terça-feira, dezembro 29, 2020

Este aqui é para desejar Boas Festas sinceras :)


Sabes aquelas mensagens de Natal que vemos na internet, todas iguais, todos os anos? 

Copiar e colar. Talvez com umas pequenas alterações pessoais para fingir algum tipo de originalidade. 

Estás a ver? Já reparaste na quantidade de lixo electrónico que é gasto com essas porcarias, que não querem dizer nada, a não ser uma simples prática de desejar votos de Boas Festas, porque simplesmente toda a gente o faz e é suposto ser assim. 

Agora existe uma nova moda da família tirar uma foto junto à árvore de natal numa pose de felicidade. Pelo menos já é algo diferente. Mesmo assim os votos são vazios. É apenas um motivo para tirar uma foto e colocar nas redes sociais em troca de interacções. 

Juro que é extremamente aborrecido andar pela internet na época das festas sem ter nenhuma informação interessante que consiga fugir ao tema. Este ano sinto-me particularmente crítico. Pareço um velho ranzinza! 

Na realidade até tive uma surpresa agradável e por isso estou aqui. Alguém se lembrou de me enviar um postal pelo correio. Daqueles que se mandavam antigamente, escritos à mão, antes de haver internet e telemóveis. Onde dispensávamos alguns minutos a escolher as palavras certas e a ter cuidado com a caligrafia para que fosse legível. Sim! Recebi um desses!

Quem se dá ao trabalho de colocar no correio um postal deste tipo, certamente tem alguma sinceridade! Por isso devo dizer que fiquei muito feliz! 

Não sou uma criança mas aquilo soube-me como uma prenda trazida pelo Menino Jesus. Note-se que não sou velho mas no meu tempo o pai natal não tinha a fama que tem agora. Quem trazia as prendas era o Deus Menino. 

Podia contar como era, mas era uma história igual a tantas outras que andam para aí, a única diferença é que era sobre mim e não tenho nada assim de especial para partilhar. 

De qualquer maneira, o postal no correio trouxe-me um sorriso genuíno, que me deu vontade de sentir o espírito natalício. Achei bonito e fiquei feliz! Por isso quis partilhar com o mundo esse presente verdadeiro! 

Dedicar algumas palavras é o mínimo que posso fazer para retribuir. São autênticas, espontâneas e ocuparam-me algum tempo, que ofereço de bom grado, para desejar a quem aqui vier ler estas linhas umas Boas Festas sinceras :)


sábado, dezembro 26, 2020

A conversa que eu tive com um gajo qualquer ao pé do fim do mundo


Era uma esplanada situada no cimo de uma falésia alta. De frente podia-se ver a imensidão de um mar sem fim. Estava um dia ameno que convidava a fazer uma pausa no exterior. O cheiro fresco da água salgada trazia uma tranquilidade imensa e um cafezinho vinha mesmo a calhar. 

Havia algumas dezenas de mesas, todas vazias, com excepção de uma, onde se sentava um homem. Era um tipo pálido, de barba mal semeada e com cabelo negro. Usava óculos de sol e um casaco de cabedal, ambos escuros, que faziam realçar ainda mais o tom de pele pouco saudável. Na sua frente tinha um copo com uma bebida alcoólica que não consegui identificar. Fumava um cigarro, enquanto ia escrevinhando coisas num caderno. Por vezes fazia pausas, daquelas que se fazem quando queremos atiçar a criatividade. A linguagem corporal indicava que estava completamente absorto do que se passava a sua volta, mergulhado nos próprios pensamentos. Nem deu por mim a passar. Não o cumprimentei para não interromper o seu raciocínio interior. 

Sentei-me numa mesa afastada e relaxei. Quase de imediato surgiu o "garçom". Um homem bem-falante, vestido com camisa branca, um lacinho muito bem feito, colete e calças pretas imaculadamente engomadas, a condizer com os sapatos bem espelhados. Trazia na sua frente um avental igualmente bem-apresentado. Chamou-me, acima de tudo, a atenção o seu grande bigode, perfeitamente enrolado nas pontas. Juro que é a pessoa mais limpa que vi até hoje.

– Em que posso servir Vossa Excelência? – Perguntou com uma tremenda educação e mansidão na voz, algo como nunca tinha escutado antes, atrevo-me a dizer. Tal forma de falar tinha lido apenas nos livros de antigamente.

– Era um cafezinho, se faz favor. – Pedi com a maior educação que consegui encontrar em mim. Creio que até me encolhi com vergonha da minha própria rudeza.

– Pois não, é para já caro senhor. – Respondeu, recolhendo de imediato para o interior. 

Olhei em frente para o mar imenso. Sem conseguir calcular distâncias, concentrei-me no gigantesco redemoinho que se encontrava lá no meio antes da linha do horizonte, ainda assim suficientemente perto para que pudesse reparar nos pormenores. No seu rodopiar levava detritos de todo o tipo de tralhas. Desde casotas de cão, a balizas de futebol, um palco onde ocorreu um discurso político; e até um autocarro, que nunca percebi como se conseguia manter à tona de água a flutuar como se fosse um barco. 

Também lá estavam pessoas a bracejar. Pediam socorro como se fosse possível tal coisa. Toda esta gente caia ali juntamente com todas as coisas através de um enorme buraco no céu, que, apesar de estar completamente azul, encontrava excepção naquele local onde um grupo de nuvens se aglomerou para formar uma espécie de esfíncter cósmico onde todos os detritos deste mundo eram defecados. Depois, as águas turbulentas do redemoinho, engolia-os para as profundezas. Era uma cena curiosa. Não sei porquê mas, apesar da estranheza, todos aqueles acontecimentos bizarros e grotescos não me incomodavam. Em vez disso, observava, com a curiosidade de quem contempla uma atracção natural. 

– Aqui tem caro Senhor. – O “garçom” educado regressou com o café, colocando a xícara com os cuidados mais meticulosos em cima da mesa.

– Muito obrigado. – Agradeci, mais uma vez tentei ao máximo puxar pela boa educação. Levei a mão ao bolso e tirei uma nota. Pertencia a uma moeda da qual desconhecia a origem e o valor, no entanto sabia que era o suficiente para cobrar a despesa e oferecer uma gorjeta digna ao “garçom” mais atencioso que tinha conhecido até hoje. – Pode ficar com o troco. 

O homem agradeceu-me com uma ligeira vénia e foi embora. Levei a xícara ao nariz para sentir aquele aroma de café acabado de fazer. As máquinas modernas nunca vão conseguir copiar este cheirinho dos cafés de antigamente. Provei e o gole sabia a perfeição. 

Voltei a contemplar o que se passava no redemoinho. Coisas caiam em abundância, eram mais do que eu conseguia enumerar, por isso concentrava-me nos objectos mais estranhos: enxadas; motas; vestidos de noiva; carros alegóricos…

– Ei, você também está aqui para assistir ao espectáculo? – Olhei para o lado de onde veio a voz, era o outro cliente que já parecia ter acordado da sua própria ausência.

– Sim! Não! Quer dizer, não sei! – De repente percebi que não sabia como fui ali parar.

– Pela sua resposta devo concluir que também não sabe como aqui chegou. – Disse, para depois dar uma passa exagerada no cigarro. – Não faz mal, também me aconteceu o mesmo.

– Sabe onde estamos? – Perguntei, sem ter grande esperança na resposta. Supus que talvez se tratasse de um sonho. Mas não tive certezas, já que a minha memória não estava clara. 

– Não. Mas desconfio que tenha sido uma “trip” das boas. – Riu-se, com o fumo a escapar-se entre os dentes.

– Eu não consumo dessas coisas. – Lancei-lhe um olhar de desdém. – Drogas servem apenas para destruir a dignidade humana.

Ele riu-se. – Ou para mostrar outros mundos... – Concluiu. 

Fiquei um pouco desagradado com a sua presença. Preferia quando estava calado.

– Relaxe homem. Aqui ninguém faz mal a ninguém. É apenas um sítio estranho, nada mais. – Encolheu os ombros como quem se resigna sem precisar de explicações e deu mais uma forte passa no cigarro. Fez também mais algumas anotações no seu caderno.

Não lhe respondi. Por momentos ponderei as várias possibilidades que me levariam a estar ali. Podia ser um devaneio, mas não fiquei convencido com essa explicação.

– Você precisa descontrair. Nem tudo tem de fazer sentido. Isto há que viver à grande: Sexo Drogas e muito Rock and Roll! Carpe Diem! Está a perceber? 

Olhei com atenção para a sua figura descuidada e não tive dúvidas que o homem estava pedrado.

– Essa conversa é muito bonita no momento. Quando chega a altura de pagar as consequências, a conversa já é outra! – Contrapus.

– Você é que sabe. Não sou nenhum padre para o tentar converter à minha religião. – Bebeu um grande gole para cimentar o seu argumento.

A certa altura um navio de cruzeiro surgiu pelo portal. Era enorme! A sério, mesmo gigantesco! Atravessou com alguma dificuldade. Parecia até que o esfíncter cósmico estava com prisão de ventre. Enquanto pendia na direcção do abismo alguns dos seus passageiros e tripulantes escorregavam pelo convés do navio inclinado com a proa para baixo. Sem local onde se agarrarem, ou simplesmente cansados pela luta, deixavam-se ir, para a queda inevitável. 

Por fim, a enorme estrutura lá passou, entre barulhos de metal a ranger e caiu com violência na água, para se afundar logo de seguida rapidamente. Em contrapartida o autocarro, feito para circular em terra firme, mantinha-se a flutuar nas voltas no redemoinho como se fintasse o destino daquele lugar. 

Ambos ficamos a olhar com perplexidade. Ele continuou a escrevinhar e acendeu mais um cigarro.

– Posso perguntar de onde você vem? – Olhou-me com curiosidade.

– 2020, o ano da peste... – Mostrei-lhe a máscara e coloquei-a. – Todos temos de usar máscara e não nos podemos aproximar uns dos outros, senão podemos transmitir ou apanhar uma doença... 

– Está a falar a sério? – Mostrou-se algo incrédulo e até um pouco assustado.

