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sábado, dezembro 12, 2020

No breu da noite


Quando tentas adormecer sentes algo lá fora, a observar-te por trás das portadas fechadas. O mundo está recolhido, como se não existisse. Sobras tu e o que entendes por real. O medo que quase se pode tocar com as mãos quietas do horror. A irracionalidade é mais forte que tu.

Naquelas noites de insónia, em que o sono teima em não chegar, essa presença sombria é ainda mais forte. Chega-se ao pé de ti, escondida no breu da noite. Não sabes explicar o que é. Apenas que está lá parada a olhar para dentro de ti a penetrar na solidão. Como se estivesse prestes a interromper pelo teu ânimo com as suas mãos gélidas e invisíveis. 

Por vezes, quando já dormes, parece que se senta na tua cama com o peso da sua inexistência. Acordas entre gritos desesperados que a garganta parece soltar instintivamente, buscando por um auxílio que não chega. Não tens a certeza que tenha tenha sido um sonho ou os sentidos a pregarem-te partidas de mau gosto, embora o teu nome seja sussurrado pelo silêncio. 

É uma coisa obscura, sempre lá, mesmo de dia quando o sol raia alegremente. A luz, ajuda a esquecer a sua existência, embora, em certas sombras que surgem de repente tu vês a sua figura incorpórea. O seu negrume sem nome, consegue deturpar todas as cores vivas e iluminadas que compõem os teus segredos. 

Vai, na sua voz calada, convidando aos pensamentos mais perversos que a maldade humana pode consumar. Não sabes o seu nome e assusta sabe-lo. Tens medo de o pronunciar, pois, pode tomar isso como um chamamento e vir a ti mais rapidamente. Com ele, trazer também a sua presença gélida para dentro da tua pele. 

Em vez disso tentas chamar a alegria, numa tentativa de o mandar embora para outro lugar. Procuras salvação numa fé que não tens. A mesma a que recorres nas noites de invernia entre orações inúteis, que, por fazerem passar o tempo, te dão a ilusão de companhia e adensam o cansaço. 

A noite vai longa e há silêncio. O mundo dorme e tu não. Lá fora, sabes que algo te observa, sem forma, ou explicação. És frágil e tens medo. Muito medo. Os teus olhos cerrados não expulsam o seu interesse e muito menos trazem o sono para te salvar. Aquela coisa não se pode ver, nem iluminar ou descrever. Simplesmente é.  

Todas as justificações para a sua existência são tão válidas como inúteis. Mas no fundo, tu sabes que lá fora não há nada. O terror que sentes não vem de qualquer acção exterior. Muito menos de um mito folclórico que o possa descrever. Tu conheces bem a verdade, contudo, como quem se habitua a mentir a si mesmo com todas as suas forças, não consegues admitir que a maleficência está dentro de ti.


sábado, novembro 30, 2019

Sentido oculto


Amava eu, sem saber, o impossível. Até que o teu corpo apareceu e o confundi com o próprio Cosmos. Perdi-me durante algum tempo nessa ilusão. Não passou muito até que conhecesse as tuas curvas, vielas ou arestas. Transformaste-te numa ausência de novidade. Depois ficou tudo tão aborrecido e não tardou até querer mais mundos a descobrir.
Foste embora. Ainda assim não demorou até que voltasses, com outro rosto, outra voz e outra pele. Desta vez não foi a carne que me cativou. Tinhas lá dentro, atrás da cor, do toque, do aroma e sabor, algo que só um sentido oculto podia conhecer. Chamei-lhe poesia e entreguei-me nas estrofes. Foi lindo até que te começaste a repetir. Deixaste-me viciado e já não chegavas, queria mais de ti.
Mas tu tens muitas aparências e chamei-te continuadamente para te conhecer sem fim. Vieste, sempre sem te copiares. Uma nova viagem desconhecida. Um novo cântico original. Percorri os caminhos, decorei os pormenores e estudei a tua ciência. No entanto, não demorava até seres tédio. Transformavas-te em algo enfadonho, impossível de suportar para a minha inquietude.
Como qualquer adicto, tive noção da minha dependência por ti. Contudo, eu, indigente, admito que não tenho forças, nem desejo de abandonar esta minha degradação. Portanto, continuas a chegar no teu infinito. Tu, nas tuas versões incontáveis, tornas-te tudo que ambiciono. Eu, igual a ti, nos outros tantos de mim. Como um, parte dum todo sem o saber. Acusa-me de desassossego! E eu não nego que amo o impossível!

