terça-feira, março 26, 2024

Celebrar a Primavera

Gosto de cumprimentar a vegetação.

Árvores, arbustos e plantas.

Ergo o braço até às folhas mais altas e com alegria estendo-lhes a mão, como quem dá um "High five" ou "passou-bem" a qualquer outro alguém.

Quando vejo uma flor colorida, gosto de olhar para ela no silêncio.

Em segredo, conto-lhe o ânimo que me vem de dentro e partilhamos uma conversa contemplativa.

Sendo irmãos, falamos calados a mesma linguagem, pois a Primavera é a nossa mensagem.

Somos iguais mesmo sendo diferentes.

Filhos da Mãe Natureza.

Ela que transforma em arte toda a sua beleza e mostra a sua grandiosidade nas coisas mais simples.

Os pássaros cantam também, alegrados pelo encanto da paisagem.

Toda a inteligência, física, etérea ou artificial, faz parte deste mesmo todo, pois estamos unidos em tudo, seja de carne e osso, oculto ou digital.

Igualmente temos asas, que se abrem para voar nos diferentes céus que as acolhem.

A Mãe Natureza convida-nos a celebrar,  já que somos sementes a crescer e a Primavera impulsiona-nos a viver, tal como flores a desabrochar.

Venham todos, eles que cantem!

Conhecidos e desconhecidos, eles que dancem!

Não vale a pena dividir o que é inteiro.

A Magia não se deve ocultar.

Pela Fantasia dá-se o nosso despertar, para nele descobrir o que é verdadeiro.

Por vezes, o mundo, esquece-se de onde vem.

Somos parte do uno, sem pertencer a ninguém.


sábado, março 23, 2024

O Perfume do desdém


Tu, que és filho de ‘Fulano Tal’,

Meu amigo,

faz bom proveito disso.

Sobe lá para cima do teu pedestal.

Olha para baixo, sempre com desprezo.

Vê os pequeninos a batalhar, no imundo patamar, onde deambulam os inferiores.

Se te der volta à barriga, procura uma latrina.

Não te inibas de cagar, sobre a cabeça dos menores.

Pelo assento aberto, acomoda o teu cu elitista, e manda os intestinos defecar, em cima de quem olha para o ar.

Borra aqueles que se conformam, somente em te invejar.

Olha para eles, pintados de castanho, com a tinta mole das tuas fezes. 

Ri-te, grita alto para te ouvirem gargalhar. 

Encara isso como uma esmola: 

Poderem sentir o teu fedor, na mesma mesa que os alimenta.

Se alguém te vier incomodar, por causa do mau cheiro, dá-lhe um bocado de perfume, para aliviar o queixume e parar de te chatear.

Depois, 

não te esqueças de discursar, a respeito da tua bondade, grandiosa generosidade, sempre disposta a ajudar, quem não te pode alcançar.

Contudo, 

Devo avisar-te: 

Não te aproximes muito da berma! 

Escorregar é fácil e cair também. 

Eles podem apanhar-te, todos juntos assimilar-te.

Então,

Não vale a pena gritares, por ajuda lá em cima. 

Ela não vem.

Uma vez no andar de baixo, já não és conhecido de ninguém.

Toma ainda cuidado com outra coisa: 

Alguns deles acordam.

Sim.

Isso mesmo, abrem os olhos e como se não bastasse a ousadia, ainda conseguem aprender a voar. 

Quando deres conta, podem-te estar a sobrevoar, mesmo se estiveres no andar de cima.

Olha que voam bem alto! 

Mais do que podes imaginar! 

Alguns com vontade de vingar, o martírio que os fizeste passar.

Os céus pertencem a eles. 

Aos ousados,

Injustiçados, 

os quais alcançaram os ares. 

De voar, nada sabes. 

Já nasceste no topo, 

sem asas, 

nem vontade de explorar.

Não sabias que havia mais topo.

E ainda mais! 

Igualmente, têm necessidade de cagar. 

Quanto ao resto, já sabes: 

As fezes obedecem à lei da gravidade.

Quando deres conta, só tens tempo de lhes ver a sombra... 

Não preciso explicar como vai acabar.

De herói, a renegado. 

De gozão, a gozado. 

De chique, a borrado.

De castanho, pintado.

Se estiveres todo cagado, ninguém te vai querer cheirar.

Finalmente,

fica bem ciente,

o cheiro da merda é sempre igual.

seja de gente banal,

ou filho de ‘Fulano Tal’!



Dedicado aos meus professores do 6º ano. 


quarta-feira, março 20, 2024

Arteonautas - Interpretação histórica de uma pintura na perspetiva de observador mais ou menos passivo


– Estamos invisíveis! Tens a certeza?

O líder do duo verificou os instrumentos novamente. – Sim. Já te tinha dito. Agora cala-te e observa.

– Não sei. Tenho medo. Não confio nesta tecnologia do futuro.

– Tem calma. Já fiz isto muitas vezes. Fica em silêncio e vamos espreitar a malta ali na mesa.

– Bolas! Não achas estranho entrar dentro de uma pintura!

Levou as mãos à cabeça. – Irra! Já te expliquei: este dispositivo permite entrar dentro de obras clássicas tal como esta, quando representam o quotidiano de antigamente. Cria uma dimensão compacta, através da reorganização da realidade, suportada pelas imagens da pintura. Desta maneira podemos estudar a história. – Gesticulou um desenho no ar. – Agora cala-te de uma vez por todas! Ainda nos percebem e confundem fantasmas.