– Infelizmente sim. Tem sido um ano complicado… – Optei por não dar mais explicações. – Mas e você, de onde vem? 

– Início dos anos 80. – Respondeu acenando ligeiramente com a cabeça e abrindo os braços, como se soubesse, sem margem para dúvida, que vinha duma época interessante. 

Compreendi então os seus excessos despreocupados. Foram anos de experimentação de coisas novas onde tudo era permitido em nome da Liberdade. Como podia ele saber das consequências? Os prazeres do mundo estavam disponíveis para todos e era suposto aproveitá-los. Dei-lhe algum desconto por isso.

– Bons tempos! – Confirmei. 

– Então você deve ter vindo até aqui com uma nave espacial? 

Ri-me da ingenuidade da pergunta. 

– Nada disso. Ainda estamos longe dessa parte. Mas antes que me possa fazer mais alguma pergunta, não! Não temos carros voadores nem sequer pusemos os pés em Marte ainda! 

– Oh... Está mesmo a falar a sério? – Rematou com alguma desilusão na voz.

Lembrei-me de como a ficção científica estava em alta naquele tempo. “Star Wars”, “Star Trek”, “Back to the Future”, “Battlestar Galactica”, entre tantas obras que nos levavam a sonhar que aquele futuro estava para breve. Todos julgavam que por esta altura já andávamos a conquistar o espaço, a conviver com robôs e até a viajar no tempo. Parvoíces inocentes, quase infantis, de quem acha que evoluir é fácil.

– Pois é meu amigo, lamento desapontá-lo, mas esse futuro ainda vai demorar um pouco a chegar. Existem outras preocupações que não aconteciam no seu tempo. 

– Estou a ver que sim. Confesso que estava à espera de algo mais.

– No entanto, temos estas coisas. – Levei a mão ao bolso e mostrei-lhe o “smartphone”, mesmo sem me aproximar.

– Uma televisão portátil? – Levantou os óculos para ver melhor. 

– Muito mais do que isso. É um computador de bolso. Podemos fazer muitas coisas: falar com outros; tirar e ver fotografias ou vídeos; ouvir música; fazer uma pergunta e procurar a resposta num sítio chamado internet, etc. Aliás, podemos encontrar de tudo neste sítio chamado internet. Espere mais uns dez anos e vai ficar a perceber do que estou a falar. 

Mexi um pouco no aparelho para lhe demonstrar o que aquilo era capaz de fazer. Ele mostrou-se extremamente interessado. Olhava com atenção o ecrã e ia apontando no seu caderno cada pormenor que eu falava. Ou pelo menos achava eu que era isso que ele escrevia.

Ouvimos alguns gritos a sair do portal e a nossa atenção virou-se imediatamente para lá. Ao contrário dos outros, tratavam-se de vocais agressivos que se traduziam em coragem desmedida. De imediato aguçou-nos a curiosidade. Eram umas boas centenas de soldados, medievais talvez, que empunhavam as suas espadas e batalhavam entre si com toda a ferocidade, ignorando por completo que estavam em queda livre na direcção de um fim inevitável. 

A forma como continuavam a combater em pleno ar e em queda livre era hilariante, quase digna de um “sketch” dos Monty Python. Tentavam planar simulando o voo na direcção do inimigo. Mas atenção! Eram eficazes na sua ofensiva. Rivalizavam até com os melhores para-quedistas com a perícia improvisada do momento. 

As espadas cruzavam-se no céu soltando sons metalizados quando as lâminas se tocavam. Parecia uma acrobacia retirada de um filme de Hollywood onde os efeitos especiais se exageram face à realidade. Alguns chegaram mesmo a perecer, golpeados pelo inimigo, antes de caírem na água.

Não conseguimos evitar de soltar umas boas gargalhadas. Afinal, que tipo de guerra justificava aquele comportamento que obrigava a existir um vencedor, mesmo quando já não havia nada para ganhar? 

Senti-me até um pouco culpado por achar aquela situação divertida. Afinal de contas, eram vidas humanas que estavam ali. A pelejar sob as ordens de algo que não compreendiam. Como acontece em tantas guerras, seja qual for a sua era. De qualquer maneira, não consegui resistir à piada, apesar de mórbida. Era demasiado cómica para que a entendesse de outra forma.  

Talvez, para nosso entretenimento, ou pela sua perícia audaz em conseguir pairar no ar, a queda destes guerreiros destemidos, foi mais vagarosa do que todo o resto. Mais parecia um filme em câmara lenta. Podíamos assim reparar nos pormenores mais detalhados na arte de manejar uma espada pelo ar em queda livre.

Depois, nenhum escapou à queda. O redemoinho não mostrava misericórdia e engoliu-os como a tudo resto. Excepto o autocarro, que continuava a flutuar sem apresentar sinais de querer afundar.

– Acho que isto foi a situação mais surreal que assisti aqui! – Comentei enquanto me recuperava de tanto rir.

– Temos de lhes dar mérito. Estes eram gajos de tomates. Mesmo a caminho do abismo nunca desistiram de batalhar e isso é sem dúvida a coisa mais corajosa que vi. – Voltou a anotar qualquer coisa no caderno com entusiasmo.

– Peço desculpa pela curiosidade, mas posso perguntar o que tanto escreve no seu caderno? 

– Não tens que pedir desculpa. – A sua expressão corporal mudou, anunciando excitação. As próprias palavras demonstraram mais intimidade ao tratar-me por tu. – São poemas, pensamentos, ideias, quem sabe até futuras músicas!

– Posso ver?

– Claro, a arte é para partilhar! – Levantou-se sem hesitar e veio até mim colocando o caderno em cima da mesa sem se preocupar com a proximidade. 

Quando o abri não consegui perceber o que estava escrito. Os caracteres eram incompreensíveis. Não me refiro apenas à caligrafia cheia de gatafunhos. Tratava-se mesmo de um alfabeto completamente diferente. Foi nessa altura que compreendi que estávamos a falar num idioma totalmente desconhecido. Permitia que nos comunicássemos verbalmente. Nada mais. Tudo o resto tornava-se indecifrável.

Ele levou a mão à cabeça e coçou o cabelo. – Pois... Temos esse problema. Estamos a falar uma língua que não aprendemos em lado nenhum e pensamos ser a nossa. Dei conta desse pormenor quando ali o finório veio trazer o meu pedido. – Apontou para o “garçom”. – Mas posso traduzir se quiseres?

– É claro que sim! – Respondi. 

Depois já não me recordo do que conversamos. Creio que foi por causa do mesmo efeito da caligrafia. Eram coisas que aquele lugar, situado algures numa pequena loucura, não queria que eu soubesse. 

Lembro-me, no entanto, dos gestos entusiasmados que o homem fazia enquanto explicava não sei o quê. Era um daqueles entusiasmos contagiantes. Daqueles em que não precisamos de conhecer a história para saber que é grandiosa. Pelo menos para o seu orador. 

Também não sei o que lhe disse. Trocamos pensamentos certamente. Coisas que moram algures na nossa imaginação e só partilhamos com quem compreende essa realidade interior. Palavras que para muitos são insignificantes. Não passam de mera fantasia inútil que não serve para alimentar ninguém.

Recordo-me, contudo, que, durante a conversa, um fulano gordo e peludo, todo nu, caiu. Vinha de braços e pernas abertos enquanto gritava "Jerónimo"! Antes mesmo de atingir a água, cerrou os punhos e levantou os dedos do meio, para logo a seguir se ouvir um enorme "chapão" ao chocar com o mar. 

Sei que o meu companheiro de conversa, ao observar o sujeito disse: – Lá vai um tipo que sabe aproveitar a vida! – Para se rir logo de seguida. Creio que essa afirmação resumia a sua forma de estar. Concordando ou não com isso, ele era alguém fora do comum e isso bastava para o escutar.

Acho que lhe perguntei o nome, embora também não me lembre qual era. No entanto gostava de associar um nome àquela cara. Afinal de contas, não conhecemos pessoas assim todos os dias. Seja onde for. Gente rara!

A tralha continuava a cair. Árvores, um pelotão de ciclistas, camiões do lixo... Todos comidos pelo redemoinho, fosse qual fosse o tamanho. Excepto o autocarro. Ele lá continuava a navegar em cima da água como se fosse um barco. Quem sabe se era esse o seu trajecto, para entreter os turistas lá dentro. De tudo aquilo que me lembro, foi o que mais me intrigou. Mas, como posso eu compreender as leis da física onde elas não existem?

Nunca cheguei a saber que lugar era aquele. Se lhe tivesse de dar um nome chamaria "fim do mundo", embora sem acreditar que o fosse apesar de todo aquele aparato surreal. 

Gostava de pelo menos ter uma explicação que não parecesse loucura. Todavia, se me vierem com aquela conversa científica de que o cérebro é capaz de imaginar certo tipo de acontecimentos, e coisas assim do género, também não desejo essa explicação para nada. Prefiro o mistério. Acreditar que participei numa jornada interdimensional com a própria consciência.

Outra coisa que não sei explicar é o “quando” aconteceu. A bem da verdade também não me interessa. Os “como” e “porquês” são irrelevantes. Prefiro a dúvida. Sei apenas que foi real e isso basta. Quanto ao resto, não sei se era sonho ou lembrança...


Notas: 

- A ideia para este texto já tem mais de dez anos, andava por aqui guardada e só agora decidir pegar-lhe. Fiz algumas alterações ao esboço inicial. 

- Queria escrever um texto para o blog, mas como tinha bastantes elementos e o texto se alongando muito decidi escrever em formato de conto. 

- Apesar de não costumar publicar contos ou textos tão longos aqui, decidi colocar este, já que a intenção inicial era essa. 

- Publiquei também o conto na plataforma "Smashwords" onde podemos publicar um e-book gratuitamente. Podem aceder através deste link: www.smashwords.com/books/view/1060621

- Já agora, leiam os meus outros contos também lá publicados por mim. Visitem o meu perfil em: www.smashwords.com/profile/view/antoniosilva 


quinta-feira, dezembro 17, 2020

O triunfo


Línguas, flexíveis como tentáculos, em busca do sabor húmido da boca, do sexo, para dançarem na viscosidade. 

