terça-feira, junho 30, 2015

Como fazem nas novelas


Sonho-te!
Se é que posso descrever aquilo que faço como sonhar. Provavelmente é apenas um devaneio a roçar a inutilidade. Pouco importa. Cativa-me a tua fragilidade e o teu choro pois não é isso que te faz débil. Pelo contrário. É como um combustível para a tua força (e tens muita!)
Gosto da maneira como te ris de uma piada foleira (e também das inteligentes, claro. Daquelas bem temperadas com sarcasmo.) Há qualquer coisa de despreocupado nesse aspecto que me agrada bastante. Já sabes que sou meio hippie.
Quando vagueias no meu pensamento dessa forma, não vejo isso como um desejo. É mais, uma espécie de lembrança que me faz sorrir. Basicamente é isso. Creio que o segredo está no sorriso. Quando ele aparece algo fica bem. É como um pequeno fragmento de felicidade que nos visita. Não achas?
É assim que te sonho. Em parcelas momentâneas de imagens agradáveis. É da maneira que aproveito e fujo ao mundo. Sendo na tua direcção é sempre aliciante.
E porque não querer-te? Não há mal nenhum, nem regras que o impeçam. Quem sabe um dia destes, em que a nossa indiferença se aproxime num olhar, como fazem nas novelas. E depois acontecemos…

quinta-feira, junho 25, 2015

O apego


Abençoada alienação, esta que eu sinto. Chegou despercebida e tomou conta de mim como um cansaço que se vai acumulando ao longo de uma jornada dura.
Bem-dito desinteresse este, que faz com que não me importe com aqueles me rodeiam. Seja quem for, no trabalho, na rua, na boémia, nos caminhos da vida, nas coincidências da existência.
Surgiu carinhosa, como um toque maternal que me afasta de qualquer apego e de qualquer mágoa. Uma mão quente que afaga e protege o seu filho dos perigos que o rodeiam.
Sinto-me bem nesta solidão feita de companhia. Sou como um eremita que vive isolado do resto do mundo no meio da multidão, feliz por ser invisível e não precisar de responder por sensações humanas.
Como tudo isto é deliciosamente estranho. Ser, sem sentir a falta da paixão. Observar sem ter vontade de participar. Estar ali sem estar. Deixar o desejo para quem o que quiser ter. Pobre seja quem não tem o dom da apatia.
No meio disto tudo, creio que minto quando digo que não sinto desejo. Gostava de ser como a canalha entusiasmada em brincadeiras épicas de tão pequenas que são. Enaltecendo somente a imaginação ainda livre do fardo do conhecimento. No entanto, agora, temo que isso seja impossível, pois já fui corrompido por ideais, regras, lógicas e vontades próprias.
Haja, ainda assim, entretenimento banal para servir de distracção nas horas sem vontade.

terça-feira, junho 23, 2015

Os piolhos do macaco


A certa altura, vais acordar a meio da noite. Em cima de ti vai estar um macaco. Não será muito grande, nem tão pouco muito pesado. Simplesmente estará ali sentado sobre a tua barriga. Naquela confusão inicial do despertar, vais questionar o que é que aquele ser está ali a fazer. Obviamente que o bicho não te responde. Na realidade parece até ignorar-te, desviando a sua atenção para os piolhos que cata do seu pêlo escuro.
Subitamente, avivado pelo cheiro imundo daquela personagem, quando tomas consciência da bizarra situação, tentas levantar os braços para sacudir o animal, mas nada acontece! Os teus membros ficam parados sem te obedecer. Não te consegues mexer! Então o pavor vai começar a tomar conta de ti. Vais querer gritar por ajuda sem o conseguires. Quanto mais tentas soltar a voz mais o silêncio se vai tornar agonizante.
Mesmo sem conseguires falar tens uma certeza na tua mente, aquele símio grotesco consegue ouvir os teus pensamentos. Na gritaria silenciosa em que se transformou o teu cérebro, imploras para que a criatura te dê algum tipo de explicação sobre o que está a acontecer. Obviamente não terás resposta. Somente o medo, esse, vai continuar a crescer dentro de ti.
“De que inferno veio esta criatura?” Perguntas! Nesse momento esqueces que não tens fé e em desespero passas a crer em Deus, a quem recorres por ajuda. Vais começar então uma prece onde imploras por auxílio, enquanto te desculpas pelos pecados que praticaste. Assim é o desespero daqueles que se arrependem por conveniência. Mas nada acontece… O mundo como o conheces transformou-se em terror absoluto.
O macaco, esse, vai continuar a catar os piolhos do seu pêlo, indiferente ao resto. Vai deixar que a alucinação continue e a loucura reclame o que é seu…

segunda-feira, junho 15, 2015

Enquanto a noite cai (texto reescrito)