quarta-feira, setembro 18, 2019

Pensamento alado


Vi uma multidão incontável. Era igual a um mar, em que as cabeças se perdiam como gotas. Não lhe encontrava fim, nem início. Na minha curiosidade aproximei-me. Reparei que alguns tentavam, em vão, procurar uma saída sem nunca o conseguirem. Empurravam, desesperados, os seus pares, para tentar seguir uma direcção que levava a lado nenhum. Ainda assim, iam lutando com todas as forças para se esgueirar entre os corpos com esperança de se libertarem.
Outros, limitavam-se a ficar quietos, numa espera continua. Trocavam palavras com os companheiros do lado em conversas banais. Os restantes nada faziam. Mantinham o rosto inexpressivo, como que resignados a aguardar por algo que não compreendem, sempre no mesmo lugar e posição. Aceitavam conformados aquilo que eram. Nada mais sabiam do que isso.
Eu, estava acima de todos. Não consegui perceber se me encontrava num local elevado, ou numa plataforma, ou mesmo até, se conseguia voar sobre todo aquele oceano de gente. Olhava-os cá em baixo e observava cada face. Interrogava-me que existência singular era aquela que cada um tinha, com a sua própria história pessoal, embora sem nunca me importar realmente com quem eram.
Entendi a minha altivez como uma revelação, embora sem conseguir interpretar o seu significado. Talvez fosse apenas a minha arrogância natural a atribuir essa definição. Ou então, quem sabe, fosse somente uma recompensa pelo meu espírito livre. Poder viajar sobre o pensamento de quem não sabe elevar a fantasia. Não assumi esta posição como um caminho superior, apenas como uma jornada alternativa entre aquela multidão.
Continuei a pairar sem asas, ignorando o motivo de o fazer. Por vezes, encontrava outros como eu. Elevados sem saber como. Cumprimentávamo-nos com um aceno de cabeça, sem a impureza das palavras. Também eles tentavam compreender o seu voo. Juntos na vergonha da nossa própria ignorância. No entanto, reconhecíamos em nós a mesma imaginação e desassossego que nos apartava do mundo.
Naquele silêncio encontramos algum conforto, partilhado por todos nós, sonhadores, a planar sobre o oceano de gente sem rumo. Não havia explicação, somente uma certa liberdade que aparentava ter objectivo. Sem questionar mais nada olhava para baixo, abstraído pelos pensamentos alados e, numa distracção imperdoável, esqueci-me de erguer a cabeça para a imagem acima de mim.
Não sei se era sonho, ou lembrança…

