quarta-feira, novembro 17, 2021

As guerras que nos libertaram

Oiço histórias de guerra. Conquistas gloriosas em nome da liberdade. Os países, orgulhosos, erguem a bandeira dos direitos humanos, contudo, em simultâneo exibem as suas armas superiores em paradas militares bilionárias. Evocam momentos de heroísmo e patriotismo, nas batalhas grandiosas onde vence aquele que melhor defende a dita liberdade.

Já repararam que depois de uma guerra vem sempre um período de progresso?

Pelo menos até que as trevas regressem novamente… Acreditem, elas regressam sempre, já que a história tem essa mania de se repetir…

De forma irónica, alcançamos a liberdade que temos por causa das guerras que travámos no passado (nós não, os que nelas participaram em nome de um mundo melhor).

E como ficam as pessoas que batalharam nessas guerras heroicas dos livros de história?

Vidas inúteis atiradas como lixo para o entulho do campo de batalha. A palavra morte banalizada em troca da conquista da liberdade. Jovens com sonhos que nunca se concretizaram, assustados nas trincheiras, debaixo de uma chuva de balas e sangue, cientes que o seu destino era morrer.

Nascem heróis, morrem pessoas. Destrói-se a tirania para dar lugar a um mundo onde a paz nunca acontece realmente. Existe sempre um motivo para batalhar. Uma causa superior que mobiliza a vida dos inocentes para a chacina.

Aqueles que escutam as histórias, pouco se importam sobre quem pereceu para que o mundo fosse livre. A guerra parece longe para quem nunca a suportou. Perdida nos livros de história, ou escondida atrás de um ecrã. As vítimas lamentam para os microfones e para as câmaras. Entretêm as massas nos noticiários como se fosse um reality show feito de tragédias.

Mas afinal o que importa a vida de quem não conhecemos?

Como se curam as feridas dos que sobrevivem ao inferno?

Cicatrizes eternas no corpo e na alma, impossíveis de esquecer na sua dor perpétua.

Nas cerimónias emotivas, nos discursos dos políticos, lembram-se as datas das batalhas e toda a glória alcançada. Faz-se um minuto de silêncio por aqueles que nunca conseguiram viver para além do campo de batalha. É só isso. Um esquecimento disfarçado de homenagem, por aqueles que nunca conseguiram voltar a casa, longe da guerra, para conhecerem uma vida onde a paz é verdadeira.

E nós, que valor damos à liberdade que nos ficou de herança?

 


Iron Maiden – Paschendale

 

Num campo estrangeiro ele está caído

Um soldado solitário, um túmulo desconhecido

Nas suas palavras moribundas ele implora

Contem ao mundo sobre Paschendale

 

Aliviado de tudo porque passou

A última comunhão da sua alma

Ele enferrujou a tuas balas com suas lágrimas

Deixa-me contar-te sobre estes anos

 

Abaixado em uma trincheira cheia de sangue

A matar o tempo até à minha própria morte

Na minha face eu sinto a chuva que cai

Nunca verei os meus amigos novamente

 

Entre o fumo, lama e chumbo

Cheiro o medo e a sensação de terror

Em breve será a hora de passar o muro

Fogo rápido e o fim de todos nós

 

Assobios, gritos e mais rajadas de fogo

Corpos sem vida pendurados no arame farpado

O campo de batalha nada mais é do que um túmulo sangrento

Em breve vou-me juntar aos meus amigos mortos

 

Muitos soldados com dezoito anos

Afogados na lama, sem mais lágrimas

Certamente uma guerra que ninguém pode vencer

A hora da matança está prestes a começar

 

Uma casa, longe

Da guerra, uma hipótese de viver novamente

Uma casa, longe

Mas a guerra, sem hipótese de viver novamente

 

Os corpos, nossos e dos nossos inimigos

Um mar de morte a transbordar

Na terra de ninguém, só Deus sabe

Para as mandíbulas da morte nós vamos

 

Crucificados como numa cruz

As tropas aliadas lamentam as suas perdas

A máquina Alemã de propaganda de guerra

Como nunca ninguém viu

 

Juro que ouvi os anjos a chorarem

Rezo a Deus para que mais ninguém morra

Para que as pessoas saibam a verdade

Contem a lenda de Paschendale

 

A crueldade tem um coração humano

Cada homem faz a sua parte

O terror das pessoas que matamos

O coração humano ainda tem fome

 

Defendo a minha posição pela última vez

A arma está preparada enquanto fico na linha

Nervoso, espero o soar do assobio

Uma investida de sangue e vamos em frente

 

Sangue cai como chuva

O seu manto vermelho é revelado novamente

O som das armas não pode esconder a vergonha deles

E assim nós morremos em Paschendale

 

Desviando-me dos estilhaços e arame farpado

A correr na direcção do fogo dos canhões

Correndo às cegas enquanto sustenho a respiração

Digo uma oração, sinfonia da morte

 

Enquanto atacamos as linhas inimigas

Uma explosão de fogo e nós caímos

Eu engasgo um grito mas ninguém ouve

Sinto o sangue a descer na minha garganta

 

Uma casa, longe

Da guerra, uma hipótese de viver novamente

Uma casa, longe

Mas a guerra, sem hipótese de viver novamente

 

Vejam o meu espírito sob o vento

Para lá das linhas, depois da colina

Amigos e inimigos vão-se encontrar novamente

Todos aqueles que morreram em Paschendale


Texto elaborado para um desafio de escrita do site: Laboratório de Escrita