quinta-feira, abril 19, 2018

Entre a multidão de condenados


O homem acordou. O dia estava cinzento, tal como todos os outros quando se cumpre uma pena de prisão. Era assim a sua sentença, penosa e injusta.
Sem saber qual o crime que cometera, nem tão pouco o direito de se defender, fecharam-no numa cela de carne e osso. Um qualquer juiz celestial decretou que assim seria. Condenado à solidão e ignorância da humanidade.
Tem acatado o seu mandato cabisbaixo e submisso. Sofrido as amarguras da clausura com a mansidão de quem procura purgar as suas faltas sendo culpado (mesmo sem o saber). No entanto, na sua essência, uma revolta cresce. Traz consigo uma ânsia por justiça e liberdade.
Olha-se no espelho mas o reflexo não lhe diz quem é. Repete o seu nome mas tudo que sente é alheio. A única coisa verdadeira são as lágrimas de mágoa que verte sem que ninguém o escute.
Saiu para a rua e misturou-se na multidão de condenados. Amaldiçoou os que se riam e os que pregavam felicidade. Tudo era mentira.
Foi no meio desses que, levou as mãos ao rosto, e num acto de desespero enterrou as unhas entre a pele. Numa força sobre-humana, cravou-as como formões entre o crânio, os olhos e a área nasal. Estilhaçou os ossos, que ao ceder lançaram um som crepitante, dividindo a face a meio.
Os outros. Os que nada sabiam. Pararam horrorizados pela cena a que apelidaram grotesca. Olhavam assustados, no mais absoluto terror, ao presenciar o acto de suposta loucura.
Forçava os dedos cada vez mais até que finalmente toda a cara rasgou verticalmente. Foi então que começou a puxar para cada um dos lados, enquanto o sangue que escorria pintava a sua cor.
Da sua boca soltava-se um grito de pleno desespero. Talvez fosse a dor dos nervos em agonia; ou talvez fosse a alma em êxtase por conseguir a evasão.
Quando finalmente toda a cabeça se rompeu o brado calou-se. O corpo, desprovido de alento que o sustentasse, caiu no chão. Uma poça carmesim foi crescendo até reclamar a sua glória.
Sobrou o silêncio.
Depois, sem mais detalhes a acrescentar, para aqueles que ousem perguntar, surge a questão: A pena estava cumprida?

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