sexta-feira, abril 27, 2018

Valde timete


Correr. Correr com todas as forças.
Fugir. Fugir com todo o pavor a espalhar-se pelas veias e a injectar o coração de adrenalina.
Ofegante. Não importa o cansaço, há que seguir em frente, mais rápido, com todas as forças, não importa como.
Escuridão. Escapar por entre becos, caminhos, trilhos de floresta onde as sombras reinam, para além do esgotamento do corpo.
Importa apenas fugir da figura sinistra que a persegue infindavelmente pela noite. A noite mais sombria que já viu. A noite mais vazia que sentiu. A noite mais solitária de sempre, sem ninguém que oiça os seus gritos de desespero. Sem ninguém que a ajude. Sem um vislumbre de salvação.
Resta correr. Fugir desenfreadamente para salvar a própria vida. Há algo que a persegue. Algo sem nome, ou rosto. Apenas sabe que a deseja como os monstros desejam as vítimas. Sem piedade. Só o sabor do sangue.
Por isso corre. Corre por caminhos que nunca mais terminam. Sem que nunca encontre um lugar seguro. Repetem-se os becos, os atalhos, os trilhos. Tem de seguir em frente sem noção do corpo extenuado.
Apenas existe o terror.
O terror absoluto e a presença daquilo que a perseguia. Não lhe tinha conseguido ver o rosto nem a aparência. Apenas o seu vulto sem constante perseguição, cada vez mais perto. Mais perto. Mais perto. Ainda mais perto.
Um toque nas costas gelou-lhe o corpo. Finalmente alcançou-a. Num derradeiro fôlego soltou um grito a implorar salvação!
Como num acto de caridade os olhos abriram. Tudo que sentiu nesse instante foi o vazio de quem atravessa a ponte entre os delírios da mente e a realidade. Sem o peso da memória.
Sentiu o alívio intenso de acordar de um pesadelo. Teve a graça de um momento de sobriedade para perceber o que se passou. Reconheceu a sua cama e as linhas que traçavam o seu quarto na penumbra. No entanto, não tardou para que a recordação voltasse.
Ainda tremia. A presença já não estava ali, mesmo assim continuava a pulsar na lembrança como uma vertigem. Olhou em volta para ter a certeza de que estava sozinha, enquanto os olhos se habituavam ao escuro. Não convencida acendeu a luz. O silêncio e as cores das paredes deram-lhe alguma tranquilidade.
Só então notou que a cama estava molhada. Durante aquele sonho horrível a bexiga tinha esvaziado. Sentiu-se novamente uma criança assustada na sua tenra idade.
Levantou-se mas as pernas ainda tremiam. Deixou-se cair no chão lentamente, até que se sentou numa posição fetal. Foi tomada por um choro incontrolável, compulsivo, espástico, numa mistura de alívio, medo e vergonha.
Não sabe quanto tempo esteve ali, no frio do soalho, sem amparo. Apenas que, ao terminarem as lágrimas, a leveza entrou em si. Relaxou. Tinha de limpar a cama e a ela própria.
Dirigiu-se ao chuveiro e esperou que a água quente caísse sobre o seu corpo. Era confortável e limpa. Demorou-se para ter a certeza que a pele ficava pura e os músculos descontraiam. Ainda assim, não tardou até que o coração voltasse a palpitar. A sensação maldita de que estava a ser observada voltou quando o fluxo do chuveiro abrandou por um instante.
Imediatamente saiu e enrolou-se na toalha o mais possível. Ninguém estava ali. Era apenas o cérebro a pregar-lhe partidas. Na dúvida percorreu as divisões do apartamento em busca de algo. Nada. Não podia deixar que o seu inconsciente a dominasse. Precisava de acalmar.
A luz que escapava entre as portadas anunciava que o sol já tinha nascido e mais um dia de trabalho se anunciava. Tomou o pequeno-almoço. Vestiu uma roupa colorida e vistosa. Perfumou-se. Tinha de esquecer o pesadelo e para isso queria estar bonita e sorridente. O espelho disse-lhe que sim. Ela ficou contente.
Quando encarou a rua tudo lhe parecia apertado, apesar da largura da avenida. Uma pequena tontura assombrou-a e fez acelerar a respiração. Os rostos que passavam pareciam encará-la mais do que o costume. Não! Não se podia deixar controlar pelos impulsos da mente assustada. Era forte. Na sua coragem avançou entre a multidão em direcção ao emprego. Afinal de contas, o pesadelo já tinha terminado.
Já tiveram aquela intuição terrível de que alguém vos observa? Essa mesmo.
Demasiado forte para ser apenas uma ilusão. Ela olhava para trás continuadamente enquanto o passo se apressava. Todos a observavam. A rua parecia cada vez mais estreita. Era impossível. Percorria aquele trajecto diariamente e conhecia todo aquele espaço com pormenor. Só podia estar a alucinar.
Esbofeteou-se e beliscou-se. Talvez ainda estivesse a sonhar. A dor podia acordá-la. Não. Aquilo era real. As pessoas juntavam-se cada vez em maior número e encaravam-na com malícia no rosto. A calçada apertava cada vez mais. Sentia a claustrofobia a crescer. Aquilo não podia ser verdade! Mas era!
Começou a correr. Com todas as forças, como no pesadelo. Desta vez não havia noite, nem trilhos, nem floresta, apenas um muro feito de gente que tentava impedir a sua fuga. Lutou para abrir caminho. Gesticulou para escapar das mãos que a tentavam agarrar. Gritava sem que ninguém a tentasse socorrer.
Finalmente houve um toque, diferente dos outros. Um toque igual ao do sonho, que lhe gelou a espinha, o corpo e a vontade. As pernas não lhe obedeciam. Soltou mais um grito a implorar salvação! Desta vez não acordou. Não teve essa felicidade. A vertigem foi demasiado forte e tropeçou. Caiu indefesa a implorar misericórdia.
O piso áspero da calçada parecia ter vida própria e impedia-a de se levantar, como se a puxasse para baixo. Ainda assim encontrou forças para lutar. A figura sombria, que a escolheu como vítima, estava agora sobre ela. Conseguiu-lhe desferir alguns murros e arranhões, embora sem sucesso. Era forte demais.
Segurou-a com os braços abertos no chão frio sem que ela tivesse hipótese de se debater. Não havia mais nada que pudesse fazer a não ser desistir. Estava vencida. Deixou-se levar pelo terror, no entanto, desta vez conseguiu ver perfeitamente o rosto do seu perseguidor. Numa fúria derradeira, encarou-o de frente, olhos nos olhos! Era o rosto de ninguém...

