segunda-feira, março 23, 2015

A monotonia (O Narrador IV)


Boa-tarde. Parece que cheguei em boa altura.
Hoje o trabalho está ser monótono! É daqueles dias em que a tua mente anda a vadiar sabe-se lá por onde. Tens uma música qualquer enfiada na cabeça, ajuda-te a suportar essa imensa vontade de evasão que por vezes habita em ti. Sem o poderes fazer, resta-te evadir o pensamento.
Esse emprego é uma prisão! Grades feitas de horários, ordens e tarefas ingratas que não se importam com o que sentes (aliás, neste aspecto sentir só estorva). Olhas para o relógio e os malditos ponteiros não avançam, parece até que ficam mais vagarosos. Desaceleram o passo como se tivessem a olhar para coisa nenhuma. Tudo se transforma numa letargia capaz de te levar ao desespero.
Vá! Não te irrites comigo só porque tens inveja que a minha ocupação seja apenas narrar a tua vida. Olha que às vezes é bem aborrecido. Digo-te com sinceridade! Não faças essa cara de enjoo porque sabes bem que é verdade…

[Um ligeiro momento de silêncio para recuperares da irritação. Breve, senão chateio-me e vou embora]

Estás a ver aquela música do Variações: “Só estou bem aonde não estou, porque só quero ir aonde não vou!” Esse tipo escrevia umas coisas acertadas, não era? Um verdadeiro génio, digo mesmo. Às tantas ele também foi o narrador de alguém para poder versar assim. Ah! Agora ficaste com essa canção a rodar sem parar na tua cabecinha. Podes trautear à vontade se é assim que te sentes.
Também há outra boa dos Trovante: “Foi sem mais nem menos que um dia selei a cento e vinte e cinco azul”… Ideal para este dia em que tens a atenção em destino nenhum.
Está bem! Eu paro de te meter músicas na tola que só servem para te aborrecer ainda mais. Mas olha que tenho uma boa lista delas sobre esta temática.
Compreendo que não as queiras ouvir porque te fazem lembrar que não tens a liberdade para fugir e deixar tudo para trás. Ou se calhar até tens, só que existiam consequências graves, pelo menos na tua óptica: O salário ao fim do mês é bem-vindo, apesar de ser injusto por tudo o que penaste para o receber. Afinal de contas, não foi só o teu esforço físico que cedeste, foi a juventude e essa tortura que estas a sentir por teres o espírito preso a essa obrigação.
Tens em ti uma vontade gritante de mudar, no entanto parece tão difícil. Dá tanto medo não é!
O Variações também tem uma boa sobre isso: “Muda de vida se tu não vives satisfeito”. Pronto! Não te exaltes. Não falo mais em músicas…
Mas afinal de que é que tens receio? De não ter pão na mesa amanhã? De não conseguires manter os teus pequenos luxos? Como o saldo do telemóvel (de qualidade generosa), ou a conta da internet, entre outros materialismos. (Atenção não te quero julgar, até porque, o conforto sabe bem.)
Já sei, tens medo de desiludires aqueles que esperam tanto de ti mesmo que seja aquilo que não te faça feliz… Ui. Essa acertou em cheio no alvo. Nunca percebi muito isso de viver em função das expectativas dos outros. Supostamente devemos ser nós a ficarmos realizados connosco mesmos e não andar a agradar a outras pessoas, por mais próximas que sejam. Acho que é uma coisa cultural, fazermos os planos que nos propõem, que muitas vezes até já nos chegam frustrados. Gera-se uma espiral de insatisfação que percorre gerações.
Vejamos as coisas com frieza! Afinal de contas é muito simples mudar. Basta dizer sim, ou não, conforme os casos e abandonar tudo aquilo que nos prende para que amanhã tudo seja diferente. Tão fácil. Mas eu sei que custa. Somos seres de hábitos e largar o que estamos acostumados é demasiado duro.
Mesmo assim repara como o mundo é grande, cheio de coisas interessantes para ver. Tantos locais, tantas culturas diferentes, tantas caras novas e vidas cheias de histórias. Não era fantástico conhecer tudo isto? Só a simples ideia de o fazer faz-te brilhar o olhar.
No entanto contentas-te com a mera fantasia de um dia mudares. É muito mais simples a limitação a este espaço, a estas fronteiras, a estas rotinas, a esta gente sempre igual sem nada que te cative. É a tua zona de conforto que te aprisiona e protege simultaneamente nessa tua inquietude.
Resta-te o pensamento como derradeiro local de fuga nestes longos momentos de cativeiro. Não te condenes, todos os grandes génios o fizeram. Há quem defenda que toda esta existência é uma prisão… Mas deixemos essa discussão para outra altura.
Agora vou-me embora, até à próxima. É sempre um prazer estes pequenos momentos na tua companhia.
Tem coragem, o tempo há-de passar. Tenta acalmar essa inquietação, concentra-te na tua tarefa. Nada mais te resta até que o relógio mostre a hora de saída e a espera ainda vai ser longa...


1 comentário:

Imprópriaparaconsumo disse...

Sair da zona de conforto é sempre assustador. Devemos pensar apenas em nós e tomar as decisões certas apenas para nós? Gostava de ter respostas para isso...
Bela reflexão :)