terça-feira, novembro 27, 2018

Estai atentos


Atenção! Anda por aí gente que diz ser Feliz!
E muito cuidado, porque falam a sério!
Há no mundo quem não queira competir, ou ser digno de uma qualquer posição de destaque, nem plantar inveja nos canteiros alheios a troco de falta de serenidade. Somente apreciar os pequenos prazeres da vida sem a pressa dos ansiosos.
Querem estes, saber de cor todas as estrofes do Amor. Por isso vão cantando em cada caminho métricas de satisfação, nos sorrisos leves da alegria genuína e nas conversas coloridas ao abrigo da amizade.
São como paisagens imensas, irradiadas de pormenores e contrastes, com horizontes que convidam a viajar no Universo que escondem em si. Trazem o Verão nas palavras e a euforia no olhar.
Aqueles de nós, que se perdem no cinzento, não prestam atenção a estes seres que vão adocicando as ruas amargas. Mas eles existem! Como nos mitos ou nos contos de encantar. O segredo é reparar no que é simples, eles estão lá. Não esperam por nós, mesmo estando prontos a nos acolher.
Atenção! Que anda por aí gente que espalha felicidade!
E muito cuidado, porque também nós temos o direito a ser felizes!

sábado, novembro 17, 2018

Entre os cacos do viver


Sei da tua companhia, oculta por detrás do silêncio do teu sorriso distante.
Reconheço um outro eu na tua forma, espelhada em cacos do viver. O pensamento deformado pelas cicatrizes do crescimento, amargo e agreste. Vergastadas implacáveis nas costas de quem sonha. A dor é constante na memória, mesmo quando adormecida.
Conheço a tua angústia, perfeitamente escudada pela muralha da tua aparência.
Há uma certa poesia erógena nas palavras (quando as há), trocadas como esperança, de quem se aconchega em estilhaços iguais. Sentenças de melancolia, que se traduzem em versos sem nexo porque a humanidade não basta.
Acaricio na inquietude a tua solidão, tão palpável quanto a pele.
Pouco se pode acrescentar quando duas existências se completam. Ou assim o julgam, tal a semelhança do seu fado. As vozes nada trazem de novo. Talvez os olhares se reconheçam nas cores berrantes do vazio. Só isso, o resto é aconchego.

segunda-feira, novembro 12, 2018

A afirmação


Mas afinal, o que sei eu de gente?
O bicho homem glorifica-se porque, na sua evolução, alcançou o dom do entendimento. Dominar a linguagem, construir e engendrar, acima de qualquer outro ser vivente, que tem a Terra como lar. Ganhou, assim, a recompensa absoluta da arrogância.
No entanto, diz a lógica de quem se compara em tamanho e inteligência, com o enigma do infinito, que a pequenez é a única afirmação que se pode declarar com o mínimo de certeza.
Mas, se restringir a minha observação da existência aos limites que a sociedade, presunçosa, afirma como serem os canónicos, interpreto-me com o estatuto de semidivindade. Portanto, nada mais admito que a perfeição para mim mesmo. Sendo o que me rodeia um Olimpo imaculado, livre de manchas, ou defeitos. Tudo o resto é despojado de atenção e rejeitado com fúria intolerante.
Depois há os sentimentos, elevados ao estatuto máximo do respeito, mesmo quando fadados ao apogeu da tragédia. Contudo, suponho que seja essa a força motriz da esperança e da crença na humanidade. Nunca esquecer a obrigação de acreditar na felicidade e no amor, mesmo que estes sejam miragens, ou instintos animais para que a nossa prole continue a senda que nos guiou.
Ou talvez tudo isto sejam devaneios e ilusões de um ignorante sem canto onde se abeirar, porque um dia decidiu procurar a verdade nas entrelinhas do viver, até que a realidade se dissipou (ou aumentou para lá dos horizontes da compreensão).
Barbaridades transcritas em palavras ocas. Se as decidisse apregoar ao mundo, certamente haveriam ouvidos para as acolher e outros para as odiar sem medida. Isto, sem que antes questionassem a sua lógica.
É assim que julgo os meus iguais. Entre a confusão de opostos que se foram gerando na dita evolução. Numa réstia de bom-senso opto por não tomar partido. Até porque, não procuro seguidores, nem tão pouco inimigos. Aguardo que lá pelo meio, a minha opinião passe despercebida entre todas as outras. A minha autoridade é duvidosa. Eu próprio me interrogo:
Mas afinal, o que sei eu de gente?

sexta-feira, novembro 02, 2018

A parte incerta do imaginar


O silêncio é profundo e o Universo entoa o seu cântico. O “nada” que sou agiganta-se numa imensidão de sentidos transcendentes. A profundidade da vida revela-se na sua essência mais pura, dentro do ventre do caos, onde as sombras e a luz se completam na mais absurda perfeição.
De mim, afinal, pouco sei, além da melancolia fria que deseja invadir-me o pensamento vadio. Quedo-me introspectivo no fim de tarde cinzento, entre as palavras levadas pelo Outono e as ideias sem cor que se passeiam pela mente. O mistério da existência revela-se sem que o possa compreender.
A Natureza assim se fez, ditada pelas regras do cosmos, em constante movimento infinito. Os ciclos repetem-se em saltos entre o dia e a noite; o calor e o gelo; a cor e a chuva. Assim também somos nós, seus filhos, integrantes em plenitude na coreografia das estrelas. O segredo está escondido na parte incerta do imaginar.
Algures deve existir uma voz; uma indicação; um sentido para quem se perde na imensidão do desconhecido da alma. Eremitas errantes por momentos esquecidos, como quem viaja por países estranhos, em desafio constante à noção de entendimento. Apenas tentativas frustradas de dar corpo ao enigma do ser…