quinta-feira, abril 19, 2018

Entre a multidão de condenados


O homem acordou. O dia estava cinzento, tal como todos os outros quando se cumpre uma pena de prisão. Era assim a sua sentença, penosa e injusta.
Sem saber qual o crime que cometera, nem tão pouco o direito de se defender, fecharam-no numa cela de carne e osso. Um qualquer juiz celestial decretou que assim seria. Condenado à solidão e ignorância da humanidade.
Tem acatado o seu mandato cabisbaixo e submisso. Sofrido as amarguras da clausura com a mansidão de quem procura purgar as suas faltas sendo culpado (mesmo sem o saber). No entanto, na sua essência, uma revolta cresce. Traz consigo uma ânsia por justiça e liberdade.
Olha-se no espelho mas o reflexo não lhe diz quem é. Repete o seu nome mas tudo que sente é alheio. A única coisa verdadeira são as lágrimas de mágoa que verte sem que ninguém o escute.
Saiu para a rua e misturou-se na multidão de condenados. Amaldiçoou os que se riam e os que pregavam felicidade. Tudo era mentira.
Foi no meio desses que, levou as mãos ao rosto, e num acto de desespero enterrou as unhas entre a pele. Numa força sobre-humana, cravou-as como formões entre o crânio, os olhos e a área nasal. Estilhaçou os ossos, que ao ceder lançaram um som crepitante, dividindo a face a meio.
Os outros. Os que nada sabiam. Pararam horrorizados pela cena a que apelidaram grotesca. Olhavam assustados, no mais absoluto terror, ao presenciar o acto de suposta loucura.
Forçava os dedos cada vez mais até que finalmente toda a cara rasgou verticalmente. Foi então que começou a puxar para cada um dos lados, enquanto o sangue que escorria pintava a sua cor.
Da sua boca soltava-se um grito de pleno desespero. Talvez fosse a dor dos nervos em agonia; ou talvez fosse a alma em êxtase por conseguir a evasão.
Quando finalmente toda a cabeça se rompeu o brado calou-se. O corpo, desprovido de alento que o sustentasse, caiu no chão. Uma poça carmesim foi crescendo até reclamar a sua glória.
Sobrou o silêncio.
Depois, sem mais detalhes a acrescentar, para aqueles que ousem perguntar, surge a questão: A pena estava cumprida?

sexta-feira, setembro 04, 2015

Debaixo da cama


Não consigo adormecer. O silêncio e a noite escura serenaram o mundo. As pálpebras cansadas querem dormir e levam-me para o conforto dos lençóis. Mesmo assim, um medo irreal, quase infantil, tomou conta de mim e não deixa que me entregue ao sono.
Creio que debaixo da cama está um monstro. Um ser grotesco com aspecto de réptil. A cabeça é como a de um crocodilo que espera atentamente a caça da sua presa. Os braços são compridos e finos, quase elásticos, prontos a segurar a minha mão caso queira acender a luz da cabeceira. Pelo menos assim o julgo ser, pois entre a penumbra do quarto e o terror que se apossou de mim, quebrou-se-me a coragem de encarar a criatura. O pavor crescente faz com que me retroceda quieto escondido na segurança dos cobertores. Mantenho-me calado, sem emitir qualquer ruído que possa despertar a aberração.
Nestes minutos longos de insónia sombria, imagens bizarras passeiam pela minha mente como personagens sinistras de contos assombrados. As sombras que se destingem no escuro deformam toda a arquitectura do meu quarto. Fazem-me questionar se são espectros de aparência hedionda que me observam, tendo para mim intenções de pura perversidade!
A lógica diz-me que é tudo mentira, são apenas fragmentos irreais que povoam a minha imaginação. No entanto o medo cresce em mim como um vendaval, deitando abaixo qualquer muralha de sanidade que possa existir, sobrepondo-se à razão que me diz ser impossível que algo esteja ali, debaixo da minha cama, pronto a devorar-me. Os dentes começam a bater descontrolados e as lágrimas querem sair, obedecendo ao caos em que se transformou o meu sistema nervoso. A demência sabe como vencer a audácia…
– Por favor quero dormir! – Peço a qualquer anjo que esteja à escuta. Nada nem ninguém me vem salvar da minha própria irracionalidade. Sou apenas eu, o medo, o escuro, o terror e a loucura! Tudo embrulhado na demência da minha fantasia. Isto não pode ser real, tenho de escapar desta ilusão. Haja coragem...
Reúno todas as forças e num momento épico de bravura estico o braço velozmente para acender o candeeiro. A luz mostra a verdade. Não há lá nada. Apenas o meu quarto, o silêncio e a noite. Não existe nenhum monstro que me quer devorar. Só o meu corpo cansado e a minha mente que continua assustada como a criança que há em mim...

