quarta-feira, julho 30, 2014

Basium obliviosus


De repente o infinito terminou!
Juras de amor eterno perderam-se no tempo,
digeridas pelas entranhas do esquecimento,
eternas, apenas no seu momento.
Aquilo que era "para sempre" acabou...

Afinal o "eternamente" não demorou.
A realidade trouxe com ela o que é banal,
a vida temperada com pouco sal,
sabe a pouco aquilo que não é especial,
perdeu-se a magia do que começou...

Quem amou, entregou-se e acreditou.
Mas a entrega não foi longe,
estava mesmo ali o seu auge,
logo após o primeiro pecado herege.
Desejava o inferno mas não o encontrou...

O primeiro beijo uniu e dissipou.
Foi-se deixando esquecer,
o seu sabor de engrandecer,
a sua promessa de florescer,
tão grande, apenas separou...

sábado, julho 26, 2014

O povoado


Gosto de cruzamentos. De ficar parado neles a pensar para onde vou quando rumo sem sentido. Deixo o tempo passar devagar enquanto o automóvel aguarda a minha decisão. Esquerda, direita ou em frente?
Escolha difícil quando não conhecemos o destino e nem temos pressa.
Enquanto não decido deixo a minha mente divagar para lugares longínquos e os meus olhos vão correndo o horizonte.
Ao longe vejo um povoado. Não consigo identificar ao certo a distância, nem o tamanho. Diria que é uma vila pequena, ou média talvez. Podia ir ao Google Earth descobrir que vilarejo é aquele, mas não me apetece. Isso seria estragar um pouco a magia daquilo que estou a observar. Prefiro imaginar como será. 
Interrogo-me: quantos habitantes tem? Quem são eles e o que fazem? Os seus rostos, idades e histórias? Há tanto por onde perguntar acerca de desconhecidos. 
Creio que devem haver por lá três ou quatro pessoas interessantes. Gostava de me sentar com elas à mesa dum café ou esplanada a conversar.
Suponho que lá existam cafés com esplanadas também. Pessoas que se sentam em volta de uma mesa a discutir trivialidades da vida. Futebol, politica, cusquices… Ou então, filosofias mais elaboradas, o meu tema favorito, devo dizer. É um pouco o meu vício, gosto de filosofias elaboradas. Daquelas que surgem numa conversa e de lá não saem. Era isso que gostava de falar com esses três ou quatro. Saber aquilo que eles acham da vida num sentido metafórico.
Talvez um dia vá lá. Hoje não. Tomo nota do local mentalmente para uma hipotética viagem no futuro.
Por agora aproveito este momento a sós com a estrada vazia, com a escolha do cruzamento, comigo mesmo. Ninguém sabe ao certo o que sinto, ou o que quero sentir, ou o que deixo de sentir. Ou o que sou…
Acho que a minha maior diferença é gostar de observar. Passar despercebido sem que me despercebam. Deixar os meus pensamentos escondidos, como uma vida secreta, só para o meu conhecimento, ou de uns poucos que comigo privam de quando em quando.
No entanto a minha atenção continua naquele povoado e nas suas gentes. Podia lá ir. Mas no fundo sei o que ia encontrar. Mudavam os rostos, o cenário, mas as histórias continuavam semelhantes. Seria mais uma terra como as outras, como esta, como a minha, como a tua…

terça-feira, julho 22, 2014

Velle lacrimare


Fiquei com vontade de chorar
Sabia que o fim viria mas não acreditei
Até que aquela música triste começou a tocar
Como uma marcha fúnebre pelo que amei

Fica a memória daquele beijar
A pele macia que acariciei
A felicidade que me fez voar
O peito onde me entreguei

Inebriado por tanto acariciar
O mesmo corpo onde me deitei
No seu conforto me encontrar
Com todo amor que lhe dei

Eu sabia que a dor ia chegar
Fingi com todas as forças que encontrei
Que a felicidade era conseguir amar
Foi assim que me enganei

sábado, julho 19, 2014

A dignidade


O disparo da bala ecoou pela vizinhança. O som da viscosidade dos pedaços de cérebro, crânio, sangue e carne humana, a escorrer pela parede, deram seguimento à fatalidade.
O corpo caiu inerte, sem vida. Ou melhor, sem estímulos eléctricos que lhe dessem novamente movimento.
A arma, pesada, de grande calibre para ter a certeza que a intenção não falhava, acompanhou a queda. Manteve-se, eficaz, na mão do homem. Não havia qualquer beleza, ou dignidade no suicídio. Apenas uma cena grotesca e visceral que iria fazer vomitar o pobre coitado que a fosse encontrar. 
Ou então, talvez apenas alimentar a cusquice e a curiosidade mórbida de quem gosta de comentar este tipo de coisas. O povo é assim…
Mas a morte foi consumada com sucesso. 
No entanto, há que salientar o facto de não ter existido qualquer beleza e muito menos dignidade. Foi apenas morte, desejada.

