terça-feira, setembro 22, 2015

A lei


«Proibido sonhar!»
Essa lei não foi decretada por nenhuma autoridade governamental, mas sim pela dura realidade da vida. 
«Estás autorizado a sobreviver!»
Essa sim é a verdadeira lei. Essa é a regra básica da sobrevivência, tanto para o animal como para mim.
Os meus instintos poéticos e fantasiosos para nada servem, senão atormentar-me. Um escape ao que me rodeia sem que me ofereça uma fuga real ao martírio da existência. Os meus devaneios são como estupefacientes que me arrastam para o seu vício sem que exista neles qualquer tipo de salvação.  
Cá fora tudo é cruel, bem sei. Até a própria dor, que exige ser sentida, fica mais leve de suportar, e por vezes até bela, quando adornada por uma rima qualquer.
Talvez exista amor como pregam alguns. Queria acreditar nisso. A sério que sim! Contudo é mais fácil escapar para onde os sonhos me enamoram. Amar é sem dúvida mais perfeito quando tocado pela arte!
Entretanto prefiro esquecer que a amargura me espera e entregar-me ao mundo encantado da fantasia. Mesmo que me perca na sua doce mentira. Longe. 
A voz do mundo que me chama, severo, para me castigar, que espere por mim quando decidir descer da árvore da ilusão…

terça-feira, setembro 15, 2015

Quatro patas


Um cão passou na minha rua. Não tinha trela nem se avistava alguém que pudesse ser seu dono. Ia decidido, caminhando até com alguma pressa. Chamei-o com um assobio e uma promessa de festas. Ele olhou para mim de esguelha, como quem cumprimenta por favor e seguiu o seu caminho sem me dar importância. Não me ligou! Mais à frente parou para cheirar umas flores. Pensei até que fosse alçar a perna, mas enganei-me, não se demorou. Foi breve e retomou a sua marcha, pronto e determinado. Com toda a certeza sabia exactamente para onde ia. Onde é que se já viu isso? Um cão sem dono que sabe para onde vai!
Movido por uma certa curiosidade senti-me tentado a ir atrás dele. Seguir o bicho para conhecer o seu destino. Acabei, no entanto, por abandonar a ideia. Também não me questiono para onde vão as pessoas. Seguem a sua vida, tal como eu e tu. Nada tenho a ver com isso. O cão tem o mesmo direito de palmilhar o seu caminho mesmo em quatro patas, sem coleira nem trela e muito menos dono para lhe impor um rumo.
Por vezes há em mim um desinteresse tão grande acerca das coisas banais e mundanas que faz com que eu não aprecie os pequenos momentos, até mesmo em coisas surpreendentes, como aquele cão que sabe para onde vai, caminhando decidido como um humano qualquer...

quarta-feira, setembro 09, 2015

Viagem interior


A névoa vai caindo devagar cobrindo o mundo pouco a pouco, juntamente com a noite que chega. Entristece-te ó homem alegre, pois o Verão está a terminar. Prepara o teu manto de melancolia para te cobrir assim que o calor partir.
Consegues perceber muito sobre ti mesmo ao assistir ao pôr-do-sol mesmo antes que o Outono chegue. Algo que termina calmamente, como recordações que se arrumam, para dar lugar a algo que começa. Assim são os teus pensamentos: alegria, tristeza, projectos, derrotas, vitórias… Tanta coisa que visita a tua mente, neste momento pacífico, enquanto a noite cai.
É um momento solitário. Se tiveres alguém que te faça companhia tanto melhor, ainda assim, não deixa de ser um momento de introspeção, mesmo sendo partilhado. É bom ter outra pessoa ao lado, seja amizade, seja amor, tanto faz, desde que seja verdadeiro. Dois seres a admirar a mesma beleza e a realizar uma viagem interior.
Se houver mágoa, as lágrimas caem. Se houver alegria, o sorriso abre. Se houver sonhos o olhar brilha em direcção ao futuro. É para aí que deve seguir o caminho, enriquecido por tudo que o passado nos ofereceu.
Entretanto aproveita os restantes dias quentes. Não há motivo para tristezas abruptas. Reúne tudo aquilo que te faz feliz e larga ódios que atormentam. Liberta-te das amarras de tudo que é banal e vive. Afinal de contas o inverno passará, passa sempre, até que regresse a primavera.
Sê feliz :)