terça-feira, junho 23, 2015

Os piolhos do macaco


A certa altura, vais acordar a meio da noite. Em cima de ti vai estar um macaco. Não será muito grande, nem tão pouco muito pesado. Simplesmente estará ali sentado sobre a tua barriga. Naquela confusão inicial do despertar, vais questionar o que é que aquele ser está ali a fazer. Obviamente que o bicho não te responde. Na realidade parece até ignorar-te, desviando a sua atenção para os piolhos que cata do seu pêlo escuro.
Subitamente, avivado pelo cheiro imundo daquela personagem, quando tomas consciência da bizarra situação, tentas levantar os braços para sacudir o animal, mas nada acontece! Os teus membros ficam parados sem te obedecer. Não te consegues mexer! Então o pavor vai começar a tomar conta de ti. Vais querer gritar por ajuda sem o conseguires. Quanto mais tentas soltar a voz mais o silêncio se vai tornar agonizante.
Mesmo sem conseguires falar tens uma certeza na tua mente, aquele símio grotesco consegue ouvir os teus pensamentos. Na gritaria silenciosa em que se transformou o teu cérebro, imploras para que a criatura te dê algum tipo de explicação sobre o que está a acontecer. Obviamente não terás resposta. Somente o medo, esse, vai continuar a crescer dentro de ti.
“De que inferno veio esta criatura?” Perguntas! Nesse momento esqueces que não tens fé e em desespero passas a crer em Deus, a quem recorres por ajuda. Vais começar então uma prece onde imploras por auxílio, enquanto te desculpas pelos pecados que praticaste. Assim é o desespero daqueles que se arrependem por conveniência. Mas nada acontece… O mundo como o conheces transformou-se em terror absoluto.
O macaco, esse, vai continuar a catar os piolhos do seu pêlo, indiferente ao resto. Vai deixar que a alucinação continue e a loucura reclame o que é seu…

sábado, julho 05, 2014

Quantos idiomas existem no mundo?


Conheces a minha mente, gostas de entrar lá dentro e ver o que consegues encontrar. Sabes que existe algo em mim que se deixa cativar por ti. 
Talvez seja por isso que me deixas doido com o simples facto de seres tu, selvagem, libertina, imprevisível com as tuas extravagâncias.
Fazes-me prostrar de joelhos, diante ti. Eu, o mais livre dos homens. Fazes-me rir, fazes-me chorar. Fazes-me pensar em ti o tempo todo (ou demasiado tempo para o meu gosto).
Eu questiono-me o porquê de me ir embora, acabando sempre por voltar para ti, obcecado pelos teus olhos de feiticeira! A pensar nas nossas madrugadas e nos nossos nasceres do sol.
Porque é que me deixas doido? Sim eu sou doido! Mas não é altura para pensar nisso porque tenho outra coisa mente:

Je veux faire l'amour avec toi!

Digo em francês porque me parece uma boa língua para fazer amor.
Depois vou embora, não quero estar mais contigo.

Dito isto volto.
Quando parece que já não te desejo consegues arranjar uma maneira de rastejar de volta para dentro da minha mente. Sou raptado pela tua voz fresca como uma brisa de verão. Simplesmente não resisto e apesar das milhares de razões que tenho para partir, acabo sempre por regressar. O meu abandono é momentâneo. Apenas uma intenção rapidamente esquecida.
Talvez queira saber qual vai ser a teu próximo desvairo. Talvez esteja verdadeiramente hipnotizado por ti. Talvez esteja viciado no teu corpo e queira prova-lo novamente até que atinjas o êxtase. E como ficas bela quando te desfazes em prazer!
Preciso de ti e quero-te apesar deste dilema de ir e vir. Sim eu sou doido! Mas não é altura para pensar nisso porque tenho outra coisa mente:

Quiero follarte salvajemente contra la pared hasta hacerte llorar de plácer!

Digo em espanhol porque me parece uma boa língua para fornicar à bruta.
Depois vou embora, para certamente voltar.
Quantos idiomas existem no mundo? Aposto que os conseguimos foder a todos e até inventar mais uns quantos entre estes ciclos tresloucados de ir, vir e amar sem querer (ou querer muito)…