Lábios que percorrem a pele e brincam como crianças onde o corpo em tumulto chama por eles. 

Dentes que mordem porque querem matar a fome e desafiar a dor. 

Gemidos que saltam sem ordem, na liberdade que o prazer ordena. 

As mãos despem o corpo porque a vontade assim o pede. Sentem as curvas desenhadas nos músculos, as imperfeições talhadas pelo viver, o tempo que se quer intenso. Seguram com força o prémio do desejo. 

Os olhos observam a anatomia humana como arte. Seguem nela o mapa erógeno, porque conhecem o destino sempre diferente a cada chegada. 

Depois, há a guerra. Os membros que lutam para manter o seu domínio até à entrega final de quem se rende na vitória. 

Os movimentos conhecem bem a sua função, automática, sem qualquer comando consciente. Acontecem, quase sem lógica, porque é assim que deve ser. Cru. Bruto. Sem pudor. 

O combate intensifica-se até que todos desistam para comemorar o triunfo. 

A derrota não conhece o seu nome aqui, neste lugar, onde a força se manifesta até à explosão dos sentidos de quem se anula. 

Não há um fim verdadeiro. Recomeça logo após, ou então mais tarde, mas recomeça sempre. Batalhas gloriosas onde os heróis não pertencem a nenhum exército, nem obedecem a nenhum general. Eles e elas, são as próprias armas e o campo do conflito. 

Por fim, o descanso faz algum sentido. A serenidade não precisa de dizer nada para acontecer. O acto consumado. O desejo saciado. Os corpos calados unidos por toques frágeis. A alma engrandecida pela essência de ser gente renovada.


sábado, dezembro 12, 2020

No breu da noite


Quando tentas adormecer sentes algo lá fora, a observar-te por trás das portadas fechadas. O mundo está recolhido, como se não existisse. Sobras tu e o que entendes por real. O medo que quase se pode tocar com as mãos quietas do horror. A irracionalidade é mais forte que tu.

Naquelas noites de insónia, em que o sono teima em não chegar, essa presença sombria é ainda mais forte. Chega-se ao pé de ti, escondida no breu da noite. Não sabes explicar o que é. Apenas que está lá parada a olhar para dentro de ti a penetrar na solidão. Como se estivesse prestes a interromper pelo teu ânimo com as suas mãos gélidas e invisíveis. 

Por vezes, quando já dormes, parece que se senta na tua cama com o peso da sua inexistência. Acordas entre gritos desesperados que a garganta parece soltar instintivamente, buscando por um auxílio que não chega. Não tens a certeza que tenha tenha sido um sonho ou os sentidos a pregarem-te partidas de mau gosto, embora o teu nome seja sussurrado pelo silêncio. 

É uma coisa obscura, sempre lá, mesmo de dia quando o sol raia alegremente. A luz, ajuda a esquecer a sua existência, embora, em certas sombras que surgem de repente tu vês a sua figura incorpórea. O seu negrume sem nome, consegue deturpar todas as cores vivas e iluminadas que compõem os teus segredos. 

Vai, na sua voz calada, convidando aos pensamentos mais perversos que a maldade humana pode consumar. Não sabes o seu nome e assusta sabe-lo. Tens medo de o pronunciar, pois, pode tomar isso como um chamamento e vir a ti mais rapidamente. Com ele, trazer também a sua presença gélida para dentro da tua pele. 

Em vez disso tentas chamar a alegria, numa tentativa de o mandar embora para outro lugar. Procuras salvação numa fé que não tens. A mesma a que recorres nas noites de invernia entre orações inúteis, que, por fazerem passar o tempo, te dão a ilusão de companhia e adensam o cansaço. 

A noite vai longa e há silêncio. O mundo dorme e tu não. Lá fora, sabes que algo te observa, sem forma, ou explicação. És frágil e tens medo. Muito medo. Os teus olhos cerrados não expulsam o seu interesse e muito menos trazem o sono para te salvar. Aquela coisa não se pode ver, nem iluminar ou descrever. Simplesmente é.  

Todas as justificações para a sua existência são tão válidas como inúteis. Mas no fundo, tu sabes que lá fora não há nada. O terror que sentes não vem de qualquer acção exterior. Muito menos de um mito folclórico que o possa descrever. Tu conheces bem a verdade, contudo, como quem se habitua a mentir a si mesmo com todas as suas forças, não consegues admitir que a maleficência está dentro de ti.


quarta-feira, dezembro 09, 2020

O conforto da distância


Está frio e como sempre estou sozinho. Mas não sinto saudades e isso é estranho. 

Os outros, querem sempre alguém ou alguma coisa. Vão-se perdendo nesses sentimentos inebriados. Eu não sou assim, embora os compreenda. 

O vento sopra e a solidão fala. A chuva cai e a interrogação cresce. O que procuro não está aqui, nem depois do horizonte. A companhia é sempre algo temporário, fruto do caminho que se percorre. A carne é só minha. A dos outros pertence a eles, tal como os seus pensamentos. O máximo que podemos fazer é partilhar estas jaulas cobertas por aparência e anatomia. 

Ninguém criou uma ciência que funda todos num só. Inventaram religiões para explicar o inefável. Depois justificaram correntes políticas para negar o indizível e controlar as mentes mais pequenas (que são tantas). Não deixam crescer a curiosidade em nome de um bem maior que não passa de egoísmo. Humanidade, não é mais que uma palavra bonita para ditar nos discursos sem sentido. 

Mas eles já não me importam. Fazer-lhes frente é uma luta desigual. Cansa-me a revolta inútil. Perdi o encanto por causas nobres. 

Existe algo escondido neste mundo e em todo o mistério da existência. Não conheço essa verdade e isso incomoda-me. Fujo para o conforto da distância. A multidão não tem nada para me oferecer para lá do que é banal. Já não procuro rostos que tenham escrito no olhar a inquietação de ser diferente. 

Aqui, ao lado de todos, apresento-me longínquo, num lugar em que nenhum toque me alcança. Há um desinteresse crescente em mim sobre a vida alheia. Acho isso fascinante. 

Quem sabe esteja numa direcção que me leve à Gnose. Embora, provavelmente, a fronteira com a loucura seja demasiado ténue. Ou pelo menos seja vista assim por aqueles que não compreendem, nem querem compreender e atacam com todas as forças aqueles que o tentam fazer. 

Já fui como eles. Talvez, por vezes, ainda seja. Intolerante. Afinal de contas, cada um defende a sua verdade por mais ridícula que seja. 

Não posso afirmar que haja algo extraordinário em mim. O que entendo por diferente deve ser só ilusão. Estou aqui também, a desabafar com frases feitas. 

Está frio e eu não me entendo. Possivelmente também seja como os outros e isso é estranho. 


quinta-feira, novembro 26, 2020

A banca do Cotão


Cotão! Quem quer Cotão! 

Cotão da mais alta qualidade criado naturalmente dentro de um umbigo peludo! 

Cotão! Compre aqui o seu Cotão! 

Não encontra melhor do que este em lugar nenhum! Receita caseira feita apenas com ingredientes naturais! Cotão que surge naturalmente de um dia para o outro em habitat com as melhores condições para produzir um produto de excelência! 

Cotão! Venham comprar o nosso Cotão! Colhido pela matina logo ao acordar!

Não sei como nasce o Cotão, a ciência deve ter alguma explicação mas eu não a quero compreender. Prefiro acreditar que nasce do Éter de forma espontânea.

Cotão! Grandes pedaços de Cotão macio! Venha já aqui comprar! Não encontra melhor preço em mais nenhuma loja! 

O Cotão é como os sentimentos. Surge sabe-se lá de onde para intrigar a mente. Há quem o apelide de sujo. Uma autêntica e imundice da qual nos devemos afastar. Eu prefiro achar-lhe graça quando pela manhã o sacudo da minha barriga. 

Olhem que é uma oportunidade única, pois este Cotão é cobiçado por todo o mundo e hoje está aqui disponível apenas para vocês! 

Cotão é uma coisa inútil para quem não sabe mais nada da vida a não ser o que compram no supermercado e veem na televisão. Já para os outros, os que desafiam as imposições da realidade é um objecto Místico, capaz das mais poderosas magias. 

Encontrem aqui Cotão cobiçado por réis e milionários excêntricos! Hoje é todo vosso a preço de saldo, vendido com todo o carinho deste vosso amigo que vos deseja apenas o melhor! 

Vocês já se lavaram. Tomaram banho em água límpida até livrar a vossa pele de impurezas. Recorreram a produtos perfumados para ocultar o vosso odor natural. Rejeitam com repugnância a sujidade inerente à condição humana, como se rejeitassem a vocês mesmos. 

Não faz mal! Está aqui este vosso servo para vos vender o Cotão da maior qualidade! Porcaria digna dos animais! Podem comprar aqui este tesouro sujo que não encontram em vós! 

Venham todos adquirir o melhor Cotão, caseiro, cultivado com todos os cuidados nas partes mais asquerosas do corpo humano. 

Venham todos antes que esgote! 

Mantenham a vossa limpeza e reputação intactas com este maravilhoso Cotão nascido da impureza alheia! Cotão que podem maldizer do alto da vossa perfeição!


domingo, novembro 22, 2020

Silêncio repetido

Existe um silêncio dominical na vila, mas é sábado e os padres rezam Santa Missa para ninguém. 

O dia está quente contudo o Verão pouco espaço ocupa na memória. O sol brilha por Novembro dentro embora a praia esteja longe e o mar seja uma lembrança fria. 

Na rua ninguém calça os seus sapatos em caminhadas vazias. A solidão está personificada nos vultos de quem não passa por mim. 

O pensamento faz-me companhia nos cigarros que não fumo nesta pausa longa do viver. 

Sou, mas não me entendo. Compreender é difícil quando a paisagem não fala e os outros são personagens inexistentes.

Pela tarde dentro surgem palavras sem sentido. Não há destino para lá da vontade de o descobrir. Talvez descobrir seja o destino e isto não passe de uma frase feita.

