quinta-feira, setembro 29, 2016

Quem acorda ao anoitecer?


Quando o sol se põe acorda o poeta para o viver
Fragmentos de pensamento conjugam a sua fala
Os versos vão nascendo enquanto o mundo se cala
Desígnios abstratos que se fazem acontecer
Palavras vadias surgem de forma salteada
Bizarras eloquencias paridas da urbe calada
Loucuras gritadas somente a quem as entender
O silêncio sussurrou o nome de ninguém
Soltou o inquieto em si a buscar esse alguém
Olhou em volta mas tudo era anoitecer
Procurou então no seu redor algures um lugar
Onde essa personagem sem nome possa estar
Nada encontrou além do seu próprio querer
Amaldiçoou a noite que lhe traz inquietação
Maldisse do seu intimo e da sua agitação
Desaguou a sua sorte em todo o seu escrever
Continuou a buscar por entre todo o infinito
Talvez a esperança escutasse o seu grito
Para no fundo encontrar apenas o seu próprio ser

quinta-feira, setembro 15, 2016

O destinatário


Hoje apeteceu-me escrever uma carta, num papel, com uma caneta, tinta verdadeira e com a minha própria caligrafia. Sem me importar se o tipo de letra é arial, times, comics, ou outra coisa qualquer. É minha. Uns quaisquer gatafunhos. Pouco importa se são perfeitos, ou não, desde que se leiam.
Envio-a pelo correio. Pago o selo, uns quantos cêntimos, com prazer. No destinatário coloco "Para qualquer um que queira ler". Não me importo para onde os serviços postais a vão levar desde que chegue às mãos de alguém. Qualquer um, tanto faz, pode ser um doutor, sem abrigo, sábio, hippie, aventureiro, ou que só tenha a quarta classe. É indiferente desde que leia o devaneio que lá coloquei.
Nem sequer estou preocupado se percebem a minha mensagem. Naquelas palavras libertei um segredo. Um "nada de especial" que ocupou umas quantas frases rabiscadas numa folha, mas que para mim teve a importância do tempo que lhe dediquei. Apenas isso, ou tudo isso! Deixo ao critério do leitor.
Se por acaso fores tu o receptor deste envelope, considera-te afortunado por receberes uma parte das minhas ilusões. O destino, com a sua lógica própria, lá decidiu que serias um bom guarda para este tesouro que nada vale aos olhos dos homens comuns com as suas moedas. No entanto transporta nas suas linhas algo precioso saído da minha essência mais profunda...

quarta-feira, setembro 14, 2016

Solitária companhia


A lua está escondida
Oculta a sua magia
Desvanece a fantasia
Como uma memória perdida
Cor negada à calmaria
Rosto sem alegria
Audácia amada destruida
Enublada euforia
Chama a melancolia
Malfadada nas ruas da vida
Solitária companhia
Engrandece a noite fria
Toda a caricia é proibida
Desejar sem ousadia
Viver sem poesia
Felicidade esquecida

sexta-feira, setembro 09, 2016

Longinquo conhecimento


Contemplo o anoitecer intenso
A primeira estrela no firmamento
Canta a luz do seu nascimento
Fascinante encantamento
Nele louvo o universo
Faço uma oração sem lamento
Peço perdão do meu desalento
Mágoas a cair no esquecimento
Torna o meu sofrer disperso
O silêncio do momento
Longinquo conhecimento
Transcendente pensamento
Tudo neste pequeno verso

terça-feira, setembro 06, 2016

Enganar a melancolia


Quando cantamos o beijo os demónios que habitam em nós correm até aos nossos lábios. Animados pela tentação, à qual não resistimos, atiçam ainda mais as chamas do nosso inferno.
E nós gostamos! Oh como gostamos!
Se tudo além de nós é tristeza para quê negar a punição? No poço fundo e negro onde jaz a nossa coragem, nasce, por entre o frio, um momento de angústia disfarçado de desejo. Tudo é ilusão.
Mas nós vamos! Oh como vamos!
Conhecemos a dor, aquela perpétua, que vem do nosso ser inquieto. Enganamos a melancolia durante a luz do sol que desperta o dia, tentando negar que somos filhos do cinzento e da chuva.
Ainda assim sonhamos! Oh como sonhamos!
Não temos asas porque já não tememos a queda. O nosso fado é sofrer portanto nada impede a nossa entrega. Temos as cicatrizes, temos a poesia, temos a fantasia enevoada pela vida.
Nesse céu voamos! Oh como voamos!
Cruel é o momento em que acreditamos que a esperança renasce. Agarramos aquela ínfima faísca que diz conseguir matar a solidão com a força enraivecida de quem não tem nada a perder.
Mesmo assim acreditamos! Oh como acreditamos!
Na mentira do nosso toque está a verdade da nossa mágoa. Tão real, perfeito e igual, assim é o nosso desalento. Juntadas as nossas noites surge uma lua cheia de brilho que nos ilumina como a quem é feliz.
Mesmo que seja falso nós amamos! Oh como amamos!

quinta-feira, setembro 01, 2016

Gourmet


Atrás das minhas orelhas cheira a queijo. Se por acaso vier um especialista no assunto, com o seu olfacto apurado, cheirar as crostas húmidas que lá se encontram, dirá, com toda a certeza, que são comestíveis. Mais até. Um verdadeiro pitéu. Um prato de delicioso paladar. Um petisco digno dos mais conceituados restaurantes gourmet. Algo reservado somente para as bocas mais exigentes dos réis.
O lixo imundo acumulado ali durante os vários anos da minha existência, onde, por um motivo de rebelião me recusei a lavar, é-me tido como símbolo do meu triunfo sobre a tirania das regras impostas. Congratulo-me por ser um insurrecto sujo e ignóbil. Um ser asqueroso abaixo da condição animal.
Na minha mais profunda sátira sirvo a minha falta de asseio e repugnância ética numa bandeja e coloco-a à mesa dos altos moralistas para que se indignem com a minha insolência.
Vejam! Todo o meu corpo sabe a rebeldia. A minha mente busca apenas a sabedoria. Não me aquieto em jaulas feitas de conforto. Só me conforma a arte e a poesia no seu desassossego. Procuro apenas caminhos onde os passos são raros.
Os companheiros, esses, vão vindo e vão indo pois o rumo não é igual para todos. Sigo por aí determinado, ainda que por vezes sé me reste a solidão, que, na sua doçura ou amargura, me foi sempre fiel.
Na minha bagagem levo um tesouro feito meramente de sentimentos. Desde a acidez do ódio, até à doçura do amar. Conhece-me assim!
Atrás das minhas orelhas cheira a liberdade!