quinta-feira, julho 17, 2014

O desejo


A noite surgiu
Boca ofereceu 
Beijo teu
Arrepio aconteceu
O desejo abriu

O suor brotou
Luz da lua
Carne tua
Pele nua
O desejo entrou

O gemer fluiu
Amar somente
Tu quente
Fogo ardente
O desejo explodiu

O mundo parou
Abraço intenso
Nosso paraíso
Eterno imenso
O desejo descansou

terça-feira, julho 15, 2014

A sentença


A noite foi surgindo de mansinho anunciando o momento. O caixão abriu e o vampiro acordou. O seu primeiro pensamento foi de desejo, tal como tinha sido o último antes do nascer do sol. A imagem de rosto angelical e traços femininos invadiu-lhe a mente e desejou. Não como um monstro anseia a sua presa, mas como um homem deseja uma mulher. Era assim desde que olhou para ela.
Queria apenas o seu sangue mas tudo que conseguiu sentir foi uma paixão infindável. Como se o seu coração bombeasse novamente calor e o seu cadáver fosse capaz de enfrentar o sol.
Amava…
Mas como pode ele sentir isso? Se já perdeu a sua humanidade há muito tempo. Demasiado para se lembrar de como é ser humano, quanto mais amar.
Então, porque é que ele a deseja?
Será capaz, de no mais fundo abismo negro do seu íntimo, sentir amor?
Sendo assim, será que existe redenção?
Não!
Foi Deus que o amaldiçoou com aquele castigo de amar sem o poder fazer. Que tortura insuportável era aquela. O desejo constante de beijar aqueles lábios quentes com a sua boca fria. Tocar aquele corpo rosado com as suas mãos desprovidas de vida. Para sua agonia apenas podia desejar!
Que saudades de quando era apenas um monstro. De matar! Destruir! Beber o sangue! Rasgar a carne com as suas presas! Desprovido de qualquer tipo de remorsos!
Sem dor. Sem medo. Sem castigo!
Ou pelo menos ele pensava assim. A sua punição não tardou a chegar e, para seu desespero, não podia ter um destino mais cruel. O mais terrível dos juízes sentenciou-o a uma condenação pior do que ao inferno.
Amar…

domingo, julho 13, 2014

Sorrisos que encobrem penúria


Sou um sacana gótico 

Tenho um certo fascínio pela melancolia
Acho que os abismos estão cheios de magia
Encontro neles um certo sentido poético 

Há coisas que só podem ser descritas com poesia
Escrita pela madrugada até o nascer do dia
Num transe bizarro onde mergulho como um fanático

Creio numa religião que faz do sono uma heresia
Ou numa ideologia grotesca que abomina a calmaria
Nela viajo por rimas entre o obscuro e o dramático 

Apraz-me caçar sorrisos que encobrem a penúria 
Ser um saqueador a navegar abismos sem alegria
Encontrar num coração triste um tesouro excêntrico

Riquezas escondidas em vontades tomadas pela inercia 
Porque toda a gente reconhece na vida a miséria 
E secretamente não resisto um final apoteótico 