A tarde avança nas veredas confinadas da vila quieta. As casas caladas não parecem ter gente lá dentro. Interrogo-me sobre eles como se me importassem.

Observo e isso é tudo. Não é entretenimento nem tão pouco aprendizagem. Divago nas insignificâncias que me rodeiam e gosto de me perder assim.

Entretanto o sol vai baixando cedo porque é Outono e eu esqueci-me. A humidade vem com as sombras que crescem e sinto melancolia. Já escrevi sobre isto tantas vezes e repetir incomoda. 

O momento é igual, mas é diferente. Talvez por isso insista em transcrever o desassossego como se este se manifestasse nas letras que ganham corpo.

Já cá estive a escrever sobre isto em outras ocasiões. Mas não foi hoje. Hoje é assim, mesmo sendo como outros dias que já foram assim. Já tive dias assim, mas que nunca foram assim, como hoje, que repito o que penso.

A humidade parece a mesma, contudo o casaco que visto é diferente. Aquele que já vestiu outros casacos em busca de conforto no fresco que a tarde traz rapidamente, esse, já pouco me lembro dele, embora tenha estado lá e tenha escrito coisas iguais.

Vou repetindo porque isso basta e não me interessa o resto. A solidão manifesta-se repetidamente, portanto é meu dever purga-la. 

Conheço bem o fim de tarde em outonos vazios. Trazem consigo estes sentimentos introspectivos. 

Lá fora nada parece fazer sentido. Acho que de certa forma nunca fez nem é suposto fazer. Seja em que tempo for, o mundo encontra sempre maneira de ser estranho e excluir quem não compreende a sua falta de nexo. 

Esta é mais uma tarde de outono em que a vila está vazia. Não interessam os porquês. As emoções parecem repetidas porque fazem parte de mim. 

Mesmo assim, nunca escrevi sobre esta tarde, por isso faço-o como se fosse uma novidade. Surpreende-me como sempre. Inquieta-me. E só assim vou encontrando algum sentido. 

terça-feira, novembro 17, 2020

Porta de lápis de cor


Olhei para o desenho que uma criança fez. Não compreendi ao certo de que se tratava, acho que era uma paisagem qualquer onde alguém vivia uma aventura. Sei apenas que fazia sentido na cabeça do miúdo e isso era suficiente. Na sua meninice fez dos lápis de cor a porta para o seu mundo e sem saber criou algo grandioso!
Não sei que personagens habitam a sua mente infantil, nem importa muito. São dele e isso basta. De qualquer maneira, ignorando por completo esse facto, tem na sua imaginação a maior riqueza que pode receber. 
Daqui a pouco chegam os "grandes" a dizer que é preciso estudar coisas aborrecidas. "Os desenhos não servem para nada", dizem eles, na sua ignorância adulta. Esquecem que também eles já foram pequenos e o mundo parecia maior. Depois cresceram e assumiram que a pequenez da existência é a única verdade absoluta. Néscios!
Julgam-nos a nós, os de lado de cá. Que não nos conformamos com simplesmente ser, ou a encontrar conforto nas coisas da moda. Eles consomem a fantasia como um produto descartável. Na sua ignorância desvalorizam os criadores que ousam imaginar. Gozam-nos. Apontam-nos o dedo como se fossemos menores. Mal sabem eles do seu próprio ridículo! 
Como podem eles saber quem somos? Se a criança que foram desapareceu com a carne que enruga.
Somos telepatas, empáticos, bruxas, cyberpunks, druidas, magos, esotéricos, curiosos, iluminados, batalhantes, poetas, artistas, hippies, naturistas, aventureiros, personagens à parte, seguidores dos velhos e novos costumes, mais tantos outros cujos rótulos impostos por essa gente são ostentados com orgulho. Todos unidos na fuga à banalidade!
Quem entender a importância da imaginação não se cinge à condição humana, limitada e sem o expoente que uma mente criativa pode alcançar.
É por isto que acho fundamental que exista gente com fantasia, capazes de transformar um simples pormenor numa história épica. Fazer da arte (seja ela qual for) a súmula apoteótica da existência! Gente que retira o peso enfadonho da realidade! 
Como fico contente em conhecer gente assim. Aqueles que me mostram os mundos que não são, no entanto existem e neles podemos ser a criança que nunca cresceu!

segunda-feira, novembro 16, 2020

Prole da mesma intenção


Por vezes cruzo-me com a minha "alma gémea". É inevitável. Sinto-a como um chamamento. Algo magnético que nos impele para o mesmo olhar. É aí, quando os nossos infinitos se cruzam, escondidos atrás de um rosto de feições humanas, que nós percebemos que aquela é a nossa suposta “outra metade” como dizem os românticos.
Ainda que esse encontro dure ínfimos fragmentos de segundo, temos certeza de que ele acontece. Não apenas uma, mas inúmeras vezes, sempre em faces diferentes. Sou eu que me cruzo contigo; és tu que te cruzas com o outros; são os outros que se cruzam comigo. É como uma rede de encontros momentâneos, sem futuro, embora intermináveis com o mistério que trazem. 
Nas nossas diferenças, somos todos parte do Uno. Fragmentados pela nossa sina humana, onde os instintos assumem um papel fundamental. Buscar outro que possamos entender como igual é apenas um deles. Tenho a certeza que os entendidos nas ciências da evolução, arranjam uma explicação para isso. Algo frio. Palavras complicadas que elucidam este enigma, sem romantismo, apelando apenas ao lado mais animal que habita a nossa carne. 
Existir torna-se tão vazio quando compreendemos aquilo que nos programa. É triste. Esta história da "alma gémea" perde a beleza por completo. É tão pouco ser apenas humano. Não é?
Pessoalmente fico baralhado. Falar em "alma gémea" parece até algo incestuoso quando todos somos prole da mesma intenção. Aos olhos da ciência amar é tão pouco. Tão inútil. Somente uma espécie de sobrevivência sem qualquer intenção de ser algo transcendente. Nada que mereça ser transcrito em poemas ou romances que almejam a eternidade. 
Não existe a "alma gémea", existe sim a ideia de "alma gémea". É só isto e é tão pouco. Queremos mais, mesmo que seja só ilusão, porque tão pouco não basta. Então amamos: os corpos, as almas, os sonhos, o etéreo... Sem deixar que a insignificância tome conta de nós!

quinta-feira, novembro 12, 2020

Rasto de pequenas histórias


O passado, mesmo que tenha sido ontem, parece cada vez mais longe. Há meras vinte e quatro horas atrás todas as recordações não passam de dúvidas que o cérebro assumiu como verdadeiras. 

Só o acordar me parece mais ou menos real. Como um começo de algo novo, sendo o que está guardado nas memórias apenas um adereço para aquilo que compreendo como sendo eu. 

Mesmo assim considero que a realidade tem o seu quê de improvável, como se existisse ao meu redor um muro invisível que serve de ocultação para tudo que é de facto concreto. 

A bem da verdade podemos dizer que até o "presente" é uma ilusão. Se repararmos, desde o momento em que observamos qualquer coisa, e até que essa informação chegue ao cérebro, passa-se algum tempo, ainda que sejam fracções de fracções dum segundo. 

Por mais instantânea que seja essa velocidade, quando tomamos verdadeiramente consciência daquilo que observamos, essa coisa já é "passado", apesar de a considerarmos como "presente". Portanto, isto a que chamamos "presente", este mesmo momento em que as palavras são assimiladas, já aconteceu. 

Concluo assim que o "presente" não existe na percepção da realidade. É como perseguir a própria cauda. O tempo corre e nós vamos atrás dele. Deixamos um rasto de pequenas histórias, aprendizagens e sobretudo dúvidas. Mesmo assim, para aqueles que são inquietos, como eu, tudo isso parece longínquo. Por vezes até, irrelevante. 

No entanto eu sou-me assim: a descrever pensamentos que se vão acabar por dissipar quando a minha atenção se virar para outro enigma. É esta a sina dos desassossegados: constantemente a questionar o que é suposto ser verdade. 

Talvez por isso a fantasia seja um local confortável. Porque nela, somos nós que ditamos as regras e estas não nos são apresentadas como verdades inquestionáveis. 

Procuro sempre a novidade; a acção constante que nunca chega a ser. Outros aconteceres que sejam mais do que eu. Tudo isto faz sentido na sua própria incoerência. Só assim consigo encontrar uma explicação que me satisfaça, sem que nada seja de facto explicado. Só palavras que servem de aconchego...


quinta-feira, novembro 05, 2020

A publicidade (O Narrador XIV)


Estranho. As coisas mudam quase radicalmente com o passar do tempo. Revisitei-te por acaso e encontrei em ti tamanha mundanice que não deixei de sentir uma certa nostalgia acerca dos tempos em que eras o objecto central do meu fascínio. 

Olhar-te foi como assistir a um anúncio comercial. Não encontrei em ti mais nada a não ser uma propaganda a um produto qualquer que promete beleza. É estranho, volto a repetir. Olhar para ti e ter essa percepção indica que eu mudei; que tu mudaste; que ambos mudamos e que o mundo mudou connosco. Ou talvez não. Provavelmente o mundo continua igual ao que sempre foi, apenas com uma aparência diferente. 

Tu deixaste-te absorver pela oferta dos pequenos confortos do dia-a-dia. Eu dediquei-me ainda mais a estudar a toxicidade que o conformismo traz à alma. Ninguém pecou. Nenhum de nós está errado. Simplesmente fizemos as nossas escolhas (ou elas nos escolheram a nós). Depois disso foi apenas uma questão de seguir caminhos que se foram distanciando. Nada mais. 

Aliás, atrevo-me até a dizer que é das histórias mais comuns que existe na interacção humana. As pessoas afastam-se. Os ideais alteram-se. O passado torna-se apenas numa coisa que faz parte de nós, mas já não nos integra. Sei que compreendes bem isto. Já compreendes esta verdade como parte integrante da nossa condição. 

Sabes que não sou dado a grandes nostalgias, por isso, é com alguma surpresa que esse sentimento vem ao meu encontro. Suponho que não vai durar muito e no final destas palavras, talvez já tenha até desaparecido. 

