segunda-feira, julho 27, 2015

A sedução


A solidão falou comigo como se tivesse um corpo físico. Ou melhor, como se fosse uma espécie de divindade a tentar manipular um humano numa odisseia qualquer.
Tentou seduzir-me com palavras ternas acerca das maravilhas do vazio. De como seria fantástico não ter qualquer emoção de mágoa, ou de carinho; não nutrir qualquer amizade em prol dos meus segredos.
Contou-me de dias rotineiros ausentes de qualquer preocupação onde tudo era igual, desprovido de raiva ou de amor. Cantou-me hinos fascinantes acerca dos encantos de passar despercebido, tal como um fantasma, pelos demais com as suas façanhas inúteis.
Nisto surgiu a loucura, acompanhada da tristeza. De mim, também queriam o seu quinhão, bem generoso por sinal. Este trio foi-me contando, cada um por si, as vantagens da sua adoração, tal como vendedores de inutilidades. Na realidade soavam como comerciantes de escravos a tentar comprar a minha existência com futilidades.
Tentei-me em ouvi-los. Porque não? Afinal de contas todos faziam sentido em algum momento da vida. Mas… E eu? Onde ficavam os meus desejos? Não podia simplesmente enterra-los como cadáveres esquecidos, principalmente quando se tratavam de tesouros a quem dediquei tanto de mim.
Senti a revelação. Malditos sentimentos a tentar conquistar-me quando são eles os meus subjugados. Não me posso entregar por uma simples atracção em que me refugiei aqui e ali, como em amantes espalhadas pelo campo. Sei que a dor existe, sim! A dormência de não a sentir tenta-me não minto. Somente isso, nada mais. Se o preço a pagar for a inexistência não vou seguir esse caminho.
Vou antes escrever as tormentas na minha história e seguir em frente. Continuar a desbravar mundos nunca antes poetizados, porque, certamente mais adiante haverá conquistas!

quarta-feira, julho 22, 2015

A dança


Sonhei.
Foi como uma poesia que ganha vida,
Nesse existir, longe do ser, em que te encontrei.
Para lá da própria consciência conhecida.
Quem sabe deste universo de onde eu, sonhador, escapei.
Vieste nesse sonho sonolenta e calada,
A dançar devagar ao som do cosmos. Foi onde te olhei!
Chamaste-me e fui, qual sereia encantada.
Não estavas longe nem perto, por isso deixei,
Sem ter medo dessa melodia iluminada.
A música estava viva no silêncio, escutei.
Esqueci que lá fora havia madrugada,
Por isso, também dancei,
Enquanto dormia (ou acordava)...


Nota: Não percebo muito de poesia, a não ser que o poema rima. Por isso gostava que alguém que perceba do assunto opine sobre este. Se as rimas estão bem, qual o tipo de rimas, etc. Claro que podia ir ao google, mas prefiro interagir com outro ser humano :)

segunda-feira, julho 20, 2015

O pássaro


Existe qualquer coisa de mágico no acordar, depois de uma noite descansada, somente ao som do chilrear de um pássaro. Eu sei que esta imagem poética pode parecer um cliché, mas de facto é verdade e talvez por isso seja apelidada como algo trivial. Pouco importa. Embora não seja nada de extraordinário é algo que me deixa sereno.
O despertar inicial, ainda sem memórias a assombrar a mente, banhado com um silêncio tranquilo apenas interrompido pela sinfonia matinal de um pássaro, que alheio às lutas humanas trata da sua própria senda, cantarolando na sua língua da natureza. Para ele em nada importa que exista um ser dito racional a contemplar a sua canção de forma quase hipnótica. Simplesmente continua na sua simplicidade e isso agrada-me.
Tão simples, tão sossegado, tão fresco. Assim é este momento contemplativo. Tento tardar ao máximo que o mundo regresse à minha consciência. Esse tem tempo. É inevitável que volte. Isso eu sei. Porém, até lá, que fique calado. É somente este instante que importa, em que o meu “eu” mundano está sonolento e esquecido, para dar lugar à serenidade, que afinal pode existir num simples acordar ao som do chilrear de um pássaro.

terça-feira, julho 14, 2015

Os outros (O Narrador V)