Aqui neste mausoléu, repouso o meu corpo frio, enquanto a noite cai, maternal, acarinhando-me com ternura.
A solidão e o sangue dos vivos já não me satisfazem. Parece que o mundo lá fora está vazio de esperança. As pessoas têm corações quentes mas sonhos ocos e apáticos. Estão vivos, embora mortos na sua falta de iniciativa pelo marasmo em que existem. Ainda assim vão-me arrastando com eles, para a luz do dia despojado de emoções.
Recordo tempos românticos neste sangue que bebo. Sonho com um futuro radiante tal como uma utopia por nascer. Porque afinal eu ainda sei sonhar, mesmo que me tentem roubar a fantasia ou calar a poesia.
Mas por enquanto repouso o meu corpo frio neste mausoléu esquecido no tempo e tento encontrar esperança neste sangue vazio que bebo…


Nota:
O texto original foi publicado em 09-12-2006. Gosto particularmente dele, por isso fiquei triste quando o vi copiado e publicado em vários blogs sem referência ao autor. Aconteceu com alguns outros, embora não me importe muito com esses. A net é propícia a estas coisas não existe nada que possa fazer. Fica, ainda assim, o reparo.
Hoje, ao relê-lo decidi reescrevê-lo, Talvez por nostalgia, talvez por melancolia. 

sexta-feira, junho 05, 2015

O aprender


Era uma vez uma estrela, como todas as estrelas, que brilha no céu. Era uma estrela verdadeira, ao contrário daquelas que os homens inventam.
Era uma vez um rapazinho sonhador, como todos os sonhadores, que gostava de olhar para o céu nocturno. Um dia reparou naquele pequeno ponto de luz que cintilava mais alegremente do que todos os outros. Achou-o bonito e acenou-lhe como se pudesse ser visto por aquele pequeno ponto luminoso. Tornou-se assim amigo da nossa estrela distante. Sempre que podia vinha espreitar a sua amiguinha gesticulando-lhe um olá.
Quando foi para a escola ensinaram-lhe o que era uma estrela e como bom sonhador que era, prometeu ser astronauta quando fosse grande para um dia ir visitar a sua amiga cintilante num foguetão espacial. Quem é a criança que não deseja ser astronauta?
Infelizmente não lhe ensinaram sobre o tempo e quando cresceu esqueceu-se que um dia tinha feito amizade com uma estrela. Os seus sonhos de menino foram sendo esquecidos para darem lugar aos desejos de homem. Conheceu o amor e viveu aventuras. E agora que era crescido, deixou de olhar para o firmamento como fazem os homens.
Infelizmente também não lhe ensinaram sobre a mágoa e por ter amado partiu o coração como acontece a quem ama. Nesse dia também conheceu as lágrimas dos adultos e chorou como fazem os homens, porque os homens também choram ao contrário do que lhe disseram.
Nessa altura quis ser novamente uma criança sonhadora, onde todos os dias eram de descoberta. Na sua insónia voltou a olhar o céu nocturno e lembrou-se da sua velha amiga cintilante. A estrela continuava no mesmo lugar a piscar entre as demais. Não resistiu em acenar-lhe e nesse momento voltou a sonhar com viajar o infinito para muito longe.
Então uma ideia passou-lhe pela cabeça: E se a estrela também o estivesse a observar a ele? Claro que, por causa do que lhe ensinaram na escola, ele sabia que isso era impossível. Mas para uma criança sonhadora não existem impossíveis e naquele momento teve a certeza de que aquela estrela cintilante enviava a sua luz para o animar, como se o abraçasse do outro lado do cosmos.
E ficou feliz.