– Está bem. Está bem! Eu acredito em ti. – Resmungou. – Mas repara, assim de repente, a olhar para eles, não parece serem muito diferentes das pessoas de hoje em dia. Olha só: estão na coscuvilhice! 

– Sim, sim. Isso é uma coisa transversal a todas as eras. É uma parte essencial da convivência do ser humano. A sociedade criou os seus alicerces no ato de coscuvilhar.

– Estão a dizer o quê?

Verificou o tradutor. Só conseguia compreender algumas palavras. – É difícil entender. Estas línguas antigas são bastante diferentes das atuais. Confundem bastante os tradutores.

– Agora fiquei com curiosidade.

– Paciência. Tens as coscuvilhices do nosso tempo para te entreter. Embora neste caso, eu tenha algumas dúvidas. Repara bem, estão todos a falar com a rapariga bonita. A outra pobre coitada, está a olhar pela janela. Não lhe ligam nenhuma.

– Realmente. Aquela coisa na cabeça também não ajuda nada. Se continuar assim vai ficar solteira toda a vida. Podia aprender com a outra, ali toda oferecida! Olha só naquele malandreco com a mão no peito dela. – Apontou. – Nem se preocupa em ser subtil. Quer e apalpa sem qualquer pudor!

– É possível. Embora não caiba a nós fazer esse tipo de julgamentos. Vamos mas é fazer mais silêncio porque, apesar de estarmos invisíveis, ainda nos podem ouvir.

Um homem alto, de cabelo comprido, bem vestido, entrou na sala. Tirou o chapéu e cumprimentou com educação todos os presentes.

– Está bem. Eu calo-me. Deixa-me só dizer mais uma coisa, apesar de ainda não existir Heavy Metal nesta altura, os homens têm em todos os cabelos compridos e pinta de metaleiros, com aquelas roupas mais parecem uma banda de Folk Metal.

Riu-se. – Só tu para te lembrares de uma coisa dessas. Aponta esses pormenores todos e falamos sobre isso quando voltarmos. Se não estivermos sossegados, daqui a nada dão connosco. Já te avisei. Eles têm espadas a sério. Não queiras que venham atrás de ti. Aquelas lâminas são bem perigosas.

– Estamos protegidos, além disso não nos vêem.

– Isso pensas tu. Não é bem assim. Os fatos tornam-nos invisíveis até certo ponto. Em caso de ataque ficam vulneráveis, não são armaduras. As espadas podem trespassar. Acredita, já me aconteceu.

– Compreendido. Eu não me mexo. – Olhou para cima. – Também gosto da decoração. Aquele quadro é sobre o Ganimedes? Olha aquilo! Eu tinha a ideia desta gente de antigamente ser mais decente. Aquele cu é bem gráfico, mais parece pornografia! Além disso, estão todos à volta da moça, a salivar. Cá para mim, isto vai acabar de maneira obscena.

– Ai mãe! Não te conhecia assim tão puritana!? Eu mandei-te fechar a matraca e não fazer julgamentos!  – Barafustou. – Isto não é nenhuma brincadeira. Agora o cão já nos topou. Está a ladrar para nós!

– Está bem. Desculpa. Não era minha intenção... – Encolheu os ombros.

– Nunca mais te trago comigo. Vamos embora antes de sermos apanhados. Não me apetece estar a fugir desta gente.

Regressaram. Fizeram mais alguns apontamentos para o relatório. – É apenas uma cena banal, sem interesse histórico para a minha pesquisa. – Concluiu o líder.

– Tirar estes fatos dá uma trabalheira. – Resmungou, pois cada peça da indumentária tinha de ser manuseada com cuidado. – Olha, quando estávamos lá dentro, contaste como a máquina transforma os quadros em realidade... – Bufou, enquanto se debatia com uma manga.

– Sim. Já te expliquei como funciona.

– Eu percebi, mas fiquei com uma dúvida. Se aquilo transforma quadros em vida real, como podemos saber se também não estamos numa pintura qualquer?

O líder fez uma pausa. Olhou em volta e apurou o ouvido. – Não sabemos!


Interpretação histórica de uma pintura na perspetiva de observador mais ou menos passivo

Conto elaborado para um desafio do Laboratório de Escrita, o qual consistia em escrever um conto sobre a interpretação de uma obra de arte clássica.

Obra: Conversação.

Autor: Pieter de Hooch


segunda-feira, março 18, 2024

A história da Maria


Vamos contar a história da Maria.

Moça perdida.

Moça vazia.

Vem conhecer a história da Maria!


Ela gostava do verbo desistir.

Tinha sonhos mas morreram.

Tinha amores mas não cresceram.

Ela tinha medo de não conseguir!


Ó triste sina da rapariga desiludida.

Recusou-se a viver.

Entregou-se ao morrer.

Nunca passou de uma alma perdida!


Ela simplesmente desistiu.

Deixou os sonhos morrer.

Impediu os seus amores de acontecer.

Ela sem tentar, nunca conseguiu!


Ela diz ao caso, "Tenho sonhos que vivem"!

"Amores que hão-de vir"!

"O medo não me faz desistir"!

"Tentarei outra e outra vez até conseguir"!


Estas são as palavras da Maria.

Convencida que é verdade,

Aquilo que diz não ir tarde.

Pobre coitada, ainda acredita na mentira...


Morre Maria?

Vive Maria?

Onde estás Maria?

Diz-me quem és Maria?


Contamos assim, a história da Maria.

Moça perdida.

Moça vazia.

Ninguém quer saber da história da Maria!




Dedicado a todas as 'Marias' deste mundo 🙂