segunda-feira, dezembro 29, 2014

História de amizade


O jovem sentiu um pêlo a sair do seu nariz. Era anormalmente longo. Apesar de o tentar meter para dentro, aquele fio rebelde insistia em ficar do lado de fora da narina, como se quisesse ver o mundo exterior.
Ainda pensou em corta-lo, mas achou que seria uma injustiça perante a curiosidade demonstrada por aquele pêlo bisbilhoteiro. Achou engraçado, por isso deixou-o ficar.
Fazia um círculo para fora como se fosse uma argola no nariz e se tratasse de um adorno natural. O jovem achava piada e deu-lhe o nome de ‘Zé Alberto’. Não tinha nenhum significado especial. Era apenas um nome que lhe surgiu de repente na cabeça. Nada mais que isso.
Nos dias em que o ‘Zé Alberto’ saia para fora, o jovem mantinha inúmeras conversas silenciosas com ele sobre coisa nenhuma. Foram criando assim uma peculiar amizade  e companheirismo.
Entretanto, o jovem começou a ter o hábito de puxar o pêlo, para ver se ficava mais comprido. Queria dar-lhe uma maior liberdade para explorar o exterior. No entanto, certo dia, mesmo sem fazer muita força, arrancou o ‘Zé Alberto’ sem querer!
O seu coração palpitou ao aperceber-se que ia perder o seu amigo de tantos momentos insignificantes. Ainda o prendeu entre os dedos, procurando guarda-lo numa caixa. Ou algo assim. Não queria ficar sem ele.
O encontrão de alguém na rua, fez com que soltasse o seu amigo. Tentou procurá-lo na calçada, em vão. O ‘Zé Alberto’ estava perdido…
O jovem ficou triste. Manteve, ainda assim, a esperança de um dia aquele pêlo curioso voltar a nascer e vir até cá fora, para nutrirem outra vez uns bons momentos de convivência.

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Curta história de amor


«Não gosto de gajas estrangeiras.» Dizia ele com bastante certeza na voz.
«Só aprecio as portuguesas, com um bom ! Roliço e redondinho. Excelente para dar umas palmadas. Tás a ver?» Reafirmava ele, balançando a palma da mão aberta, quando lhe perguntavam sobre o seu gosto em mulheres. 
Ou, pelo menos, era isso que acreditava até ao dia em que a conheceu. Rosto envergonhado. Aquele cabelo sedoso e brilhante. Os óculos de hastes engraçadas. A camisa branca, cuidadosamente engomada, e a saia preta, pelo joelho, deixavam adivinhar os contornos perfeitos do seu corpo. Tinha o visual de bibliotecária mais impecável que vira até aquele dia. E ele gostava tanto.
Assim que olhou para ela bloqueou. O tempo começou a passar tão devagar, que até a câmara lenta parecia rápida comparada com aquilo. Queria cumprimenta-la, mas só pensava em dizer: Amo-te! Claro que da sua boca nada saiu. Apenas aquele olhar estúpido e estarrecido estampado na cara a olhá-la. A mulher mais bonita que tinha alguma vez visto!
Ela corou. 
Quando finalmente conseguiu falar disse: «És linda! Como te chamas?»
Felizmente a situação não exigia grandes formalidades e ele podia tratá-la de forma mais intima, "por tu". Ainda não a conhecia mas já a amava!
«Maria...» Disse ela, com certa timidez, num português arranhado. 
Grega! Uma semideusa com certeza! «Deus é um tipo irónico!» Pensou. Mas a paixão não quer saber de nacionalidades. Simplesmente acontece e não se importa com preconceitos. Não era portuguesa... Talvez fosse castigo. Não fazia mal. Amou-a na mesma. Afinal de contas, traseiros cheiinhos existiam em todas as nacionalidades. 
Apesar do trabalho que tinham de fazer, foi rápido convence-la para um café. Ela, atraída pela mesma química, aceitou de imediato e até hoje continuam a amar-se. Prolongam aquele momento inicial constantemente, repetindo os cafés tal como se fossem sempre o primeiro. Tal como um ritual de paixão eterna dedicado a Afrodite. Louvada seja!