sexta-feira, abril 25, 2014

A ânsia


– A sua bênção padre. Já não me lembro da última vez que me confessei.
– Não faz mal. Conta-me os teus pecados meu filho para que te possa absolver.
– Oh! Mas eu não procuro absolvição.
– Então porque te confessas meu filho?
– Porque odiei com todas as minhas forças os inimigos que me foram surgindo. Tive inveja de quem tinha o que eu desejava. Insultei arrogantemente quem se atravessou no meu caminho. Agredi sadicamente quem se opôs à minha vontade. Deixei-me tomar pela luxuria, tomei e saboreei o corpo de muitas mulheres. Entreguei-me a todo o tipo de perversões carnais e anseio por muitas mais. E os segredos! Oh, os segredos, tenho toda uma colecção imensa deles. Meus e dos outros. Desde simples coisas mundanas a acções hediondas. Sou um ser extravagante e gosto disso!
– Não estás arrependido?
– Pelo que contei, claro que não. Pelo contrário, orgulhoso. Chama-se viver!
– Jovem, se vieste aqui para gozar comigo fica sabendo que a confissão é um assunto sério!
– Oh! Mas eu tenho um pecado…
– Qual é?
– Tenho em mim uma ânsia imensa por conhecimento. Um sentimento tão imenso que se assemelha a tentar preencher o infinito com uma mão cheia de grãos de areia. Uma ambição tão poderosa que me faz querer ultrapassar a condição humana e saber as verdades proibidas em que alicerça o infinito. Sim! Almejo esse conhecimento transcendente que completa a centelha divina que habita em mim!
– Queres rivalizar com o criador?
– Creio que é uma maneira de interpretar o que disse, sim.
– Meu filho. Não sei se o que me contaste é pecado, ou loucura…

sábado, janeiro 12, 2013

DEMASIADO SIMPLES



Invoquei uma tempestade tal como um Deus de outras eras. O céu enegreceu com nuvens arrasadoras. Ergui o braço, abri a mão, dei ordem a relâmpagos e trovões que rachassem a noite e abalassem estruturas. Chamei ventos de força devastadora e chuvas impiedosas! Domei energias violentas capazes de assustar qualquer coragem.
Deixei que o som da tormenta manifestasse o meu poder. Eu, que me tornara o dono da semente do caos. Destruidor implacável, insensível ao medo. Arquitecto de incontáveis martírios. 
Por entre os rugidos e uivos daquela intempérie sem sentido, procurei no meu íntimo um pouco de humanidade que me sobrava. Lembrei-me de quem era: mero humano. Submisso aos sentimentos, ao tempo que passa, à carne e ao mundo. Fiquei furioso. Uma raiva extrema entrou em mim fazendo-me soltar um grito irado, de tal maneira que a própria tempestade se afastou temerosa.
Um silêncio leve foi-se chegando, como uma criança curiosa e uma calmaria desceu sobre o mundo. Compreendi a minha missão. Era demasiado simples, portanto, impossível de reparar enquanto se desejam quimeras. Voltei então à minha essência sem o peso de desejos insanos. Pus de lado as tempestades. Cobri-me com a sabedoria fazendo dela minha aliada. E assim, com a Fé dos destemidos lancei-me no meu caminho. 

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sábado, agosto 04, 2012

QUEDA LENTA



- Estou a caminho do fundo... - Sussurro-te ao ouvido num tom de sedução, enquanto te acaricio o rosto.
Podes-me dizer que posso sair desta queda. Que há alegria no mundo. Que há esperança!
Eu sei bem disso. Não gastes as tuas palavras... Há também desejo!
Sabes, não sou um feiticeiro, nem anjo, nem demónio, nem qualquer outra personagem romântica como as que aparecem nos livros. E muito menos um deus. Sou humano, filho da realidade, tal como tu. O nosso mundo é este, a nossa dor é esta. É assim a nossa vida, uma fuga constante à dor. Seja ela qual for.
Já sei dessa verdade há muito tempo e como nada posso fazer aceito o meu destino. É aqui que entra a tua esperança. Sim, porque cair ao fundo não significa desistir. Caio porque ouso viver!
E nesta queda lenta, quero trazer-te comigo. Deixar que nos entreguemos nos braços do desejo, para que, numa ilusão talvez, nos mostre novos mundos. Entre beijos sonhadores e gemidos de prazer está muito por descobrir. É aqui que te quero. Numa aparente queda vertiginosa que nos leva a viver.