A conversa está ser interessante?
Não olhes para mim dessa forma, já devias saber que não existe pior solidão do que aquela que sentimos quando estamos rodeados de pessoas. Tinhas perfeita noção disso quando vieste para aqui. Mesmo assim preferiste acreditar que podia ser diferente. Nada contra. Tentar não custa.
Olha só para esta gente à tua volta com as suas conversas mundanas. Banalidades inúteis que nada mais fazem do que irritar. Mesmo assim aí estas tu a tentar simular um sorriso, a tentar participar nos temas discutidos, a fazer um esforço tremendo para te misturares com eles. Achas mesmo que fazes parte deste grupinho? Estás com eles, não és parte deles. Sabes bem disso. Lá por serem muitos, dizerem umas coisas engraçadas e até simpatizarem contigo, não te fazem verdadeiramente companhia. Não são teus amigos, pelo menos no verdadeiro sentido da palavra. São bons conhecidos na melhor das hipóteses. Este é o mundinho deles, não o teu. Não quer dizer que tenham alguma coisa de mal, nada disso. Até é bom conhecer gente assim para certas ocasiões. Pessoas banais são necessárias também. Simplesmente há que ter em atenção que não pertences aqui. Se procuras felicidade não a vais encontrar com eles, pelo contrário, apenas frustração. Não esqueças que estás apenas a fazer o que é suposto um ser humano fazer: socializar. O que para alguém como tu pode ser uma tortura!
Bem sei que a tua mente paira noutro sítio qualquer, vagueando entre lugares distantes e fantasmas do passado. Fazes da tua existência uma viagem abstrata que nada tem a ver com a realidade que te rodeia. É duro. Fazes-te passar por quem não és para que não cheguem a ti, àquela tua verdadeira essência feita de inquietude. Já te partiram o coração e doeu. Doeu muito. Ainda hoje te dói. Por isso é melhor ficar do lado de cá, longe dos demais para que não volte a acontecer.
Chegaste a essa conclusão porque as pessoas magoam. Confiar nos outros é como jogar à roleta russa com as nossas emoções, nunca se sabe quando é que a arma vai disparar. A única certeza é de que a bala te vai atingir em cheio. Portanto, o melhor mesmo é não confiar. Toda a gente trai, mesmo sem querer. Tu não és excepção! Por isso mesmo criaste essa personagem com que vestes o teu verdadeiro “eu”, que ninguém conhece. (Salvo eu que sou o teu narrador. Agradeço esse privilégio apesar de também desconfiares de mim. Pouco me importa.)
Claro que deixando de confiar nos outros começamos a ficar secos, desajustados da realidade consumidora de banalidades. Por isso, viramo-nos para nós, para o sonho interior e começamos a sentir aquela inquietação no coração que tu tão bem conheces. Deixamos de estar sintonizados com este mundo feito de relações sociais, mas porque estamos presos nele começamos a viver com amargura. Claro que não te vou explicar isso novamente, estou só a lembrar.
Olha para os outros com atenção. Achas que és caso único? Repara em cada pessoa individualmente. Olha para os pequenos pormenores de cada um. Pois… É isso mesmo. Alguns são como tu. Farsantes a tentarem ser quem não são para simplesmente se integrarem com o resto do mundo. São como actores numa representação perpétua de uma peça de teatro onde são obrigados a participar. Vivem frustrados, cheios de mágoas no seu interior. Exactamente como tu!
Ainda assim vê como eles sorriem. Parece que se encaixam perfeitamente no seu lugar. Sabes porquê? Isso mesmo. Abdicaram de ter personalidade própria. Ideais, vontades, sonhos e metas apenas deles. Decidiram apagar-se a eles mesmos para conseguirem sobreviver no doce marasmo dum dia a dia coberto de rotinas monstruosas tal como todos os outros com medo do julgamento que possa acontecer. Preferiram castrar o seu intelecto em prol do simples destino de ser banal. Serve de refúgio um entretenimento ocasional e os programas de talentos de domingo à noite, onde a mente se convence do fado inevitável que a segunda-feira traz. Tudo não passa de uma mentira. Uma brutal e violenta mentira!
Sabes bem que todos que têm uma mente irrequieta não a conseguem prender por completo. Fica sempre ali uma voz incomodativa constantemente a palrar sobre como estás a desperdiçar a tua existência com futilidades. Sobra o isolamento do quarto onde ainda reside um pequeno santuário da sua fantasia, infelizmente não serve para mais nada a não ser chorar pela decepção que se acumula!
Que se passa? Sentes os olhos pesados e o coração apertado? Creio que não é motivo para isso. Apenas te estou a relembrar que a vida é demasiado interessante para ser desperdiçada com gente que desperdiça a sua própria existência com inutilidades. Ainda estás a tempo de acordar. Aliás, todos nessa situação ainda estão tempo de viver…
Parece que me entusiasmei demais. Falar é fácil eu sei. Mas sabes que às vezes pareço um daqueles pastores americanos a pregar moralismos e deixo-me levar. Seja como for, seja qual for a tua escolha, eu estarei aqui para narrar a tua vida.

terça-feira, julho 07, 2015

O espaço vazio


– A estrada é longa…
– Ainda bem.
– Vais partir?
– Sim.
– Sabes para onde vais?
– Não.
– Tens medo?
– Muito.
– Então porque vais?
– Porque quero ser feliz.
– Vais voltar?
– Talvez.
– Como vais?
– Ao som de uma música.
– Que levas na bagagem?
– Espaço vazio.
– Que esperas trazer?
– Coisas que me preencham.
– Vais ter saudades?
– Depende de quem encontrar pelo caminho.
– Quando começas a viagem?
– Já a iniciei há muito tempo.
– Como assim?
– Desde o momento em, que por curiosidade, fiz a primeira pergunta.
– Não achas isso estranho?
– Acho isso interessante...

quarta-feira, julho 01, 2015

O pecado


Acima de tudo, importa constatar que por trás das minhas palavras sou um gajo normal, com hábitos normais, preocupações normais, desejos normais… Há em mim uma banalidade quase incomodativa que me torna completamente desinteressante.
Não existe em mim nada de extraordinário nem de heróico. Nada de verdadeiramente fascinante que justifique a minha fantasia. Sou somente um recluso numa prisão feita de coisas mundanas.
É quase criminoso o acto de demonstrar as minhas ideias, filosofias e pequenos contos, através destes textos, que não são nada mais do que parágrafos que parecem bonitos. Bem sei que é para isso que inventaram a escrita. Para escapar à realidade. Pelo menos na minha opinião.
Não tenho a menor dúvida que haja quem discorde comigo. Sinceramente não quero saber. Se existe esta forma de escape então vou usá-la para proveito próprio. É justo que passeie pelas letras a minha imaginação.
Quanto à realidade, peço desculpa pela minha inquietude. O simples acto de existir não me satisfaz. Para isso tenho de pagar o preço do desassossego, tentando redimir-me deste meu pecado de sonhar…