segunda-feira, maio 25, 2015

A humanidade


Alguém viu por aí a minha humanidade?
Talvez a tenha perdido da primeira vez que desejei ter uma aventura. Quando, na minha inocência de criança, quis ultrapassar os limites que me foram impostos.
A sério. Eu juro que já fui humano!
Talvez tenha esquecido isso quando pela primeira vez conheci o desejo, seguido da doçura do amor, terminando na amargura do coração partido pela crueldade dos sentimentos.
Gostava de recuperar a minha humanidade.
Talvez a lógica a tenha roubado entre a sua frieza quando, com sucesso, provei a vingança. Cresceu algo robótico no meu íntimo racionalizando o pensamento nesse computador bioquímico que é o cérebro.
Que uma princesa me beije e me refaça como humano!
Talvez aconteça esse milagre, já que me é penosa a carne onde me prenderam. Queria provar, ainda que breve, o gosto da divindade com que me iludem nas histórias de encantar ou nos romances de ficção.
No fundo acho que nunca perdi a minha humanidade…
Talvez todos aqueles que se dizem gente bebam desta mesma fonte da dúvida, onde existe o êxtase da felicidade e a violência da tristeza. Opostos juntos no mesmo acontecer que nos torna humanos…

segunda-feira, maio 18, 2015

O sonho proibido


Já alguma vez tiveste um daqueles sonhos super interessantes e acordaste a meio?
É uma coisa tão lixada! Tentamos voltar a dormir para ver se retornamos ao que estávamos a sonhar, mas Morfeu, implacável ou irónico, fecha-nos a porta dos seus domínios. Sem adormecer o sonho não regressa, pelo contrário, vai-se dissipando. Quando damos conta já não nos lembramos no que se estava a passar na nossa cabeça ainda há poucos momentos durante o sono. É frustrante!
Aconteceu-me uma cena dessas esta noite!
Não! Já disse que não me recordo sobre o que era, senão não estaria a falar disso. Digo-te apenas uma coisa: o que quer que fosse era importante.
Mas afinal tens os ouvidos tapados ou quê? Repito mais uma vez que não sei sobre o que era. Apagou-se da memória…
O que quer que tratasse o meu sonho era grandioso numa escala impossível de descrever. Talvez fosse uma revelação divina sobre sabedoria oculta… Às tantas esqueci por castigo. Porque nenhum humano deve conhecer o que me foi revelado naquele sonho proibido. Sei lá! Digo-te apenas que o anseio recordar com todas as forças.
Não consigo deixar de pensar nisso. Deixa-me inquieto. Passo o dia desassossegado a questionar-me sobre o que se tratava. Parece uma coisa obsessiva. Simplesmente não consigo livrar-me deste desespero por lembrar algo que talvez não passe de uma ilusão. Ainda assim desejo esta quimera, nem que isso me leve à tormenta da loucura. Se é que essa semente já não foi plantada em mim…
Mas conta-me lá. Sim tu! Nunca tiveste um sonho destes?

terça-feira, maio 12, 2015

A modernidade


A viagem é curta embora para mim pareça longa. Não de uma forma entediante, pelo contrário. Perco-me entre as paisagens por onde vou passando. Deixo que a minha mente vagueie por esses locais. Questiono-me sobre as historias que elas escondem e sobre a beleza que contêm.
Reparo nas casas, não consigo evitar imaginar como serão os seus habitantes; gente humilde, almas trabalhadoras que se contentam com um viver simples, manchados aqui e acolá por pessoas que abraçam a arrogância de se acharem de melhor casta. Há-los em todo o lado. Esquecem que nascemos todos do mesmo pecado original.
Imagino atrás das portas as vidas das famílias. As alegrias e tristezas; as vitórias e derrotas; os amores e os dramas; nascimentos e solidão. Pequenos universos que se resumem aqueles lares e àqueles que os compõem. Só por si não têm importância para a história da comunidade, sem ninguém que os relate e muito menos que se importe. Vidas que acontecem. Somente isso.
Contemplo os cenários naturais. Verifico de forma quase rezada que por estes lados ainda é tudo tão puro, como se dedicasse uma oração à Mãe Natureza pedindo desculpa pela modernidade do automóvel. Sigo devagar para que a minha marcha não manche em demasia toda a calma que envolve estas terras.
Interrogo-me se já outros, tal como eu, tiveram os mesmos pensamentos de tranquilidade ao percorrer estes caminhos serenos. Provavelmente sim. Gente moderna tem sempre esta necessidade oculta por um pouco de sossego. Habituamo-nos ao barulho, às luzes, à pressão, no entanto continuamos a ser bichos na nossa essência. Animais sem grande ferocidade que apenas desejam viver em paz.

quarta-feira, maio 06, 2015

O fado


Existem saudades
Que já o são antes de o ser
Paridas gritadas com sofrer

Rasgando ventres
Vêm em nossa alma nascer
Crescem como fogo a arder

Crianças carentes
Que descalças vão a correr
Mendigar o pão para comer

Escrevem estrofes
Poemas loucos para antever
Amores ainda por acontecer

Rimas inquietantes 
Nas folhas brancas do viver
Com a caneta do enfurecer

Emoções ausentes
Nos caminhos por percorrer
Parado o tempo sem correr

Marcas presentes
Raivas inquietas fazem doer
A ânsia do nosso adormecer

Apenas saudades
Entranhadas no nosso viver
Cantando fado no nosso ser