– Noutro dia cumprimentei-te e não me ligaste nenhuma!
– É porque estava distraído.
– É mais porque estavas noutro mundo! Diz antes assim.
– Eu estou sempre noutro mundo.
– Não estás nada, porque estou a olhar para ti.
– Estou lá, mas aqui sou só uma ilusão, criada de forma a ser perceptível pelos sentidos humanos. Uma mera projecção quadrimensional de algo incompreensível para a pequenez da nossa mente.
– Dizes cada coisa! Valha-me Deus!
– Digo o que preciso de dizer.
– Tu és mas é maluco. Olha, para mim, só existe este mundo.
– A teoria de existir só este mundo não é satisfatória. Isto de ser de carne e osso não faz sentido. Nascer, crescer e morrer, com algum entulho pelo meio é estúpido.
– Não sejas assim! A vida não é só isso, também amamos, temos trabalho e família.
– Não posso negar a importância dessas coisas. São boas e faz sentido cultivar. No entanto, como disse, são entulho para nos iludir!
– Irra, tu és impossível! Então, nós somos o quê?
– Simples engrenagens numa máquina, à qual chamamos sociedade. Somos educados para fazer parte deste sistema, tão antigo quanto os primeiros grupos organizados de seres humanos. Somos redundantes, substituíveis e irrelevantes, sem termos noção disso.
– E continuas com essa conversa.
– Claro. Fazem-nos acreditar no contrário, na nossa importância e capacidade de chegarmos ao topo. E nós, bem-mandados, acreditamos. Além de sermos apenas isso, também educamos as gerações seguintes para fazerem igual. Por isso, a simples existência deste mundo tão básico, não me convence. Tem de haver mais. Portanto, estou sempre aqui e lá, naquele outro mundo incompreensível onde só se chega através da fantasia.
– Valha-me Minha Nossa Senhora! Não percebo nada do que estás para aí a dizer. És mesmo maluco. Olha, até logo.
– Até logo.
Baseado numa conversa real.