segunda-feira, janeiro 30, 2017

O Nome de todos os Deuses


Em certa altura da minha vida, farto das imposições culturais que me pregavam e na esperança de um novo caminho espiritual, devotei-me a Morpheu. A ele, honrava-o sempre, com toda a glória da minha imaginação. Este, nunca me falhou, e certificava-se de que os meus sonhos eram combustível para a minha fantasia.
Assim aconteceu durante algum tempo. Foi-me alimentando de conhecimento enquanto crescia e entendia quem eu era. Até que, ele me achou merecedor de conhecer o seu segredo. (Ou o segredo de todos os deuses. Já que todos, seja qual for o nome que lhes dêem, as artes, as leis ou a pregação, são o mesmo Deus, manifestado de forma diferente conforme limitação da experiência humana. Talvez quereis entender isto como um segredo também.)
Nesse despertar, sussurrou-me o seu verdadeiro nome: Universo!
Foi então que todas as questões, aquelas que eu achava que me tinham sido respondidas, se tornaram em ignorância. Tudo que eu julgava conhecer transformou-se em muito pouco.
O infinito fez-se então o meu novo guia. Sempre com a certeza de que também eu, na minha ínfima existência, faço parte da criação e da sua essência. Uno com ele. Já que, na minha pequenez, sou parte integrante da sua imensidão. Irmão da carne, da terra, das estrelas, do tempo, da ciência, do desconhecido e da vida.
Nasci no momento em que tudo era nada para me tornar tão vasto como o cosmos, e ele, tão diminuto quanto eu. Sou filho da noite dos tempos. Este é o mistério da gnose, do qual eu comungo com o seu verdadeiro nome. Com o segredo da existência: o Universo!

domingo, janeiro 29, 2017

Linhas vermelhas


A espera.
O cheiro do cabedal implacável.
As correias que prendem o corpo.
A nudez.
A submissão.
Os sons que antevêem o martírio.
O medo.
O âmago que se abre em contrariedade.
O segredo.
A ânsia.
O quando?
O silêncio.
Está quase...
O admirar da silhueta.
A mulher.
O íntimo feminino.
A beleza.
O arrepio que nasce ao toque do dominador.
A perfeição da pele.
A iminência da profanação.
A mão firme que segura o cabo.
A perícia do pulso.
O assobio do ar a ser cortado.
O estalido na carne vandalizada.
O gemido que se cala no orgulho.
As linhas vermelhas desenhadas a cada golpe.
A intensidade.
A dor.
O prazer.
O grito que finalmente vence.
A conta que se perde.
O chicote que não se compadece.
Os traços que se multiplicam.
A tormenta que não cessa.
A clemência.
O implorar que fica sem resposta.
A paixão sem misericórdia.
O choro que suplica.
A força impiedosa.
A marca que vai permanecer.
A glória em cicatriz para toda a vida.
A luxuria.
A entrega.
A mão que ergue o rosto.
Os dedos que limpam as lágrimas.
A essência que reabre.
O beijo.
A recompensa.
O carinho.
O amor...

quinta-feira, janeiro 19, 2017

Algures no inverno


Estou convicto de que em alguma língua do mundo a palavra ‘frio’ rima com ‘dor’. Maldigo o inverno mais profundo e toda a tristeza que traz com ele. O ar gelado e as cores cinzentas do desaconchego sempre à espera de sussurrar ao nosso ouvido o peso do descontentamento.
Ai de nós que fomos embalados no desabrochar da primavera e amamos no conforto do calor. Onde está nossa alegria?
A natureza tem os seus ciclos para que tudo se renove. Temos de a respeitar pela sua autoridade como nossa Mãe. Talvez por isso, com a sua mão carinhosa, nos faça enfrentar o desalento, certificando-se que sabemos louvar, como é devido, o sol e o amor.
Hoje a carne dói. O gelo entranha-se debaixo da pele e procura, decidido, um caminho para a alma. Não o deixo. O dia pode estar mais fraco mas não tarda a crescer. Aqui e ali vão surgindo sentimentos de ódio assinados com o meu nome. É a natureza humana. Não a nego.
Conheço a minha força. Aceito as minhas falhas, que vou tentando fintar. Creio que compreendo estas fases que por nós passam. São a nossa história, a nossa escola, os capítulos da nossa existência.
Sei quem sou, na certeza que sou feito de estrelas e palavras quentes. Galáxias de fantasia e um infinito de magia. Não me vou vergar ao medo, nem servir uma fúria parida por uma noite de invernia!