Creio que a justificação desta nostalgia, esteja nas aventuras que vivemos juntos em palavras ditas e sentimentos traduzidos. Narrei o teu medo com ternura e compaixão. Descrevi as tuas pequenas grandes conquistas com enorme entusiasmo. Vi-te crescer para fora da criança assustada que costumavas ser. 

Agora que penso nisso, a profundidade desses momentos é, sem dúvida, marcante. Pelo menos para mim, que gosto de me perder nos sentimentos dos outros e fazer deles uma espécie de poesia onde se possa viver. 

Já sabes que a realidade, só por si, não me basta, preciso de me rodear por beleza, ou pelo seu oposto. Estar no centro serve apenas de aparência para os olhos daqueles que se dedicam a julgar. São tantos. Não os culpo. Foram educados assim, tal como nós, para fazer parte de um todo que supostamente nos devia completar e oferecer a tão prometida felicidade. Como isso não acontece perdem-se a apontar os dedos aos outros como forma de passar o tempo. 

Com estas palavras estou também a julgar. Convenço-me que se trata de uma constatação embora, na realidade, tenha perfeita noção de que se trata de um julgamento. Enfim. Hipocrisias da existência...

Suponho que agora também encontras algum descanso quando ligas a televisão e te perdes nos programas de entretenimento ao domingo à noite. Gente a fazer coisas de gente, com palmas e apresentação entusiasmada. Ficam contentes por aparecer em horário nobre. Mendigam alguns momentos de fama com a insignificância que tanto veneram. 

Mas agora todos temos palco nas redes sociais. Desfilas sorridente nas fotos que publicas em poses da moda. És tu, mas podia ser outra pessoa qualquer. Uma foto é inesquecível até ao momento em que é original. Quando toda a gente decide fazer as mesmas poses, nos mesmos sítios, a repetição transforma-se em aborrecimento. Uma cópia de uma cópia, de um original que já ninguém se lembra. És tu, mas podiam ser os outros. Sem nada mais a acrescentar a não ser o teu nome que, continua a morar em mim com um certo carinho. 

Agora fiquei mesmo curioso com a sensação de nostalgia. Talvez agora nem seja ainda um sentimento, em vez disso, transformou-se numa fonte de criatividade para transcrever estes pensamentos introspectivos. 

Na verdade, já não estou a falar de ti, mas de mim. Narro-me a mim mesmo. 

Peço-te desculpa por já não seres o centro da minha atenção, embora me interrogue se também sentes a mesma nostalgia? É provável. Contudo não me importo. Sabes que eu quero mais do que apenas uma publicação patrocinada por um produto qualquer. 

Creio que me estou a repetir de narrações anteriores. Sou vítima da minha própria crítica. 

Continuando, estou feliz por ti, acredita que sim. É sempre bom encontrar o nosso lugar no mundo. Mesmo que para isso a identidade que um dia fez a nossa diferença acabe por não ser a mesma que outrora cativou. 

Mas tenho de te dizer uma coisa: não é a mim que tens que cativar, mas sim a ti! Sobretudo a ti! 

A minha opinião sobre a tua vida pouco importa. Não sou eu que habito o teu corpo, nem aprendi com as tuas desventuras. Não estou no teu lugar. Portanto, no papel de observador, não cabe em mim dizer como deves ser. És como és e isso basta. 

Já eu, sou como sou e longe de mim querer impor a ditadura do meu pensamento sobre a tua liberdade. 

A mensagem de hoje é esta! Vale para ti e vale para todos! Cada um é como é. Resultado das suas escolhas e aprendizagens. Seja conformista, ou não, a escolha é sempre de cada um e mais ninguém!


segunda-feira, novembro 02, 2020

A rotina também tem história

Hoje é um dia em que não acontece nada de especial. Em quase tudo é semelhante a todos os outros em que também nada de relevante acontece. Levanto-me da cama como sempre. É dia de trabalho e por isso saio para cumprir a minha rotina. 

Na casa do costume os cães ladram ruidosamente à minha passagem. Tento fazer-lhes festas mas eles não desistem de proteger o seu domínio com latidos agressivos. Mesmo assim cumprimento-os como se fossem gente e continuo o meu caminho. 

Do outro lado da rua dois homens aparam um um arbusto, a meio de uma conversa tão sem sentido, quanto hilariante, dada a falta de conhecimento sobre as artes da política que eles tanto criticam. As mesmas que comentavam com a mestria de quem compreende a melhor forma de governar o mundo, sendo, na ideia deles, capazes de manter o povo satisfeito em todos os seus sectores. 

O caminho é o mesmo, os rostos com quem me cruzo são iguais, as saudações repetem-se. Mudam-se as roupas, também algumas cores no cenário, mas pouco mais. O trajecto não tem nada de especial. 

No trabalho a senda é a mesma, sem outra vontade, a não ser aquela de que o dever tem de ser cumprido em troca de um salário. 

Depois volto para casa. Pelas mesmas ruas, pelos mesmos caminhos. Abrando um pouco a velocidade e assobio uma melodia qualquer para tentar criar algo de minimamente empolgante na minha vagareza, embora sem sucesso. 

Chegado ao meu lar, encontro os mesmos rostos, aqueles com quem escolhi partilhar o fado de viver. Dou-lhes todo o afecto na conversa de circunstância que acompanha os afazeres diários. 

Já quando a noite chega, surge o cansaço da labuta que, imperceptível, sem que eu tenha reparado nele, força o meu corpo a descansar. Não tarda o sono chega sem chamamento. 

Prepara-se assim a madrugada, onde dorme o homem e acorda a consciência, para que um dia banal, como este, se transforme em palavras que não o deixam cair em esquecimento.


terça-feira, outubro 27, 2020

Tu que pregas


Vai-te embora!

Não tens fantasia

Não tenho paciência para gente vazia

Sai daqui agora!

Vai-te sem demora!

Não suporto essa voz que me entedia

Não me prometas uma vida mal parida

Tens uma alegria castradora!

És de uma banalidade avassaladora!

Não cheiras a poesia

Não me sabes a companhia

Em raiva açoito-te com uma vara!

E como um bicho escorraço-te daqui para fora!



quinta-feira, outubro 22, 2020

Peças de lego

Por vezes imagino-te como um ser transexual. Dividido em múltiplas identidades, livres de qualquer estereótipo ou preconceito. Corpo desenhado numa aparente confusão assexuada sem pudor, nem o mínimo objectivo de fazer qualquer sentido.

Desmonto-te e remonto-te com novas peças coloridas nos vários tons de pele, partes masculinas e femininas, transgénero. Gordura e magreza; fealdade e beleza; perfeição e grotesco. Acrescento também partes de bichos como nas lendas de outrora. Reinvento-te de todas as maneiras possíveis e imagináveis, como uma criança brinca com lego. 

Suponho que é assim que Deus monta todos os seres humanos, como um brinquedo com peças de encaixar. Imagina, constrói e dá vida à sua história. Nós, variações da mesma personagem reinventada vezes e vezes sem conta. Aparentemente conscientes no comando dos nossos julgamentos. 

Depois, refugio-me a ponderar sobre estes meus pensamentos estranhos e sobre aquilo que verdadeiramente nos define como humanos. Um pedaço de software instalado num hardware. Um robô de carne e osso a tomar decisões estabelecidas pela programação matemática designa o nosso suposto livre arbítrio. 

Recentemente li um estudo que dizia que o cérebro toma as decisões mesmo antes de termos consciência delas. É tão estranho! 

Claro que estas conclusões tiram toda a ideia de romantismo à existência. 

A própria ciência diz que o futuro já passou, nós, simplesmente é que não nos lembramos dele. Isto deixa-me a questionar: porque é que eu tenho compreensão de mim mesmo? Se afinal tudo já está pré-programado e até acontecido. 

Qual é o sentido, para alguém que não passa de um figurante num jogo cósmico, ter noção de si mesmo?

Apesar de tudo gosto de acreditar que nós somos algo grandioso. Tu e eu como um só e tudo o resto como nós. Tão gigantes como o pó e tão pequenos como as estrelas! 

O teu corpo feito de tantos outros, baseado numa única ideia. Todas as bocas vão dar à tua alma pelos caminhos do prazer e da dor. Eu húmido, tu erecta, na mistura dos sentidos para lá do que o corpo dita. Engolidos pelo fascínio daquilo a que chamam amor. 

Encontramos a nossa casa no que é bizarro. Fugimos pelas veredas do impossível e ficamos no mesmo lugar, cingidos à nossa aparência, sem que nada mais importe apesar de tudo importar!


sábado, outubro 17, 2020

Conjugar


Está morto o verbo amar
Calado
Chorado
Faleceu de tanto se entregar
Adormecido
Aniquilado
Até que um beijo o fez ressuscitar
Atraído 
Encantado
Erguido com um breve olhar 
Revivido
Deslumbrado
Conjuga-se o verbo amar
Infinitamente apaixonado
Anuncia por todo o lado
Que ninguém o pode matar 
Nem desmembrado
Ou castrado 
O eterno verbo amar

quarta-feira, outubro 14, 2020

Os outros são um lugar longínquo

As paredes claustrofóbicas, sempre iguais, na mesma cor, no mesmo tamanho, nas mesmas janelas com o cenário imutável, impelem-me para o exterior. O sol brilha, porém, a sua cor não é suficiente para me aquecer com alegria. 

Percorro as ruas vazias de gente e de ânimo. O vento outonal parece manifestar fisicamente a solidão que me atormenta. As árvores teimam ainda em não se despir nem pintar as suas folhas com os tons quentes da estação. Também elas querem combater o calendário e manter a ilusão do verão na sua aparência. 

O calor parece amenizar qualquer tipo de desalento que possa tentar domar o espírito. A existência carente procura algo que a aqueça, seja no clima, no amor, na arte, ou na beleza, ou em tantas outras artimanhas que o ser humano encontra para dar algum sentido à sua vivência. 