quinta-feira, julho 10, 2014

Entre as várias esquinas


A velha saiu de casa num passo apressado. Um caminhar bem mais acelerado que a sua idade, com certeza bastante avançada, devia permitir.
Um lenço negro cobria-lhe a cabeça, usava-o talvez por tradição, ou talvez numa tentativa inútil de esconder as rugas carregadas que lhe adornavam o rosto (ou deformavam). Quem sabe qual seria o seu ideal de beleza? Certamente fora criada num tempo (já esquecido) em que a beldade importava pouco, em detrimento da robustez física. Assim parecia ser.
De resto, umas vestes negras, já gastas pelo tempo a julgar pelos remendos, cobriam-lhe as costas vergadas pelo peso dos anos. Pela aparência só poderíamos imaginar o seu corpo decrepito e deformado pela velhice.
Irrompeu pelas ruas da cidade decidida, sem medo. Como um espectro de outros tempos, avançava determinada entre rostos, prédios, veículos e o caos da modernidade. Parecia saber onde queria ir, ou quem sabe a demência dava-lhe essa ilusão.
Muitos eram os que a olhavam. Alguns faziam-no com repulsa perante aquela figura grotesca e sinistra que se desfasava da multidão.
Outros viravam os olhos para o outro lado. Alguém assim não tinha lugar na urbe, onde reina a perfeição, por isso ignoravam e seguiam o seu caminho, esquecendo as fracções de segundo em que se cruzaram com tal personagem.
Alguns, no entanto, dotados de gentileza (felizmente esta ainda existe), perguntavam à estranha senhora idosa se necessitava de ajuda. Mas ela, por orgulho, vergonha, ou outro desígnio qualquer, baixava a cabeça e não respondia. Continuava a sua caminhada cabisbaixa e silenciosa.
Um menino, quase adolescente, dava chutos numa bola, imaginando na sua cabeça que era um jogador de futebol famoso, aplaudido pelo mundo. O seu devaneio foi interrompido pelos passos apressados daquele vulto coberto de negro.
Lembrou-se que os seus pais contavam que antes de viverem na cidade, haviam crescido numa aldeia perdida nos montes, já esquecida no tempo. Diziam que os jovens fugiram todos da existência áspera do campo, em busca de conforto e para trás só ficaram os velhos que nada mais sabiam da vida, a não ser a rotina do deitar cedo e cedo erguer e para si não desejavam mais nada. Por isso ficaram, remetidos ao abandono. Comentavam que as rugas dessa gente eram mais fundas, ríspidas e assustadoras.
Com essa imagem na cabeça e curioso por alguém assim com uma aparência tão deslocada palmilhar aquelas ruas agitadas, decidiu segui-la. Reparou que no seu regaço segurava afincadamente uma trouxa de pano. “Que seria que levava lá dentro”? Inquiriu a criança que manteve sorrateiramente a perseguição à senhora que teimava em não abrandar.
Com uma agilidade quase sobrenatural para um ser humano (quanto mais uma idosa) e um ritmo alucinante, ela esgueirava-se entre a multidão com extrema facilidade, o que dificultava bastante a tarefa do menino. Mas ele não desistia e manteve-se no seu encalço. Por vezes tinha de saltar entre as pessoas para tentar avistar onde estava aquele lenço negro. Tarefa que se mostrava cada vez mais difícil.
Não tardou a que a perdesse de vista entre as várias esquinas. Ainda correu de um lado ara o outro para lhe tentar encontrar o rasto sem sucesso. Aquela estranha figura coberta de negro, tal como um fantasma, dissipou-se entre o mar de rostos que iam e vinham ao som da hora de ponta.
Resignado por não ter descoberto o destino daquela velhota de rosto encorrilhado, segurou a sua bola e regressou à sua fantasia de jogador de futebol. Mais tarde, ao jantar, iria contar aos pais aquela pequena aventura. Quem sabe se eles conheciam o segredo daquela velha senhora…

sábado, julho 05, 2014

Quantos idiomas existem no mundo?


Conheces a minha mente, gostas de entrar lá dentro e ver o que consegues encontrar. Sabes que existe algo em mim que se deixa cativar por ti. 
Talvez seja por isso que me deixas doido com o simples facto de seres tu, selvagem, libertina, imprevisível com as tuas extravagâncias.
Fazes-me prostrar de joelhos, diante ti. Eu, o mais livre dos homens. Fazes-me rir, fazes-me chorar. Fazes-me pensar em ti o tempo todo (ou demasiado tempo para o meu gosto).
Eu questiono-me o porquê de me ir embora, acabando sempre por voltar para ti, obcecado pelos teus olhos de feiticeira! A pensar nas nossas madrugadas e nos nossos nasceres do sol.
Porque é que me deixas doido? Sim eu sou doido! Mas não é altura para pensar nisso porque tenho outra coisa mente:

Je veux faire l'amour avec toi!

Digo em francês porque me parece uma boa língua para fazer amor.
Depois vou embora, não quero estar mais contigo.

Dito isto volto.
Quando parece que já não te desejo consegues arranjar uma maneira de rastejar de volta para dentro da minha mente. Sou raptado pela tua voz fresca como uma brisa de verão. Simplesmente não resisto e apesar das milhares de razões que tenho para partir, acabo sempre por regressar. O meu abandono é momentâneo. Apenas uma intenção rapidamente esquecida.
Talvez queira saber qual vai ser a teu próximo desvairo. Talvez esteja verdadeiramente hipnotizado por ti. Talvez esteja viciado no teu corpo e queira prova-lo novamente até que atinjas o êxtase. E como ficas bela quando te desfazes em prazer!
Preciso de ti e quero-te apesar deste dilema de ir e vir. Sim eu sou doido! Mas não é altura para pensar nisso porque tenho outra coisa mente:

Quiero follarte salvajemente contra la pared hasta hacerte llorar de plácer!

Digo em espanhol porque me parece uma boa língua para fornicar à bruta.
Depois vou embora, para certamente voltar.
Quantos idiomas existem no mundo? Aposto que os conseguimos foder a todos e até inventar mais uns quantos entre estes ciclos tresloucados de ir, vir e amar sem querer (ou querer muito)…