sábado, março 31, 2012

UM ANJO E UM DEMÓNIO



- O que és tu?
A voz acordou-me do meu sonho (ou chamou-me a ele). Não sabia bem diferença do que era real ou não.
- Sabes bem o que sou! Sou fruto da tua criação… – Respondi irritado.
- Não fui eu que te criei, apenas te dei as ferramentas para te criares a ti mesmo. Por isso, volto a perguntar: O que és tu?
A voz não iria parar de argumentar enquanto não respondesse. Portanto eu fiz-lhe a vontade: - Sou um demónio… – Respondi.
- Que resposta tão básica. Nem parece teu! Dá-me uma resposta que me satisfaça e deixo-te ir.
Suspirei. Não tinha paciência para aquela conversa. O meu mundo não era ali. – Deixa-me em paz. – Disse, na esperança que me soltasse.
- Não. Sabes muito bem que não. Só quando me deres a resposta. – Afirmou a voz com tom severo.
- Um anjo. – Voltei a responder.
- Outro cliché! Um anjo e um demónio. Já está muito visto. Não és assim tão básico. Exijo que me digas o que és? – A voz tornou-se mais severa e agressiva. Não tinha outra hipótese que não responder.
- Maldito sejas! – Gritei raivoso porque a voz era a minha única arma. – Fizeste de mim algo incompreensível, inexplicável e queres te diga agora o que sou? Pois eu digo-te o que sou: Sou indomável, invencível, ordem e caos! Mestre da minha própria existência! Tu não me dominas e jamais o farás! Sou muito mais que o Infinito!
A voz não respondeu. Mas senti-a dentro de mim a esboçar um sorriso enquanto se dissipava.
Não sei se era um acordar de um sonho, ou um adormecer transcendente. Mas o que eu respondi, está respondido e é a verdade…

sábado, fevereiro 18, 2012

VIAJANTE SEM DESTINO



Escapei da realidade. Não como foragido. Simplesmente abri uma porta e fui visitar outros mundos. Fui mais como um turista que gosta de viajar.
De vez em quando trago alguém comigo nestas viagens para outras existências. Acompanham-me e encontram comigo algo que não encontram por estes lados. Partilhamos aventuras e conhecimentos, para mais tarde recordarmos com um brilho nos olhos.
Outros há que convido para vir comigo. Mas dizem que a realidade é uma prisão, rodeada de enormes muralhas feitas de amargura. Por mais que lhes diga que nos podemos ausentar, não acreditam. Refugiam-se em lágrimas que lhes aconchegam o desespero. Nada posso fazer… Deixa-os estar. Sigo eu o meu caminho.
E vou então, como um viajante sem destino abastecer-me de emoções para lá do que é real. Trago tanto comigo. Volto pela mesma estada que segui, cheio de sonhos poderosos. Com o sorriso que só aqueles que não têm medo de ousar possuem. 
E aqueles que acham que me podem criticar, tentar demover, ou simplesmente dizer que não sou capaz. Cubram a vossa cara de vergonha, pois são vocês que não são capazes. Vêem muralhas onde deviam ver estradas, vêem grilhões onde deviam ver asas, vêem medo onde deviam ver felicidade. Essa é a essência de quem nasce apenas para existir. São nada!
E se mesmo assim me condenarem por sonhar. Me apelidarem de louco, porque o mundo não foi feito para fantasias. Olho-vos com desdém, pois não contentes por ser nada, querem ser parasitas e sugar a essência dos audazes. A mim não me impedem. Há demasiada força em mim.
Quanto aos meus sonhos serem loucura… A solução é fácil: Basta fundi-los com a realidade em meu redor!


sábado, fevereiro 11, 2012

COMPLEXIDADE



Quando adormeço não obedeço às leis do mundo. Sou como um viajante que não conhece distancias nem horizontes. Fundo-me com a própria criação e torno-me também eu cosmos e infinito.
Nesse tempo de devaneio já não sei se sou eu. Às vezes creio que sou tudo e que este acordado não sou eu, apenas uma peça de um puzzle complexo que não consigo descrever por palavras.
Não sei se os meus sonhos são outro universo, ou, se os meus sonhos são um veiculo para viajar entre incontáveis infinitos. Mas quando os visito (ou eles me visitam a mim) tudo me é revelado, numa complexidade genialmente simples.

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sábado, outubro 15, 2011

ESCONDIDO


As luzes da noite parecem espectros que vagueiam pela penumbra. Tomam a forma de monstros aterradores, seres hediondos que atiçam o nosso medo, fazendo da paranóia a nossa lei.
Os barulhos da noite confundem-se com o silêncio. Qual deles os mais assustador? Se o barulho nos chama para o terror, o silêncio observa-nos, pronto a atacar sem piedade. Deixam-nos fugitivos entre as trevas.