A fantasia talvez me alegre se mais nada me cativar. Sei que lá, encontro sempre um refúgio onde a realidade não me alcança com as suas agruras. A criança existe novamente com a sua imaginação como companheira. Voltam as brincadeiras da meninice e os ralhetes dos adultos pouco importam. Quem manda agora sou eu "o grande". Soberano de toda a diversão mesmo que ela não exista. 

A ânsia de não sei quê pede-me um escape para não sei onde. Os outros tornaram-se um lugar longínquo. Abandonaram-me sem amor, causas, ou conformidade. Eu também não os procurei, entendi isso como um alívio ao fardo de ser gente. Contudo, atormenta-me saber que também sou como eles. Criatura embrenhada no sentir.

Toda a poesia que possa escrever não me afasta da herança que recebi da história deles como sociedade e inquieta-me saber que assim devo continuar. Indicam-me sem questionar as regras que devo seguir. É isso, ou o desassossego. Não há meio termo.

Escolhi, portanto, questionar: quem sou? Tal como todos os significados deste mundo. Mesmo em constante tumulto decidi acreditar em mim mesmo e consumir todos os sentimentos. A curiosidade não me deixa sossegar. Desejo o que está longe e só assim me compreendo. Pouco mais importa…


terça-feira, setembro 29, 2020

Simetria entre opostos


Já reparaste que tudo é resultado de um equilíbrio entre as forças cósmicas deste mundo. As estrelas mantêm-se a brilhar no firmamento devido à perfeição matemática da criação. Todos os corpos celestes existem em harmonia pela métrica imaculada do universo.
Acredito que o segredo da felicidade consiste na simetria entre opostos. O amor e o ódio; a raiva e a serenidade; o luxo e a pobreza; o pesado e o leve; o belo e o feio… Enfim, todas as dualidades opostas com o mesmo peso na balança. 
O caminho do centro é o certo. Convém é que sejamos nós, com sinceridade, a avaliar as medidas. É aqui que toda a razão falha. Confiar essa missão a seres de instinto duvidoso, como somos, certos apenas da nossa verdade, é por si só, uma ideia condenada ao fracasso.
Há que saber que apesar de criarmos uma consciência que nos dá a ilusão de sermos seres individuais, não somos cientes, ou sábios, nem conhecedores de grandes segredos. Aquilo que sabemos não é nada em comparação com a imensidão do infinito. Uma piada perante a perfeição. Um ultraje até à mera ideia de criação.
Regressemos ao início, desde o chamado "big bang" a todos os acontecimentos que foram surgindo em cadeia para que estivéssemos aqui. Humanóides. Dois braços e duas pernas. Homens e mulheres. Cada um com o seu cérebro dito inteligente. Animais racionais a brincar às divindades, ou meramente à sobrevivência.
Desde o aparecimento da luz, que deu lugar ao firmamento, ao surgimento da dita civilização, aos amores dos teus antepassados, ao momento da tua concepção, ao teu parto, e culminar na tua história pessoal. Há uma grandeza exageradamente espectacular nisto tudo. Não achas?
Contudo, teimamos na incompreensão e vamos seguindo, ignorantes…
Os opostos atraem-se mas não se completam. Equilibram-se. Cada um dos seu lado da teimosia. Eu sou éter e tu és chão. A dimensão do pensamento em oposição ao horizonte do autêntico. Cada qual com a sua legitimidade, embora sem saber ao certo o seu lugar para que o equilíbrio se mantenha.
Depois, tudo se torna complicado. Uma excentricidade de doutrinas e ciências que vão tentando romper um caminho a que chamamos sabedoria. Um emaranhado de sentidos que apontam para todas as direcções: perfeitamente opostos e perfeitamente simétricos!

terça-feira, setembro 22, 2020

A ilha de "Lost"

Setembro é um mês agridoce. Tem no seu ventre o conforto caloroso do verão e em simultâneo abre as portas do outono e traz consigo os primeiros dias invernosos. No entanto esta história aconteceu no fim de um dia quente. Quando a noite começa a cair e as primeiras estrelas convidam a olhar o céu. 

– "Gosti" –  disse com uma certa meiguice que só ela sabia ter. 

– Como quem gosta de quê? – Questionou ele, não porque duvida-se, mas porque gostava de viajar nas palavras dela. 

– Como quem gosta da lua cheia. – Respondeu sorrindo, sem timidez. 

– Desenvolve. – Insistiu ele com alguma frieza, tal como seria interpretada por quem não o conhecesse.

– Daquelas gigantes que hipnotizam! – Concluiu ela.

– Já eu, gosto de ti como uma ilha deserta. Daquelas com praias fantásticas e florestas  supertranquilas. Mas depois, quando começamos a explorar, vamos encontrando vários mistérios cativantes. Tipo aquela ilha de "Lost". – Disse ele narrando as palavras de forma a dar corpo ao sentimento.

– Ganhaste no desenvolvimento. – Comentou ela refugiando-se no sorriso.

– Também podias ter desenvolvido mais. Se quiseres continuar eu não me queixo… – Lançou-lhe o desafio, apesar de saber que seria difícil obter a continuação, já que as suas confidências são raras.

– Agora não. Tenho de ir […]. – Deixou de a escutar no momento em que disse que tinha de fazer uma mundanice qualquer. As banalidades do mundo sempre foram demasiado aborrecidas para ele. Principalmente na companhia dela. 

Contentou-se com a resposta expectável. Já sabia que ela era assim, fugidia. Chega, deixa o mistério no ar e depois vai embora com um pretexto qualquer. Não se importou em demasia. Tinha conseguido que ela lhe oferecesse um pouco do seu tempo gratuitamente. Isso para ele era muito.

A conversa talvez continuasse depois, num dia qualquer, noutro momento em que a poesia estivesse presente na decoração da natureza. Ou então, quando os sentimentos tentassem enganar a inquietude e tomassem as palavras por escape.

Contemplou o anoitecer. Não é preciso ser poeta, ou artista, para interpretar a beleza das estrelas no céu a brilhar numa noite amena. Basta gostar da tranquilidade que vai surgindo como recompensa depois da confusão dos afazeres humanos.

De certa forma aquela conversa continuava, silenciosa e distante. Como tantas outras que aconteceram antes. Pintada no cenário sossegado da noite que cai e das estrelas que cintilam ao fazer viajar a imaginação...


segunda-feira, setembro 14, 2020

Qual é o teu sonho?

Nunca compreendi porque chamam "sonhos" aos nossos projectos, ideias, ou ambições. Sonhar é algo que pertence ao sono. Uma realidade abstracta que ocorre enquanto dormimos, sem relevância maior, destinada apenas ao esquecimento. 

Dizem os entendidos que é o cérebro, com os seus mistérios, a reordenar os pensamentos. Nada de especial, portanto. Pelo contrário até, apenas um computador a desfragmentar toda a sua informação. Visto por este prisma nada existe de extraordinário em sonhar. Ainda que, tenho de admitir, seja algo que levante curiosidade pela sua excentricidade. 

Mas voltando ao pensamento inicial, aplicar o termo "sonhar" para aquilo que desejamos, indica, só por si mesmo, algo não realizável. 

Não! Eu não "sonho" dessa forma! 

Prefiro expressões como fantasioso, imaginativo, inconformado, visionário, idealista! 

Não! Não me perguntem qual é o meu "sonho"! 

Eu sou daqui. Não estou a dormir. Estou acordado. Talvez até demais. 

Estar acordado por vezes dói mas só assim consigo ver com precisão as linhas com que é tecido o mundo. A realidade crua em que a nossa forma se perde entre os chamados "sonhos por realizar". 

Posso imaginar uma utopia, impossível do ponto de vista humano, contudo se a descrever numas quantas linhas esta passa a ter o estatuto de ideia. Depois, quem sabe, pode inspirar outros, com saber suficiente para a tornar realidade. 

Seja como for, a fantasia que criei acordado, ganhou forma. Algo palpável para quem compreende a linguagem dos que pensam para lá da linha do horizonte.

A maior parte das pessoas, desses que têm "sonhos", são os mesmos que excluem gente como nós. Os que vivemos rodeados por arte e poesia. Nós, os que conhecem a realidade e sabem que ela não basta.

Tu, que estás aí desse lado, a ler estas palavras e identificas-te nelas como se fossem as tuas próprias, fica a saber que a tua condição não é única, muito menos isolada. És somente fruto do desprezo de quem não consegue ver mais do que os limites pelos quais são rodeados. 

Não aceites os julgamentos nem conselhos dessa gente comum. Dizem que "sonham" e por isso acham-se diferentes. Não passam de cópias uns dos outros. Do nosso mundo não sabem nada e nós também não os queremos cá! 

Deste lado da fantasia só as nossas verdades nos podem orientar!


segunda-feira, setembro 07, 2020

Interlúdio entre o dormir


Despertei a uma hora inexistente da madrugada. Os outros lá de casa dormiam no mais profundo silêncio do seu descanso. Como se fossem somente parte do cenário. Apenas sombras por distinguir na penumbra. Vultos cuja história caiu em esquecimento.
Na escuridão pareciam evidenciar-se cores que não conhecia. Tonalidades berrantes que desafiavam a realidade. Sei que não estava a sonhar nem tão pouco semi-desperto. Quem sabe, estava num estado de consciência ainda desconhecido da sabedoria humana. Um momento longe do real que, talvez mais tarde, fosse remetido ao esquecimento do verdadeiro acordar.
Sabia apenas que a noite já ia longa e a manhã não devia tardar muito. Não procurei o relógio, creio que tentar orientar-me no tempo ia destruir a incógnita do momento. É um acto de heresia estragar o mistério de ocasiões assim, onde o pensamento se eleva acima da carne humana e da ciência que a rege.
Por vezes, acontecem revelações em instantes como este. Sem percepção temporal da sua dimensão. Embora, desta vez não tenha nada em especial a desafiar a minha inquietação. Ou, quem sabe, estava demasiado desatento para conseguir entender qualquer epifania nocturna. 
Para além do desassossego não entendi outro propósito. Eu, com os meus devaneios, numa tentativa poética de transcender a banalidade. Creio que foi só isso. Nada com uma grandiosidade que mereça relevo nos porquês da existência.
Baixei as pálpebras e busquei conforto na roupa da cama para regressar novamente ao sono. Sei apenas que este chegou novamente para camuflar os meus pensamentos neste simples interlúdio entre o dormir. 
Contudo, de forma contrária ao esperado, o dia, na sua lucidez, recordou-me este momento. Algo que provavelmente não passou de meros segundos perdidos entre sonhos. Sem qualquer importância, mas que teima em desafiar a minha compreensão.
Seja como for, não ousei descartar o seu mistério. Gosto destes pequenos nadas que tanta coisa dizem. Há sempre algo que se esconde por detrás daquilo que não tem significado. Não consigo interpretar o seu intento e possivelmente seja esse o seu fascínio. 
Coisas pequenas que se vão acumulando na enormidade do pensar. Nada de especial com tanto para reflectir. Se não fosse assim a condição humana era crua, sem temperos e insuportável. Para concluir o devaneio, envolvo-me em pensamentos sobre coisa nenhuma e isso é lindo!

quinta-feira, setembro 03, 2020

Fulana, sicrana e beltrana

Acordei com o som de umas senhoras animadas que conversavam na rua. A julgar pelo timbre da voz, diria que a idade já lhes pesava um pouco, mas não o suficiente para lhes roubar o vigor das palavras. 

