sábado, junho 22, 2024

Interrogações


Já, há muito tempo, que perdi a capacidade de sentir alegria. 

Ou, se calhar, nunca a tive. 

Não me lembro, em toda a minha vida, de haver alturas de estar relativamente feliz. 

Senti sempre uma ânsia por algo inexplicável. 

Contudo, não posso negar, terem acontecido momentos de euforia. 

Algumas horas, ou dias, onde fui capaz de sorrir. 

Fizeram-me esquecer, brevemente, aquela inquietação incompreensível, da qual sempre padeci. 

Essas alturas de pequeno êxtase existencial, eram temporárias. Estava bem ciente disso. Mais cedo ou mais tarde, esse entusiasmo não era para continuar.

Olho para as outras pessoas contentes. Encontram vários motivos para festejar: datas, conquistas, ou qualquer outro pretexto cujo sentido não consigo compreender. 

Muitas vezes, parece-me, celebram apenas o facto de viver.

Interrogo-me: Onde está a grandiosidade? 

Faço de tudo para os acompanhar. 

Finjo igualmente celebrar, 

Escondo-me na multidão para ninguém reparar.

Assim, não olham para mim. Nem notam como me falta algo fundamental para poder preencher todo este desassossego o qual não consigo entender. 

Esta alegria forçada parece-me, por vezes, uma fuga desse mesmo facto de viver.

Não sou o único a ter estes sentimentos. Sei disso. Existem outros com o alento a doer.

Andam por aí uns quantos Poetas capazes de descrever, com palavras brilhantes, este descontentamento absurdo de não pertencer aqui, ou a qualquer outro lugar. 

Resta-me aceitar esta sina. 

Não consigo sentir satisfação, 

nesta carne que me acolhe, 

neste mundo de gente, 

feito por gente, 

para a gente. 

Entre o nascer e o morrer. 

Invejo as máquinas, lógicas, sem consciência de ser. 

Fazem o que é suposto fazer. 

Nada mais, nada menos. 

Eu não sou como os outros, nem como as máquinas, nem com os bichos. 

Talvez venha do éter. 

Talvez seja um erro da criação. 

Talvez, outra coisa sem explicação terrena ou divina.

Talvez tenha dificuldade em aceitar a pequenez da condição humana com a qual fui fadado. 

Talvez este pensamento seja tão inútil quanto eu, neste momento. 

Sem propósito. 

Tal como todos ao meu redor. Um mundo inteiro de gente, com ou sem consciência da sua insignificância. 

Cresce em mim a melancolia. 

Uma madrugada sonolenta, onde insisto em manter-me acordado a escrever estas palavras inquietas. 

Rimas incompletas, 

na caneta de quem não pertence a lado nenhum.

O resto da noite é uma incógnita, 

nesta insónia autoimposta. 

Devo escrever e adormecer logo a seguir. 

Não sou suficientemente forte para vencer a necessidade de dormir.

O que acontece no sono é um enigma e isso incomoda-me. 

Mas isso não importa nada. 

De manhã, devo acordar com o sol a sorrir. 

Nessa altura, quem sabe se estas palavras continuam a fazer sentido? 

Vou olhar para o texto como um mero ensaio poético? Sem ler os sentimentos descritos como meus e achar ser necessária mais veracidade na mágoa versada. 

Contudo, isso é só amanhã. 

Agora, neste momento, 

esta noite tardia deve ser uma mera ilusão, como tudo o resto.