segunda-feira, janeiro 11, 2021

O Segredo da Vida está no caderno do Tino


Noutro dia assisti a um debate para as eleições presidenciais entre o Marcelo Rebelo de Sousa e Vitorino Silva, carinhosamente conhecido como Tino de Rans. Este último não tem qualquer curso superior e orgulha-se profundamente das suas origens humildes, tal como da sua profissão de calceteiro.

Podemos dizer que, como formação académica, este homem tirou verdadeiramente um curso na universidade da vida (como por vezes vemos nos perfis das redes sociais), pois tudo o que aprendeu foi a viver, sem as limitações de uma sala de aula. 

Com um visual descuidado, um discurso sem palavras caras, ou sabedoria aborrecida, daquela que as excelências costumam ter, sentou-se frente a frente sem medo, nem qualquer sentimento de inferioridade diante do seu oponente. Conhecia essa Liberdade e não abdicou do direito de o fazer.

Tendo uma forma de falar meio atabalhoada, entre palavras comidas e dicção apressada, notava-se que, ao contrário dos outros políticos, nunca perdeu tempo a treinar esta prática de discursar. Mas isso não o impediu de fomentar a sua visão. Através de exemplos da sua própria vida, lá ia apresentando analogias que faziam todo o sentido. 

Tinha respostas imprevisíveis, contudo, sem os rodeios habituais de imprecisões que costumam sair da boca para fora dos políticos comuns. Com a sua simplicidade, reconheci neste homem um idealista, ou se preferirem, um sonhador, como muitos preferem chamar a gente assim. 

Acreditava plenamente em si, sem se preocupar com os rótulos que a sociedade lhe colocava. Tentaram desacredita-lo mas isso só lhe deu mais força. Os grandes não gostam de quem nos faça frente. Porém o povo farto do "sempre igual", não suportou a injustiça, saiu em sua defesa e exigiu escutar a sua voz. Nunca se deve calar um sonhador e assim foi!

Encarava o debate com grande ânimo, expondo as opiniões com toda a certeza. A certa altura, disse ter uma surpresa e puxou por um caderno, onde disse apontar todas as ideias para a sua campanha. Sem nenhuma equipa de assessores, ou de marketing, ele seguia em frente apenas com umas folhas de papel escritas com caneta, dizendo: "Tal como a roda a caneta nunca passa de moda". 

O Marcelo, também Presidente da República, observou os escritos organizados pela métrica do seu criador com fascínio, notando que algo tão simples podia ser tão poderoso. 

Achei genial. Pensei para mim mesmo: "O Segredo da Vida está no caderno do Tino". 

Não só naquele caderno específico, nem naquelas palavras, mas em todas as ideias que os sonhadores natos, colocam em prática com a sua criatividade única. 

Existem mais cadernos, mais sonhadores, mais gente que não se acomoda porque a sociedade lhes diz que são pequenos. Estão por aí, a passar despercebidos aos olhos de quem gosta de julgar. No entanto elevam-se, em total oposição a pequenez com que os querem cingir. 

Não se importam de ir sozinhos, pois sabem que gente vazia só serve para estorvar. Têm um brilho nos olhos inconfundível para quem o sabe reconhecer. Uma confiança que, apesar de parecer inocente, vai mais longe do que a normalidade. 

Quem tem a curiosidade atenta e sem influências pré-concebidas, consegue entender estes mestres improváveis que, na arte da imaginação, vão impulsionando o mundo.

Nunca subestimem quem sonha. Nunca deixem de escutar quem vive no mundo da fantasia, são desses pensamentos imensos que nascem os génios. É gente assim que faz o mundo evoluir. Mesmo invisíveis, ou desacreditados, não desistem e os seus sonhos realizados são o verdadeiro triunfo!


sábado, janeiro 09, 2021

Na geada matinal...


O frio é cruel como a realidade. Dói quando toca na pele e de mansinho penetra pela carne dentro até invadir o ânimo que habita nos espíritos mais calorosos. Traz consigo a sonolência que adormece o corpo e desperta a mágoa. 

A apatia implacável que o Inverno acarta faz-me esquecer quem sou. Todas as ideias que me fazem seguir em frente, recolhem a um canto perdido na alma para ficarem escondidas. Por sua vez, surgem os instintos que têm como único objectivo atravessar a noite gélida. 

O calor parece uma memória distante. O pensamento vagueia lento na geada matinal. Não encontro poesia aqui e isso é insuportável. A existência tem os seus ciclos e os seus tempos, sem a obrigatoriedade de dar explicações. A natureza cumpre as suas regras e a minha aparente derrota em nada importa. 

As regras físicas tentam domar-me o alento e por vezes sinto-me vencido. Não lhes reconheço autoridade sobre mim, ainda que não tenha vigor para as combater. A friagem tirou-me a vontade de batalhar, tal como faço nas madrugadas de insónia veranis, onde os sentimentos se materializam em linguagens misteriosas que traduzo com prazer.

Resta o sono como conforto. Abre-se como uma espécie de porta para o meu mundo distante. Essa terra de enigmas que reside em mim e que, embora calada pelas palavras frigidas, é o meu único e verdadeiro refúgio da severidade do mundo. 

Entretanto, avanço sem esperança. Ou melhor, a minha figura humana, carrega o meu ser, apenas na qualidade de observador. Sou o meu próprio esquecimento. Mas no fundo, durante esta travessia enregelada, sei que a Primavera me espera como uma amante que aguarda o seu amado.