No meu quarto não consegui perceber o teor da amena cavaqueira. Aqui e ali conseguia compreender qualquer coisa, embora não fosse preciso grande especialista para chegar à conclusão de que se tratavam de coscuvilhices. 

Não estava totalmente desperto mas certos fragmentos ditos chegavam a mim: "Fulana isto, sicrana aquilo, beltrana acoloutro". Alguns vocábulos que o meu ouvido captava e denunciavam o tema daquele falatório matinal. 

No meio das frases por vezes surgia uma gargalhada que se contagiava a todas as outras intervenientes, já, logo de seguida, o tom das vozes baixava quase para murmúrios completamente imperceptíveis. O assunto, por vezes, mudava de sentido rapidamente. 

Achei toda aquela cena divertida e caricata. O estereótipo de velhas alcoviteiras ali mesmo ao pé de mim, vivo, na pele enrugada daquelas mulheres sem pressa.  Entretidas com a sua tagarelice que me serviu de despertador.

Não me levantei para observar pela janela os seus rostos. Em vez disso deixei-me ficar na cama com a figura delas a ser desenhada pela minha imaginação. Acredito que a recordação tem mais piada assim. Não quis que a realidade me estragasse a imagem.

O sono tinha cumprido a sua função de retemperar as minhas forças físicas e anímicas. Não havia melancolia, nem irritação, só uma preguiça banal, típica no ser humano comum. Fiquei grato por ser dessa maneira. Acordar de forma banal sem o peso do sentir.

A manhã começou assim entre vocábulos alheios. Com uma pequena história, sem nada de verdadeiramente interessante, para contar. De qualquer maneira decidi aceitá-la como uma dádiva e como recompensa decidi transcrevê-la sobre a forma de conto, mesmo que desinteressante.

É tão simples quanto isto. Sem me preocupar com ideias magnificentes, deixo por escrito, em palavras embelezadas, para que conste no futuro a quem por aqui passe a ler, de que, neste dia em particular, acordei contente!


segunda-feira, agosto 31, 2020

Olhem para mim: sou uma princesa!

Nunca me senti uma princesa. Claro que a minha masculinidade não ajuda, embora tenha a certeza de que existe uma versão masculina de princesa num conto de fadas. 

Já fui (ou ainda sou) um guerreiro; bruto; glorioso; pirata; monte de merda; asqueroso; estúpido; inteligente ou iluminado, creio que não faltam adjectivos para descrever todas as minhas acções. Se calhar até fui um príncipe encantado num conto de fadas qualquer e nem me apercebi. 

Contudo gostava de um dia sentir o que as princesas do imaginário sentem ao serem amadas na beleza da fragilidade. Por ausência de estímulos de candura, não consigo imaginar tal cenário. É pena. Frustrante até, já que nem nas palavras apoiadas na imaginação consigo conceber tais sensações. 

Não tenho culpa te ter sido privado da inocência. Foram tantos aqueles que me ma roubaram que já lhes perdi a conta. Tenho alguns guardados na mágoa que ao crescer se fez violência. A memória não serve só para guardar rancor, nem tão pouco as mãos para fazer justiça, embora a boca tenha sede de vingança. 

Será que as princesas têm alguma coisa disto no seu pensamento? Acredito que não, ou pelo menos é assim que as descrevem. Com uma total ausência de maldade ou raiva. E eu tenho inveja delas. Muita inveja!

Não se deviam iludir as crianças com contos que não passam de armadilhas para tornar a existência ainda mais penosa. Dói ainda mais quando essa ilusão ainda teima em persistir na idade adulta. Chamam-lhe esperança. Dão-lhe um estatuto de sentimento maior e dizem que é o último a morrer. Esquecem-se no entanto de referir que a esperança não passa de um analgésico para as agonias do dia-a-dia.

Era bom adormecer para acordar uns tempos mais tarde com um beijo de uma desconhecida a quem passaria a amar incondicionalmente, para sempre, numa felicidade constante. Só que, convém estar ciente de que se me deitar a dormir permanentemente, o corpo vai-se encher de chagas pútridas e as necessidades fisiológicas vão se acumular até tornar o ambiente nauseabundo. Isto para não falar na falta de nutrição que vai deixar a figura humana esquelética eliminando todos os traços de beleza.

Nos contos de fadas, escondem sempre a miséria da condição humana. Ninguém quer saber dos feios, dos aleijados, dos magoados, ou dos excluídos. Esses, não merecem histórias, só o ignorar dos olhares que passam. Esses, são os que sonham, mesmo sabendo que sonhar dói e ninguém se importa!


segunda-feira, agosto 24, 2020

Onde as tentações se prostituem

Eu sou um observador de mim mesmo. Vejo-me com curiosidade quase científica. Neste processo divido-me em dois. Posso classificar um, como sendo sábio, caridoso e compreensivo; o outro, um bicho humano, com todos os instintos e sentidos a que essa condição obriga. Igual a vocês, na nobreza ou decadência. 

Olho por mim como um pai bondoso cuida do filho. Por vezes orgulho-me daquela pessoa de carne e osso que sou. Sinto uma satisfação momentânea pelas pequenas conquistas que, chegam quase a ser um roçar na felicidade. Outras vezes repreendo-me severamente. Não tolero a ignorância propositada que por vezes abraço sem motivo algum. 

Presto atenção os meus pensamentos. Não deixo que tomem um rumo que me leve ao afastamento da gnose. Tarefa árdua quando a minha vontade teima em se ancorar aos pequenos pedaços de coisa nenhuma que a sociedade me atira, como uma esmola a um mendigo. Desprezo quando assim é. Enoja-me a pequenez com que me tentam iludir.

Fiz um caminho até aqui, duro. Marcou-me com calos e cicatrizes no corpo e na alma. Houve amor mas esqueci-o rapidamente entre as muitas vielas onde as tentações se prostituem. Essas histórias estão escritas por aí, escondidas entre os textos que me fazem. Não lhes dou importância em demasia. Somente um acréscimo que pouco ocupa na memória.

Destacam-se os momentos em que segui sozinho, perdido, sem qualquer tipo de orientação. Mesmo implorando aos céus na esperança que algum deus clemente me escutasse. Nunca obtive êxito nas minhas preces. Nesses desgostos amargos e consecutivos, cheguei à conclusão que não devia procurar nos outros aquilo que devia encontrar em mim.

Fecundei a minha imaginação, as minhas forças, os meus impulsos e a minha sabedoria, numa orgia anárquica escrita com o sangue da fantasia. Todas as minhas arestas me pariram em simultâneo. Surgi eu, o observador! Nasci-me para me tornar a minha própria Divindade, sem templos, sem adoradores, sem milagres, nem tão pouco glória. Não me dei credo nem dogmas.

Talvez me conheças nestas linhas que se vão escrevendo entre a fúria e a tranquilidade. Mas não me mostro muito. Vou cumprindo uma espécie de missão de guia, para esse outro eu que anda desencontrado aqui neste mundo de gente sem rumo. Somos como uma simbiose entre o oculto e a aparência. Não vou dar mais explicações para aquilo que não se quer explicado. O mistério deseja a sua parte de mim e eu devotado a conhecer as suas entranhas. 

Contudo isso são outras façanhas de um meu eu desconhecido até de mim mesmo. Viro também a minha atenção para vocês. Os corpos habitados por alma que comigo se cruzam. Tendes também os vossos segredos e inutilidades que me vão cativando. Mas isso fica para depois, quando não tiver muito a dizer sobre as minhas próprias considerações...

segunda-feira, agosto 10, 2020

Palavras soltas ao caos

O meu eu eu eu
Poema ema gema
Gema e gemo
Gememos todos (onde isto vai parar)
Por causa dos tordos
Voando nos céus.
Por causa dos cacos
Voando pelo caos
As palavras gemem
Transmutam-se
Penetram a alma aberta
Palavras sem nexo
Inventadas
Desnudadas
Entram, saem, ficam
Explodem
Gemos por traduzir
Eu como remendos
Nós como remendos
Cicatrizes em uníssono
A solidão morre no gemo
A solidão vive no gemo
O gemo esquece a solidão
O gemo vive e eu não sei
Eu eu eu
Procuro o poema a vir-se
Não sei o que digo
Digo sem querer dizer
Agora estou a morrer
Agora estou a viver
Agora sou-me a gemer!