sexta-feira, setembro 04, 2015

Debaixo da cama


Não consigo adormecer. O silêncio e a noite escura serenaram o mundo. As pálpebras cansadas querem dormir e levam-me para o conforto dos lençóis. Mesmo assim, um medo irreal, quase infantil, tomou conta de mim e não deixa que me entregue ao sono.
Creio que debaixo da cama está um monstro. Um ser grotesco com aspecto de réptil. A cabeça é como a de um crocodilo que espera atentamente a caça da sua presa. Os braços são compridos e finos, quase elásticos, prontos a segurar a minha mão caso queira acender a luz da cabeceira. Pelo menos assim o julgo ser, pois entre a penumbra do quarto e o terror que se apossou de mim, quebrou-se-me a coragem de encarar a criatura. O pavor crescente faz com que me retroceda quieto escondido na segurança dos cobertores. Mantenho-me calado, sem emitir qualquer ruído que possa despertar a aberração.
Nestes minutos longos de insónia sombria, imagens bizarras passeiam pela minha mente como personagens sinistras de contos assombrados. As sombras que se destingem no escuro deformam toda a arquitectura do meu quarto. Fazem-me questionar se são espectros de aparência hedionda que me observam, tendo para mim intenções de pura perversidade!
A lógica diz-me que é tudo mentira, são apenas fragmentos irreais que povoam a minha imaginação. No entanto o medo cresce em mim como um vendaval, deitando abaixo qualquer muralha de sanidade que possa existir, sobrepondo-se à razão que me diz ser impossível que algo esteja ali, debaixo da minha cama, pronto a devorar-me. Os dentes começam a bater descontrolados e as lágrimas querem sair, obedecendo ao caos em que se transformou o meu sistema nervoso. A demência sabe como vencer a audácia…
– Por favor quero dormir! – Peço a qualquer anjo que esteja à escuta. Nada nem ninguém me vem salvar da minha própria irracionalidade. Sou apenas eu, o medo, o escuro, o terror e a loucura! Tudo embrulhado na demência da minha fantasia. Isto não pode ser real, tenho de escapar desta ilusão. Haja coragem...
Reúno todas as forças e num momento épico de bravura estico o braço velozmente para acender o candeeiro. A luz mostra a verdade. Não há lá nada. Apenas o meu quarto, o silêncio e a noite. Não existe nenhum monstro que me quer devorar. Só o meu corpo cansado e a minha mente que continua assustada como a criança que há em mim...

terça-feira, setembro 01, 2015

Nota de ausência


Lembras-te de como éramos felizes nos pequenos momentos? Parecíamos crianças prontas a descobrir com fascínio coisas novas todos os dias. Esse tempo parece tão longínquo e tão presente em simultâneo. Transformou-se em saudades e eu não sou fadista para as cantar...
O que aconteceu afinal? Entregaste-te ao mundo e às suas regras austeras. Trocaste as coisas simples pela azáfama das coisas grandes. Aos poucos foste esquecendo que o importante é ser feliz e partiste para as terras distantes dos teus afazeres.
Vejo o teu corpo mas não estás ali. Falo para ti e quem me responde é o atendedor automático do teu ser perdido numa mundanice qualquer que te absorve a atenção. Onde estás? Longe. Demasiado longe para chegar até ti, por isso fico cá.
Sei que «és tudo o que eu quero», tudo que preciso para ser feliz. Aliás, somos tudo que precisamos para sermos felizes! Longe do mundo, aqui, do lado de cá do sonho.
«Volta para mim», suplico-te como quem implora pela vida. Respondes apenas que já vens. Um regresso continuadamente adiado, como se a espera não importasse. Esqueces que o tempo não perdoa e não demora para que seja tarde demais. Fica a recordação e essa não importa quando se parte à aventura.
Entretanto vou perdendo a esperança que regresses. Escuto o chamamento do mundo na sua diversidade e sinto desejo de partir para as terras distantes de novas façanhas. E a vida vai acontecendo com as suas voltas e reviravoltas contando pequenas histórias…