segunda-feira, setembro 20, 2021

Interpretar o que não existe

Os acordes chegam de mansinho aos meus ouvidos. Não importam os instrumentos que os sussurram, apenas os sentidos que os consomem. Deixo-me mergulhar neles como quem entra num sonho transcendente. 

Trazem uma melodia encantada que me faz viajar: pela imensidão das Estrelas que pintam o Cosmos; por outros "eu"; por amores indizíveis; por acontecimentos transhumanos; por histórias que ainda não criei. A cada nota emanada vai-se montando um cenário onde a magia, a ciência, e a fantasia se misturam num único entendimento. 

A partitura, composta num momento de criatividade divino, vai-se edificando. A beleza da música revela os seus segredos nos mais pequenos detalhes. Eu escuto e assimilo uma mensagem que não tem palavras, somente um convite para alcançar o que está longe. 

A interpretação é livre. Cada um pode escolher o que sentir quando uma sinfonia sem destino escolhe traçar o seu caminho através da pessoa que somos. É para isso que a arte existe: para elevar os sentidos que nos prendem a este chão. 

Não conheço o nome do autor mas partilho com ele a viagem de sinestesia sensorial que vivenciou quando compôs esta trilha de sensações. É este o objectivo da partilha, percorrer aquilo que a realidade tem de alternativo. A imaginação cresce tal como um universo que nasce. 

Um compositor qualquer criou o princípio para que todos os que o escutam continuem a sua criação. A harmonia intensifica-se quando os ouvidos fazem desabrochar todos os outros sentidos, para pintarem uma tela onde o impossível não existe. 

Danço como quem escreve; sonho como quem vive; perco-me como quem se encontra. O tempo não faz sentido neste mundo feito de criatividade, onde não há objetivos, a não ser interpretar o que não existe. 

A ilusão é real porque o artista assim o quer. Sem as fronteiras da percepção humana, ou dos ensinamentos das ciências exatas. A música faz-me ir para lá de mim. Conhecer coisas que ninguém sabe ensinar. 

Hoje, falo da música, mas podia falar das cores, da natureza, do amor, ou da tristeza. Posso apenas dizer que sinto profundamente algo que está longe. Distante como eu. Aquelas coisas que só são compreendidas por quem sente na pele o significado da fantasia.

O mundo torna-se insignificante, perante aquilo que só eu sinto quando os acordes encaixam perfeitamente naquilo que nunca saberei explicar. O que é meu, é somente meu. Digo por palavras inúteis que sinto algo superior. É só isso, mas é tanto.

Nada mais pode ser dito. Não pode ser partilhado. Contudo, como se trata de uma espécie de magia, posso convidar-te para sonhar um pouco também com o infinito, nestas palavras perdidas com que me tento expressar...