segunda-feira, dezembro 22, 2014

A escrita


Os escritores são malucos! Talvez seja por isso que não edito um livro, para que não me considerem louco. Ou se calhar, o contrario: os escritores são vaidosos! E eu não queira editar um livro, para não me andar por aí a pavonear, cheio de orgulho nas páginas que escrevi.
A verdade é que faço e sinto coisas, apenas para ter criatividade e vir aqui escrever. Olhem bem para este blog. Às vezes interrogo-me de onde vêm as maluqueiras que escrevo nos textos que publico?
Existem algumas publicações, que sinceramente são básicas. Ah! A escrita até é bonita e tal. Bom de se ler. Mas são apenas palavras que me apeteceram escrever no momento, sem grande conteúdo. Nada mais do que isso…
No entanto, outras vezes, quando do meu íntimo surge uma criatividade quase imoral, dona de uma sabedoria inquietante, nascem textos que parecem vir de um intelecto divino. Como se um outro eu incorporasse em mim mesmo e tomasse conta das teclas do computador. É a sensação que tenho ao revisitar coisas antigas!
Agora que leio isto, aguça-se a minha dúvida e fica a questão no ar: É uma publicação de génio, daquelas básicas, ou outra coisa qualquer? Uma autocrítica, talvez seja a melhor resposta.
Seja como for, vou continuando a cultivar este cantinho escondido na net, feito de palavras que ilustram sentimentos, devaneios, sonhos, loucuras ou simplesmente umas linhas de prazer que me apetece partilhar.

segunda-feira, dezembro 15, 2014

Frases soltas


Gosto de te despir com poesia
Desnudar-te a alma de segredos

Amar com metáforas a pele nua do teu ser

Desenhar com palavras as curvas da tua silhueta 


Beijar-te calado num olhar enamorado

Arrepiar-te a pele num toque de desejo


Saborear o pecado do teu corpo 

Entrar em ti com uma ternura furiosa

Sentir o teu âmago entregue ao prazer

Cantar estrofes a cada gemido que soltas

Até que o poema nasça...

segunda-feira, dezembro 08, 2014

A mudança


– Quem fez as regras? – Perguntei por entre o incerto do meu sonho vívido.
A resposta tardou.
– Deus… – Ouvi alguém sussurrar a medo. Mas aquela voz não vinha de ninguém com a devida autoridade para responder.
– Os homens. – Respondeu mais alguém, também a medo, sem se querer mostrar. A tentar esconder-se naquela espécie de escuridão, que não passava mais do que um vazio, que consistia na ausência de um corpo.
Eram outras consciências, que tal como a minha, ali estavam, meio perdidas. Cientes de que se encontram unidas numa espécie de visão translucida.
Um, mais ousado, certamente erudito, começou a perder a timidez e iniciou uma palestra, ou uma espécie de reflexão, de que as regras foram surgindo com o passar do tempo, num misto de conclusões entre homens, religião, bom senso e a nossa própria natureza.
Os mais religiosos também intervieram, dizendo que apenas Deus as podia ter criado assim, primeiro que os homens, para que estes as respeitassem e vivessem em comunidade.
Mas as religiões são muitas. Abundam e discordam entre si. Tal como as normas ditadas pelos homens, divididas por convicções políticas, ambições ou simplesmente teimosia.
Iniciou-se uma discussão entre intelectos apenas, ignorando onde estavam, quem eram, ou porque se encontravam ali. Apenas confrontavam as suas ideias defendendo aquilo em que acreditavam com total ferocidade, deixando a sensação de que a única e verdadeira regra era a anarquia.
– Pois se as regras foram surgindo ao longo das eras, porque não as podemos mudar hoje? – Questionei, elevando a voz por entre o burburinho.
Um silêncio, carregado de dúvidas, surgiu-me como resposta.
– Porque é que não podemos mudar as regras e com elas construir algo novo? – Continuei. Como se colocasse uma semente de incerteza, completamente nova na mente dos demais, que se tentavam entreolhar por entre o desconhecido que nos envolvia.
– Porque é que não podemos mudar as regras? – Repeti a pergunta.
Aguardei a resposta. No entanto ela não me chegou. Em vez disso surgiu o despertar.
Acordei.
A minha mente pairou na dúvida: Não sei se era sonho ou lembrança…
Rapidamente aquela memória estranha foi-se desvanecendo. Mas não sem antes que eu pudesse anotar o essencial. A questão que coloquei:
– Porque é que não podemos mudar as regras e construir algo completamente novo?