quarta-feira, outubro 30, 2019

Prece sem destino concreto


Rezei a um Deus desconhecido. Aqueles que já conheço, têm tanto de humano que até dói, tornando inútil qualquer crença no seu nome.
Deixei que as minhas palavras, impulsionadas pelo pensamento, atravessassem as estrelas até aos confins do cosmos. Muito para lá do que a imaginação pode sonhar, ou que a ciência encontrar. Tinha esperança, de que nesse recanto impossível, resida uma entidade, real ou não, acima de todas as outras, que me possa escutar com a caridade benevolente que as divindades prometem a um simples homem como eu, na senda do dia-a-dia.
Em dias como este, em que a pequenez se agiganta e as forças são ridículas ante a vontade soberana do Universo, peço um conforto ou uma ponta de alegria. Nada de impossível a quem determina os desígnios do inefável. Somente um toque de generosidade sem mendigar em demasia.
O martírio da sabedoria, que se apresenta disfarçado de bênção, é um fardo pesado de carregar nas alturas em que a solidão se mostra vazia. Quando assim é, urge descobrir coisas novas. Nem que seja numa prece sem destino concreto.
A resposta que aguardava veio com a própria questão. O desconhecido manifesta-se numa procura incessante com ânsia inquieta. Nada mais há a desejar, a não ser isto: gnose e poesia, onde os sentimentos dançam nas diferentes interpretações de quem, na sua inocência, ou loucura, os tenta descrever sob a forma de linguagem.

domingo, outubro 13, 2019

Tu!


Tu metes nojo!
A merda que defecas tem mais valor do que a tua própria pessoa! Pois a merda pode estrumar um terreno agrícola e torna-lo fértil, enquanto tu, de nada serves ao mundo. Sem ideias, fantasia, ou produtividade. Não passas de um amontoado de carne, com uma espécie de sistema operativo básico, que vive de instintos naturais e ignorância pura.
Não agradeces o dom da sabedoria, nem abraças a possibilidade de a ter. És, em toda a tua pequenez, o sinónimo absoluto da palavra nojo!
O melhor que podias oferecer aos teus supostamente iguais, os mesmos que sofrem a limitação da humanidade, era seres extirpado desse rótulo. Perder o nome, esquecer o legado, não gerares qualquer descendência. Que a tua voz seja calada, as acções desprezadas, na mais verdadeira repugnância pela tua existência enfadonha.
Melhor seria se fosses desmembrado. O teu corpo mutilado atirado como um refugo para cima de uma pilha de esterco, para que apodreças por fora, tal como és por dentro!
E porque me dás asco, as palavras que te digo já vão em demasia. Mais do que isto, só um silêncio invisível te pode salvar, embora a salvação seja uma misericórdia amplamente exagerada a quem não merece a existência, seja carnal ou social. A concepção do teu viver foi um momento maldito, sem amor. Cuspo-te em cima. Pontapeio-te sem piedade. Toda a tortura e humilhação que te possa dar é pouca!
Tudo isto já ultrapassou qualquer valor que mereças. Por isso, nada mais direi sobre ti, a não ser: Tu metes nojo!

quarta-feira, outubro 02, 2019

Os velhos passos rotineiros


Hoje voltei ao passado mas o que encontrei não me satisfez. A cor das paredes estava gasta, desbotada, sem ânimo. Os rostos estavam diferentes do que me lembrava, ao mesmo tempo iguais e não acrescentavam nada àquilo que já me haviam dado. Olharam-me apáticos, como quem conhece, contudo não se entusiasme. As vozes eram velhas, a repetir as máximas de sempre, nas frases ocas e cansadas.
Busquei um espaço que me pudesse acolher por uns momentos, como quem se tenta entreter enquanto espera. As portas que abri estavam silenciosas e vazias, sem novidade ou abrigo. O que havia a dizer tinha sido dito. O que havia a fazer tinha sido feito. A importância era fútil quando medida pelos olhos do pensamento. São assim todas as coisas que não podem ser compreendidas pela razão. Sem importar a explicação lógica. Somente o sentimento.
Ainda assim fiquei um pouco, por curiosidade ou respeito, ou, quem sabe, numa réstia de esperança de encontrar algo novo que me tenha escapado naquele caminho. Procurei, sem sorte, naquele local que parecia ter encolhido face às recordações. Os corredores encurtaram, as divisões mingaram, os corpos seguiam os velhos passos rotineiros. Sentia assim porque, talvez, já conhecesse tudo que seria suposto. Era óbvio que já não pertencia ali.
Não me arrependi da visita apesar de já nada ter para aprender. O tempo que percorri não é um lugar, apenas uma memória que me moldou. Curvei-me em consideração àquilo que de mim passou naquele momento e saí mais cedo. Não adiantava esperar por uma conclusão que já conhecia. Retomei o meu caminho. Voltei para agora, onde eu me esperava, como um mestre aguarda o aprendiz, orgulhoso dos seus feitos.