quarta-feira, janeiro 11, 2017

Nome de gente


Galinhas. Passarada que muito pouco tem de interesse. Aves sem glória a quem Deus decidiu não abençoar com a proeza de voar. No entanto, alheias a estes reparos, esgravatam a terra incansavelmente em busca de uma qualquer pedrita que sirva de alimento. “Grão a grão enche a galinha o papo”. Agora percebo porquê.
Fazem-no com mestria por entre as folhas caídas de outono e o chão sujo que vão rapando. Ora um remexer. Ora uma bicada. Para eles é indiferente se encontrarem uma pequena pedra ou um grão de ouro. Tudo é igual. Debicam os dois da mesma forma, sem o fardo de reconhecer a riqueza.
Para lá do galinheiro nada sabem da vida dos homens, além do seu tratador que, a horas mais ou menos certas, vai trazendo a ração. Ingerem-na com gosto e rapidez sem saberem que o objectivo daquele petisco é engordar. Se alguém tentar explicar o porquê da engorda será que compreendem?
Eu não consigo. Se me tentar abeirar desatam a esvoaçar e a fazer um enorme chinfrim. Vêem-me como uma ameaça. O único humano que deixam aproximar é aquele que lhes serve aquela gulodice. “Instruí-los é uma ideia parva”, concluo.
Depois daquele repasto, a que todos acorrem para se saciar, retomam novamente à sua natureza de explorar a terra em busca de alimento. Suponho que a ração é apenas um luxo e para eles, afinal, aquela é a definição de fortuna. A terra não se esgravata sozinha. A pausa sabe bem mas não tarda a ouvir-se as patas e os bicos na sua senda.
Algumas escavam mais fundo. Uma cova perfeita, de linhas arredondadas e medidas irrepreensíveis, onde acomodam o seu corpo para descansar. Aconchegam-se. Vão dormitando. São como férias, ou um fim-de-semana perlongado, depois da labuta diária. Isto em tempo de galináceos. Já que o tempo deles é diferente do nosso.
Será que aqueles bichos têm nome? Podia apelidá-los com nome de gente, já que gente me fazem lembrar na sua rotina. Uma ideia parva. Ou talvez não… O devaneio já vai longo e há mais coisas para entreter a minha atenção. Deixo aquela “gente” no seu mundo imenso, (que para mim não passa de um galinheiro), entregues ao seu deus que os reconforta com ração.

quinta-feira, janeiro 05, 2017

Canção do escape


Dedica-me uma música.
Uma qualquer desde que te faça corar quando pensas em mim. Não é apenas uma melodia que te peço, é um pouco de ti.
Entretanto vou ouvi-la repetidamente e imaginar que é o teu abraço e também o teu sorrir. Segue-se uma gargalhada relaxada duma piada seca qualquer.
Materializo-te aqui ao pé de mim. Faço da canção a tua carne. Do longe, aqui tão perto. E surge a vontade de fugir. Seguir sem destino nem regras para cumprir.
Tu em mim e o desejo de me evadir para longe, para uma viagem constante pelo mundo e as suas maravilhas, onde o único destino é partir. Simplesmente ir, no silêncio, no amar, no rir, no deslumbrar!
Abençoados sejam os loucos que o fazem. Eu e tu já o fizemos mil vezes na nossa fantasia. Não satisfeitos multiplicamos por mais mil, e outras mil, até ao infinito, porque não queremos um limite nesse destino que é um contínuo escape.
No entanto, como árvores criamos raízes a este chão tão pequeno para nós. Malfadamos o tempo que na sua incompreensão decidiu não nos sintonizar. Em vez disso condenou-nos a cruzar o nosso olhar onde mora o universo inteiro.
Nasceu a prosa em nós com rimas que teimam em aparecer no texto da nossa harmonia. A distância dos deveres separou os nossos cosmos. Ou não! Na essência do nosso ser já nos evadimos desde o primeiro dia em que a criação soletrou o nosso nome.
Seguimos caminho. Sabemo-nos, cantamo-nos, desenhamo-nos na tela da utopia. Em nós vive uma imensidão que só o pensamento pode atravessar. Na quietude, a viagem já vai longa. Ainda assim arde a ânsia de fugir!

domingo, janeiro 01, 2017

O significado da vida


Certo dia ao adormecer, naquele momento em que já não estamos totalmente conscientes, mas ainda não estamos a dormir e os pensamentos vagueiam à sua vontade, tive uma revelação: descobri o significado da vida!
Com a euforia do segredo imenso que tinha acabado de encontrar despertei num ápice! Foi como se um impulso de adrenalina energizasse todo o meu corpo. Num instante estava acordado, pronto a usar esse conhecimento para bem da existência!
No entanto, ao recuperar a consciência, esqueci-me do que me foi revelado!
Como um louco tentei recuperar os incontáveis fragmentos de memória que se iam dissipando à medida que a consciência se tornava mais clara. Procurava unir os pontos que restavam na lembrança para que esta retornasse a mim. Mas nada! Ficou apenas o conhecimento de que às portas do adormecer um dia me foi revelado o tesouro mais precioso da existência.
Talvez não seja destino para a alma humana estar na posse desse segredo. Ou talvez a carne, na sua ignorância, não saiba ler a linguagem do universo!
Sinto em mim a mágoa de não lembrar… Para me ilibar da culpa do esquecimento deixo no ar a dúvida: foi um sonho ou realidade?...