sexta-feira, setembro 14, 2018

Um bicho como os outros


A solidão sabe sempre melhor na companhia da Natureza. Onde tudo cresce espontaneamente no compasso da ordem natural, sem que ninguém, a não ser a vontade do Universo, interfira na sua essência.
Posso-me fundir com todo o resto aqui. Sou apenas mais um bicho, como os outros que por aqui andam. Sejam pássaros, sapos, lagartixas, libelinhas, ou moscas. Tudo no seu devido lugar. Exactamente onde é suposto estar, tal como o Universo quer. Esta é a oração sublime de quem medita. Para aqueles que se esquecem do que está lá fora, e afinal não importa, quando a finalidade é a Paz interior.
O barulho aqui está isento de palavras. Se a tranquilidade tem som, este é o da água que corre no riacho, os chilreios apaixonados dos pássaros, ou a brisa que vai sacudindo as folhas das árvores. Sem ruídos que poluam os sentidos.
A linguagem perfeita é esta. Em harmonia com as cores de um arco-íris pintado a fauna e flora, na tela da perfeição. Há a quietude, tão longa quanto o tempo que para. O sabor da vida degustado no cheiro fresco da renovação.

segunda-feira, setembro 10, 2018

Conhecer os extremos


Há dias em que nada faz sentido. Suponho eu, que, afinal, é assim que deve ser.
Querer saber o motor e o propósito de todas as coisas, é uma ambição demasiado grande para quem se limita a deambular sobre a Terra. No entanto, quem prova o veneno da curiosidade e da poesia, sente a tormenta insaciável de querer ir mais além. A inquietação começa quando se toma percepção da pequenez da existência. Tudo o resto é infinito, logo, surge a questão do porquê de tudo isto?
O pecado da sabedoria foi a queda de Adão e Eva. Esse também é o destino daqueles que sonham, privados da doce dádiva que é a ignorância. Compreender que se tem sentimentos, dentro da fragilidade da pele, é o princípio da tormenta. Saber que o amor existe é ter noção que a melancolia também lá está. Conhecer os extremos, aqueles que tomam conta do ser, é tumultuoso.
Hoje nada faz sentido. Suponho eu, que, afinal, encontro uma certa paz nesta desorientação. Talvez seja por isso que perceba, que é a partir daqui que deva encontrar um rumo, entre todas as incertezas que compõem aquilo que sou. Talvez seja este o enigma da construção humana, da curiosidade à interrogação; duma suposta resposta à evolução. Equações feitas de cores, palavras e acordes que se propõem a ordenar um aparente caos.
Afinal tudo faz sentido. Quando despimos aquilo que julgamos saber, para dar lugar a novos propósitos e deixar que a história seja sempre um constante início…

quarta-feira, setembro 05, 2018

Entre o mar e as estrelas (O Narrador XI)


Sabes aquela sensação que tens quando colocas os teus pés descalços na areia da praia e enterras os dedos. Sentes a brisa fresca a bater-te no corpo. O som do mar e o seu cheiro característico. Abres os braços, como quem abraça os pormenores que a mãe natureza reservou para te inundar os sentidos de liberdade. Só tu, a praia e o mar, onde não existem os outros. Sem as leis que governam os homens, com as suas manias complicadas. O peso do trabalho. O conforto da casa. As preocupações e os amores. Sem medos… Até a solidão se desmarca do momento, mesmo sendo só tu, a contemplar a imensidão de beleza e coisa nenhuma em simultâneo. O silêncio profundo que te invade a mente, desperta-te como se dormisses. É a Paz de espírito que toma conta de ti no seu estado mais puro.
Encontras-te aí, num simples instante em que colocas os pés na areia e tudo faz sentido porque se transforma em nada. É tão bom, sereno e inexplicável. Um oásis na confusão que a vida te traz. Já não há vazio, fazes parte de um todo inexplicável. Uma máquina infinita de perfeição. Tudo é beleza, incluindo tu!
Infelizmente, sabes, no teu íntimo, que a vida não pode ser sempre assim. Algo em ti precisa do caos. É um desejo quase sinistro, no entanto verdadeiro. Essa malfadada culpa que te envenena e da qual sentes que mereces punição, mesmo que o crime seja inexistente…
Quando pensas nisso, a lógica diz-te que foi demasiado tempo perdido em que a tua existência se resumia a ver os outros felizes. Mesmo assim, e porque a consciência vence quase sempre a razão, fizeste disso, quase como um objectivo da tua vida. Carregar a tristeza, não tanto como um fardo, mas como uma pena que um prisioneiro suporta, mesmo que não tenha cometido qualquer delito.
Colocas essas ideias de lado. A praia traz-te a frescura que ajuda a clarear a tua mente. Só isso, ou tudo isso. Olhas para o passado com os olhos de quem assiste a uma peça de teatro com continuações intermináveis e repetitivas. Analisas agora o presente e tomas consciência que o verdadeiro protagonismo na tua vida só pode vir de ti. Está na altura de assumires novos papéis, aprender coisas novas e mudares!
Agora chegou a tua vez de provar a felicidade. Não é uma miragem, é realidade. Podes até tocar-lhe. Tens amigos que sorriem, choram, viajam e se aventuram contigo. Fazem parte da tua história, tal como tu fazes parte da deles. Não se trata de uma qualquer dádiva momentânea que o Universo te decidiu ofertar. É o que mereces. É o que é suposto seres. Feliz!
Por vezes tudo que a alma necessita para cicatrizar é saber que não estamos sozinhos. Existem outras dores, outros martírios, outros demónios e outros pensares. Cada um tem algo porque chorar, mas unidos podem sorrir. As cicatrizes, no corpo e no ser, curam. Sem fealdade, ou vergonha de as encobrir. Pelo contrário, são como um ornamento a evidenciar o estatuto de quem cresceu na forja do sofrer.
Essa é a verdade. Tem de ser este o verdadeiro significado do momento presente. Seja aqui na praia, onde o Verão te acolhe como igual; seja lá fora, onde parece não haver lógica. Faz sentido sorrir. Mesmo com a pele da alma rasgada. Isso foi lá atrás e demasiado pequeno comparado com o horizonte. Hoje não há cinzento, só a cor do Verão com o seu calor a invadir a escuridão do quarto secreto onde mora o medo.
Hoje não és tu que te julgas. Se alguém o fizer é o imenso azul do mar. Também não há celas frias onde o ânimo é proibido, só o conforto da areia que te acolhe como um ser amado pelo universo, sem que viver seja um peso.
Entretanto o tempo passa e não dás conta. A serenidade não olha para o relógio. O dia leve e colorido vai chamando a noite. Chegou a vez de o Universo, na sua condição de inventor de paisagens, te brindar com o espectáculo do pôr-do-sol. Lento e tranquilo, no silêncio e na quietude. O dia termina num apogeu de tons alaranjados e sentimentos sem nome.
O sol flamejante a beijar o horizonte promete que amanhã também haverá calor e com certeza vais voltar. As primeiras estrelas vão surgindo como espectadores do teu sorrir. A noite não traz o frio consigo. Afinal é Verão e a pele deseja sentir a caricia do ar ameno. A natureza cria ciclos para se aprenda o que é belo em contraste com o seu oposto. Houve alturas para frio. Hoje não.
Deixas-te ficar mais um pouco até anoitecer por completo. A tela cintilante vai-se compondo no céu nocturno, pintando a fantasia de quem sonha. Hoje o teu nome está nessa lista, sem vergonha de o mostrares. Afinal de contas, hoje não tens medo dos demónios invernais, nem do escuro da solidão. Também tu és sol! Também em ti é Verão!