Nota: poema escrito a partir das primeiras seis linhas cuja autora não quis dar continuação mas eu achei que deviam ter um término.


sábado, junho 27, 2020

Questionar a ciência


O passado é uma distância estranha. Sei que existiu porque me lembro dele. Acredito que fiz essa viagem até aqui ao momento presente, por causa das recordações que fazem de mim quem sou. Aprendi e cresci. Posso comparar isso nas imagens que o espelho me dá. Já não vejo uma criança, aliás, custa-me até a crer que um dia fui mais jovem. Se fui, aquele não era eu. 
Dizem os entendidos que o futuro já passou, nós simplesmente não nos lembramos dele. É a ciência que afirma isto com a sua matemática precisa. Sem qualquer tipo de romantismo. É um facto puro e duro. 
O meu eu futuro não conheço. Não me posso deslocar até ele nem tenho qualquer indicação sobre quem é. Não há qualquer referência tal como existe no meu eu passado. Só este entendimento faz com que a mente seja assolada por variadas interrogações: 
Será que vou fazer as escolhas certas? 
Será que este momento existe?  
Será que as minhas decisões são mesmo minhas? 
Aqueles que defendem a existência do destino, de certa forma estão correctos, porque afinal já tudo aconteceu! Quem sabe não passamos de meros figurantes numa história muito maior que a nossa própria existência? Se assim é, o mundo que conhecemos não passa de uma ilusão! É uma conclusão possível. 
Mas o sofrimento existe, e dói. A felicidade também, e é tão bonita. Há também o intermédio e todas as coisas que conhecemos. Os sentimentos que me moldaram. As cicatrizes, em que cada uma tem a sua história. Os rostos daqueles que me rodeiam e a quem chamo pelo nome. Será que isto tudo é mesmo uma ilusão? 
A cada momento eu sou diferente. Incontáveis fragmentos de mim mesmo encaixados uns nos outros de maneira a criar uma sequência. Feitos de aprendizagem na vivência do dia-a-dia e no sentir que vai impulsionado aquilo que entendo por viver.
E se nem isso for real? Não existiu nada antes e tudo o que sei faz parte da personagem que me atribuíram. 
E se tudo está errado? A ciência? O destino? O próprio tempo? Só este momento é verdadeiro! 
A inquietação é grande no meio de todas estas questões inúteis, já que tanto faz que tudo seja uma ilusão. Eu estou aqui. Para mim sou real. Sinto o toque quente ou frio. Sei o que senti e o que sinto. Também o que quero sentir. Vejo as letras, por mim pensadas, a organizarem-se de modo a serem compreendidas por outros que também os julgo como verdadeiros. Todos tivemos a mesma base de aprendizagem e conseguimos nos fazer compreender uns aos outros. 
Tudo isto é real. Tem de ser real. Mesmo que seja mentira...

segunda-feira, junho 22, 2020

Robótica do amor


Certo dia um robô decidiu oferecer uma flor a outro robô, o qual assumiu ser do sexo feminino, já que tinha assumido para si mesmo o sexo masculino. Mas isso pouco importava porque os robôs não tem sexo.
Apenas o gesto de entregar algo belo a outro alguém tinha importância. Era isso que os humanos faziam quando amavam. Mesmo sendo ele, uma máquina, supostamente isenta de sentimentos, acreditou que seria bom também ele amar. 
O seu algoritmo não previa tal hipótese, porém, ele decidiu que queria amar e assim o fez. Talvez não passasse de uma lacuna na sua programação, o que lhe permitiu este processo de livre-arbítrio. Ou quem sabe uma excentricidade colocada propositadamente por um programador apaixonado, que decidiu fazer poesia nas linhas de comando em vez dos versos usados antigamente. 
Para o robô isto era indiferente. Seguiu apenas o impulso de deixar a sua amada feliz. Isto apesar nos robôs não terem sexo, ou sentimentos. Muito menos conseguirem distinguir o amor do ódio.
Ela, com a sua sensibilidade mecânica, aceitou a oferta. Sem compreender porquê sentiu-se, de facto, feliz. Sorriu na sua linguagem electrónica, apesar dos robôs não poderem sorrir.
Ambos ficaram contentes. Sem questionarem a origem lógica desta alegria. 
Desconheciam o porquê de amarem como faziam as pessoas limitadas à sua carne, osso e pensamento. Os robôs não questionavam e ainda bem.
Deram as mãos instintivamente. Na sua anatomia, criada à imagem do ser humano, imitaram os comportamentos que viam nos registos mediáticos dos seus criadores. Isto, apesar dos robôs não terem instintos.
Afastaram-se da rota que lhes foi designada e procuraram um lugar bonito junto à natureza para poderem passear juntos e sozinhos. Note-se que os robôs não conseguem distinguir a beleza da fealdade.
Não tardou muito até que surgiu uma inevitável vontade de beijar. As bocas, que serviam apenas um objectivo estético, tocaram-se, sentindo o sabor um do outro. Vale a pena lembrar que os robôs também não sentem sabor.
Como fazem os amantes ao beijar, procuraram a alma um do outro. Sabiam que os robôs não tinham alma mas recusaram-se a acreditar. 
O beijo sobrepunha-se a qualquer lógica. Algures no centro dos seus algoritmos havia algo mais profundo do que mera racionalidade matemática. O amor nasceu sem explicação e nada mais importava.

segunda-feira, junho 15, 2020

Google tradutor


Dit is alles 'n illusie
Allshtë gjithçka një iluzion
Es ist alles eine Illusion
ሁሉም ቅ illት ነው
كل هذا وهم
Ամեն ինչ պատրանք է
Hamısı bir xəyaldır
Ilusioa da dena
সবই একটা মায়া
Гэта ўсё ілюзія
ဒါဟာအားလုံးထင်ယောင်ထင်မှားပါပဲ
Sve je to iluzija
Всичко това е илюзия
ಇದೆಲ್ಲ ಭ್ರಮೆ
És tota una il·lusió
Мұның бәрі елес
Kini usa ka ilusyon
Je to všechno iluze
Zonsezi ndi zabodza
都是错觉
都是錯覺
ඒ සියල්ල මිත්‍යාවකි
그것은 모두 환상입니다
Hè tutta una illusione
Se tout yon ilizyon
Sve je to iluzija
Ew hemî ilmek e
Det hele er en illusion
Všetko je to ilúzia
Vse skupaj je iluzija
Todo es una ilusion
Estas ĉio iluzio
See kõik on illusioon
Ito ay isang ilusyon
Se kaikki on harhaa
C'est une illusion
It is allegear in yllúzje
Tha e na mhearachd
É toda unha ilusión
Mae'r cyfan yn rhith
ეს ყველაფერი ილუზიაა
Είναι όλα μια ψευδαίσθηση
તે બધા એક ભ્રમણા છે
Duk hasashe ne
He mau kiʻowale kēia
הכל אשליה
यह सब एक भ्रम है
Nws yog tag nrho cov kev yuam kev
Het is allemaal een illusie
Ez mind illúzió
Ọ bụ nro niile
דאָס איז אַלע אַן אילוזיע
Itu semua ilusi
It's all an illusion
O jẹ gbogbo iruju
Is illusion ar fad é
Það er allt blekking
È tutta un'illusione
それはすべて幻想です
Kabeh khayalan
វាជាការបំភាន់ទាំងអស់
Byose ni kwibeshya
ມັນທັງ ໝົດ ແມ່ນການລວງຕາ
Est omnis visio
Tā visa ir ilūzija
Tai visa iliuzija
Et ass alles eng Illusioun
Сето тоа е илузија
ഇതെല്ലാം ഒരു മിഥ്യയാണ്
Itu semua khayalan
Fahadisoana fotsiny izany
Hija kollha illużjoni
He pohehe noa katoa tenei
हे सर्व एक भ्रम आहे
Энэ бол бүгд хуурмаг зүйл юм
यो सबै भ्रम हो
Det hele er en illusjon
ଏହା ସବୁ ଏକ ଭ୍ରମ |
دا ټول فریب دی
این همه توهم است
To wszystko złudzenie
É tudo uma ilusão
Ud ਤੁਡੋ ਉਮਾ ਇਲੁਸੋ
Мунун баары элес
Este totul o iluzie
Это все иллюзия
O se taufaasese uma
Све је то илузија
Ka kakaretso ke thetso
Zvese kunyepa
اهو سڀ ڪجهه فريب آهي
Dhammaantood waa khayaali
Huo ni udanganyifu wote
Éta sadayana ilusi
Det är en illusion
มันเป็นภาพลวงตาทั้งหมด
Ин ҳама як фиреб аст
இது எல்லாம் ஒரு மாயை
Барысы да бер иллюзия
ఇదంతా ఒక భ్రమ
Hepsi bir illüzyon
Bularyň hemmesi bir hyýal
Це все ілюзія
بۇلارنىڭ ھەممىسى خام خىيال
یہ سب وہم ہے
Hammasi xayoldir
Tất cả chỉ là ảo ảnh
Konke kukukhohlisa
Konke kuwukukhohlisa

segunda-feira, junho 08, 2020

O adjetivo de gente


Tu, vampiro, que arrastas a figura deambulante pelo breu da noite, como o cadáver que és, dás passos pouco seguros entre um equilíbrio aparentemente impossível. Apoias-te apenas nos pensamentos brutos que te roubam a humanidade.
Sacias a sede no sangue nutritivo da uva fermentada. Em cada gole a tua alma morre um pouco até se extinguir por completo (podemos acrescentar que dela pouco resta). Não sobra mais do que um corpo, em que a sua aparência é meramente uma lembrança de alguém que já mereceu o título de pessoa.
Agora és somente um instinto que serve apenas para alimentar o vício maldito. A tua existência está fétida. O teu hálito nauseabundo acusa essa maldição para quem não te conhece. Dás nojo!
Seja como for, um olhar mais atento, não deixa de reparar no lábio descaído que expõe os teus dentes putrefatos. A roupa mal amanhada nas calças. O enrolar das palavras que tentas articular, ao buscar a sabedoria de quem percorre todas as tabernas no seu dia-a-dia, como se de uma marcha religiosa se tratasse. 
Continua na tua senda, a sugar o sangue que mata a vida. Até que, o adjetivo de gente seja eliminado do teu nome. Os outros, aqueles que um dia amaste, já não te importam e por isso os odeias, porque não sabes fazer mais nada com os emoções que te foram ofertadas. Nada mais resta de ti. Podre. Infeliz. Vazio. Sobra meramente o bambolear pela rua em direção ao lar onde o inferno começa...