terça-feira, agosto 12, 2014

O narrador


Imagina-me!
Os traços do meu rosto, a minha pele, as minhas rugas, a minha idade… Visualiza na tua mente todos os contornos da minha aparência. Serei um velho repleto de sabedoria? Uma criança inocente a aprender os segredos da vida? Ou simplesmente o maluquinho da aldeia a quem ninguém liga com as suas palermices?
Vá lá, deixa que a tua imaginação me descreva. A minha altura, as minhas roupas, as minhas banalidades, o meu sexo! Homem ou mulher? Quem sou eu? Uma bruxa vil e malvada? Uma menina de coro numa demanda para fazer o bem? Ou simplesmente uma sonhadora?
Há tanto por onde escolher. Diz-me como me vês? Tanta gente no mundo, todos diferentes no físico, ideais, religião, posses e outros mil e um pormenores que tornam cada individuo diferente do outro. Serei uma pessoa rica a exibir os seus luxos? Um mendigo invisível numa rua movimentada? Ou simplesmente um qualquer ninguém?
Conta-me o que o teu instinto te diz. Serei humano? Não existe qualquer obrigatoriedade em sê-lo. O limite daquilo que sou é proporcional ao da tua criatividade. Portanto não tenhas medo de me conceber como muito bem te apetecer, sem qualquer tipo de barreiras. Serei um espectro a vaguear pelo mundo? Um animal que olha para as pessoas sem que estas se apercebam que também tenho entendimento? Ou simplesmente um acaso do destino sem qualquer tipo de lógica?
Quem sabe até se sou a tua própria consciência a tentar acordar-te do marasmo em que te aconchegaste. Assim, no quentinho, confortável, rotineiro… É tão bom, não é?
Sim! Estou a falar para ti!
Não tentes ignorar-me porque eu sei o que se passa dentro de ti: o teu coração, os teus sentimentos, as tuas lágrimas, as tuas paixões e conquistas.
“Como posso eu saber”? Perguntas tu.
A resposta é simples. Porque tu me mostraste. Disseste-mo através do choro que tentas esconder; do teu sorriso tímido arqueado pela paixão; na forma como o teu corpo fica irrequieto quando algo te atormenta; pelo brilhar dos teus olhos quando algo te emociona; mas principalmente, pela porta que me abriste directamente para os teus sonhos!
Ah! Como são belos! Devo dizê-lo com rasgado elogio. Adoro passear por eles sempre que adormeces. Faço-o como quem busca um tesouro, ou como quem o encontra. Pois, por vezes parece uma aventura perder-me nos teus sonhos, outras, faço-o por pura contemplação, tal como um monge em meditação profunda, ou um artista que aprecia uma obra de arte.
Mas não penses que o faço apenas enquanto dormes. Porque a melhor parte do sonho humano acontece quando se está acordado. Sabes bem disso, não sabes? É por esse motivo que me fascina o teu despertar!
Ainda duvidas sobre tudo que sei a teu respeito?

Pois bem, quem sou eu então? E o que pretendo de ti?
Questões seguidas de questões… Quanto à primeira deixo ao teu critério. Imagina-me! Pois a imaginação abre as portas do instinto. És livre de me idealizares como quiseres. Tanto me faz, desde que o faças!
Quanto à segunda, a resposta é simples: Quero inquietar-te… Roubar-te da tua vida banal. Dos teus risos vazios e choros inúteis; dos dias preenchidos com o enganar do tempo, à espera que ele passe na esperança cansada em dias melhores!
Quero que sintas o caos!
Desejo que sintas o sangue a ferver e saias para o mundo, não para fazeres o que os outros fazem, mas para seres tu, a irradiar esses sonhos que escondes dentro de ti, com tanta vergonha. Para os cumprir, como uma explosão avassaladora que arrasa toda a Terra!
Quero que sejas o caos!
Quanto a mim. Seja lá o que eu seja. (Reitero a ideia que deves ser tu a imaginar-me) Anseio apenas ser o narrador dessas aventuras. Um pedido simples, ainda que tenha o seu “je ne sais quoi” de excêntrico. Compreendo que penses assim. No entanto, todos temos as nossas pequenas extravagâncias e esta é a minha. Não me tomes por alguém louco, sei que não o farás, mas também não perguntes o porquê. Aceita apenas.
Por agora despeço-me, com a certeza de que em breve voltarei…

sexta-feira, agosto 08, 2014

O rei


Sentado no meu trono
Observo toda a gente
Ora atento, ora indiferente
Sempre impavidamente
Vou governando o meu reino

Sentado no meu trono
Vejo rostos distantes
Outros contentes
Alguns até dementes
Vou sentindo o abandono

Sentado no meu trono
Aprecio a solidão
Saboreio a contemplação
Dum momento sem paixão
Vou sendo levado pelo sono

Sentado no meu trono
Deixo o tempo passar
Sem nada a esperar
Apenas constatar
Sei que de nada sou dono

domingo, agosto 03, 2014

O orante


Gostava de criar uma oração que dissesse a Deus tudo que tenho verdadeiramente dentro do meu peito. Todos os desejos que habitam o meu coração. Todas as mágoas, ânsias, agradecimentos e louvores também!
Tenho alguns pedidos muito estranhos, outros simples, mundanos, como os de toda a gente. Mas não me posso esquecer de agradecer, ou realçar como é grandiosa, maravilhosa, indizível, a magnificência de Deus!
Gostava de saber rezar assim. Talvez seja demasiado inteligente para isso, ou demasiado burro. Às vezes acho (tenho a certeza) que a simplicidade e a inocência são o verdadeiro caminho para conhecer Deus. Ainda que não compreendamos o conceito de Deus. Pelo menos é essa a minha opinião. Mas quem sabe se não estou errado? Porque Deus tem uma ironia muito própria e gosta bem de confundir os sábios. Está escrito!
É certo que a inocência é o caminho. “Sejam como estes pequeninos”. Inocentes. Porém, eu não sou assim…
E eu tenho o vício de tentar compreender o conceito de Deus. Embora tudo que tenha sejam apenas teorias, nada mais. Podem ser até muito complexas, mas até chegarem ao conceito de Deus, precisam de uma longa viagem pela frente. Às vezes tenho a sensação de que é pecado tentar descobrir esse conceito. Provavelmente é uma anedota, para que Deus se ria de mim.
Não sei se Deus está jogar uma espécie de xadrez cósmico, onde sou apenas um peão neste universo tao bizarro e incompreensível. Ou se Deus me considera mesmo Seu filho. Ou se sou parte integrante Dele. Sei que Ele está ali, o que quer que Ele seja. Demasiado grande para que eu O consiga definir, porque eu sou demasiado pequeno.
Para nós, Deus tem muitos rostos, muitas religiões, muitas regras… Mas Ele é só um. Nós, humanos, é que gostamos de complicar e dividimos Deus como se Ele fosse divisível. Não! É só um. Demasiado grande. É com ele que eu gostava de falar. Expressar aquilo que vai em mim.
Tudo aquilo que sou!
Todos os átomos que me compõem!
Toda a inteligência e conhecimento que correm no meu intelecto!
Todo a sabedoria que vou adquirindo!
Na realidade, sou apenas mais um ser que está perdido e gostava de se encontrar…