terça-feira, maio 16, 2017

A amizade (O Narrador IX)


Cá estamos novamente a narrar as amarguras da vida!
A verdade pode ser muito dolorosa, ou pelo menos, extremamente aborrecida.
Estás num daqueles momentos de clareza existencial absoluta em que percebes que os que te rodeiam e te são mais próximos, a quem, no mínimo de interação social que te resta, denominas de ‘amigos’, não passam de pessoas enfadonhas. Gente que, apesar de terem no seu íntimo a semente da inquietude, preferem entregar-se ao discurso fatigante sobre as banalidades humanas. Sentes um cansaço na alma só de os ouvir!
Pois bem! Para o diabo que os carregue!
Abandona-os. Entrega-te tu ao silêncio e à tua própria solidão. