um pouco nesse sentido. Um pouco de medo. Só isso. Afinal de contas não temos todos essa vontade de vez em quando?
Tem uma pitada de tristeza, isso sim! Também eu tenho. Sempre tive. Essa parte não me é novidade. Acharia estranho se fosse apenas alegria. É como a chuva que cai lá fora fria e escura. Ainda assim parte de um ciclo. A natureza necessita dela tanto como necessita do sol da primavera. Tudo faz parte da mesma história.
Afinal estou apenas a mudar ligeiramente. A assimilar aquilo que vem e aquilo que vai. Aconteceu tantas vezes. Mesmo assim não consigo evitar de sentir algum receio. É normal não gostar do desconforto do inverno com os seus dias húmidos e noites austeras. É como é suposto ser. Também sou filho do mundo.
É simplesmente algo que se renova em mim e aguarda o momento certo para acontecer. Sementes da experiência semeadas no meu ser. Flores de cores garridas que aguardam florescer. Terão os seus espinhos? Suponho que sim. Em cada jardim existem espetos que apoiam a beleza de cada planta. Assim sou eu. Assim és tu.
E a vida acontece…

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Dia de sorte


Hoje vi uma lesma a arrastar o seu corpo viscoso pelo caminho.
Há muito que não me cruzava com um bicho destes. Seguia coberto de baba deslizando pelo chão. Era lento. Mas a sua progressão não parecia notar a falta de membros que o fizessem correr.
Curioso, peguei-lhe. Fiquei imediatamente com a mão besuntada pela sua viscosidade. Não me importei. Não senti nojo algum.
Olhando aquela criatura pegajosa a debater-se inutilmente para encontrar o solo, tive um instinto breve (não passou disso) de a comer, mesmo assim viva. Era grande e gorda. Certamente um petisco para quem apreciasse essa iguaria. “Qual seria o seu sabor?” Interroguei-me.
Obviamente que os meus dentes não se enterraram naquela carne gordurosa. Cheguei à conclusão que tal intento era loucura. A ideia do seu corpo pegajoso a amontoar-se na minha boca foi repugnante. Um vómito iria certamente nascer dessa façanha.
Ainda não estando totalmente resignado tentei somente prová-la com a língua numa passagem rápida. Ainda assim o meu cérebro consciente demoveu-me. Uma náusea imediata aconteceu e acabei por sentir uma certa repulsa, quem sabe até receio.
Peguei na lesma e voltei a coloca-la no mesmo sítio para continuar a sua marcha. “Vai em paz bichinha. Hoje é o teu dia de sorte.” Disse-lhe com um certo carinho até pelo ser rastejante que, indiferente ao acontecido, retomou o seu curso alheio à existência humana.
“Faz tudo que as lesmas é suposto fazerem”!

domingo, janeiro 10, 2016

Antro de perdição


E se, em vez de ser uma ilusão, o mundo fosse um imenso bordel?
Quem serias tu, uma puta ou um cliente?
Quem sabe aquela senhora mais velha, responsável, que zela pelo bem-estar das suas meninas?
Ou então um segurança, de físico matulão, que se certifica que tudo corre sem incidentes?
A mulher da limpeza que lava literalmente a merda, assim como outros fluidos, que os outros fazem, depois de praticarem as suas depravações? Afinal, dentro daquelas paredes, ninguém julga ninguém e tudo é permitido. Para isso serve aquele lugar.
O homem habilidoso, que serve de “faz tudo”, sempre pronto a consertar qualquer pequeno problema que surja?
Também podias ser o contabilista, responsável pela caixa e pelas notas que entram, sempre atento a qualquer aldrabice?
Do lado de fora podias ser aquele fanático religioso que, fiel aos bons costumes, grita palavras de ordem relacionadas com a moral e ostenta um cartaz onde se lê: “Isto é um antro de perdição e indecência!”, para os carros que entram e saem indiferentes àquela figura.
Podes ser ainda a criança que passa do outro lado da rua indo para a escola durante o dia. Na sua inocência não faz a mais pequena ideia do que se passa naquele enorme casarão durante a noite.
Também podes ser a mãe desse miúdo que, perfeitamente ciente do que ali acontece, prefere ignorar e seguir o seu caminho olhando em frente, já que não é nada com ela.
Enfim, são devaneios… Deixa que a Terra continue a girar alheia a estas analogias, afinal de contas, amanhã será outro dia e muito pouco, ou nada, terá mudado…