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sábado, junho 13, 2009

DEJA VU



Esta sensação que me invade, faz-me sentir como se já tivesse vivido isto…
Não! Tenho a certeza de que já vivi este momento!
Cada som, cada imagem, cada movimento, cada sentimento…
Sim! Eu já vivi este momento!
Não entendo como é possível esta estranha lembrança e muito menos sei como explicar esta impressão. Talvez esteja num estado de consciência diferente, alterado, para que me possa aperceber de coisas que não sei explicar.
Numa tentativa vã, procuro arranjar explicação para a nossa noção de tempo. Ironicamente é uma perda desse mesmo tempo. Estou convencido que essa compreensão não está ao alcance da minha limitada condição humana. Acho que só Deus (seja lá o que Ele for) é que compreende aquilo a que chamamos tempo.
Agora interrogo-me: sobre o que é o ser humano? Um aglomerado de incontáveis partículas de universo, que se juntam para criar um corpo e uma consciência e da sua simbiose resulta aquilo a que se chama vida… Vida que pertence ao Universo, a tentar compreender esse mesmo Universo, com todas as suas estranhas leis…
Confusa teoria!
O melhor é esquecer este momento já vivido, ou pelo menos esquecido na memória de um futuro.


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sábado, abril 25, 2009

OU ENTÃO O INVERSO...



Desejo-te!
Tal como Zeus desejou Danae, encarcerada numa prisão, bela e inocente. Julgada e condenada pelo crime da ignorância humana.
Desejo assim amar-te! Libertar-te para mundo, ser porta para o teu destino. (Ou então o inverso!)
Quero ter-te sem a certeza do amanhã. Apenas com a incerteza do momento, escondido no tempo.
Quero ser um erro, talvez… Mas quero que craves as unhas nas costas da memória. Um instante que nunca será oficialmente lembrado, sem importância para a história. Apenas isso: Uma explosão de prazer num recanto alienado! Um grandioso momento esquecido! Para que não haja julgamento, para que não haja pecado, para que não haja prisão (ou liberdade)…


sábado, abril 18, 2009

ALIANÇA


Perante mim estão hostes de demónios
Incontáveis soldados horrendos
Prontos a atacar-me impiedosamente
Dilacerar-me a carne sem misericórdia
Esventrar-me com garras laminadas
E tomar a minha cabeça como troféu

Eu estou só diante este exército
De monstros e criaturas hediondas
Como posso eu vence-los sozinho?
Seria uma guerra sem sentido
Um acto tresloucado que ditaria o meu fim
Desisto pois não tenho como vence-los

Resta-me então reinar sobre eles
Sou eu o vosso Rei – grito soberano
Vocês venceram-me e eu rendi-me
Sobra-me agora usar a vossa coroa
Sois agora servos da minha vontade
Instrumentos do meu desejo vadio

Deixo-vos apenas uma certeza
Sou o vosso monarca mas não sou como vós
Parte de mim é sádica ávida de caos
Onde as trevas habitam e a dor canta
Mas outra parte é calma e serena
Como um campo verdejante na Primavera

Parte de mim é como um cão raivoso
Que devora a carne de almas inocentes
Outra parte é como uma fonte de água fresca
Encontrada num dia de calor tórrido
Sou assim a fronteira entre o branco e o negro
A linha cinzenta entre o caos e a ordem

Selo então uma aliança convosco
Saltando entre os extremos da alma
Entre espadas que trespassam a carne
E flores que embelezam um sorriso puro
Uma ponte entre margens inimigas
Uma união entre desejos opostos

sábado, novembro 22, 2008

DANÇAR CONTIGO




Moça
Dedico-te uma música estranha
Como é para ti tem de ser estranha
Mas não faz mal
Dançamos na mesma ao som da loucura
Hoje não me apetece pensar
Quero dançar contigo
Excêntrico e extravagante
Escandalizar quem passa na rua
Velhas, pudicas ou beatas
Se for preciso até o padre
Não quero saber
Hoje o mundo é meu
E quero dançar contigo









HIM - Rendezvous With Anus

sábado, agosto 02, 2008

NÃO ME CULPEM A MIM


O mundo tornou-me insensível
Pois insensível então sou
Não neguei a oferenda
O coração frio
O pensamento lógico
Calculista e maquiavélico
Não sou mau
Apenas o resultado do mundo
Não culpo ninguém
Por isso não me culpem também
Culpem o mundo
Por existir
Culpem os homens
Por alimentarem o ódio
Culpem quem vocês quiserem
Por aquilo que quiserem
Mas não me culpem a mim
Sou um monstro talvez
Um génio
Um louco
Um guerreiro
Um demónio
Sou o caos
Shiva
Destruidor criador
Sou aquilo que sou
Perdoem-me por isso
Ou então não (pouco me importa)
Temam-me
Odeiem-me ou amem-me
Não quero saber
Mas não me culpem a mim








Visions of Atlantis - The poem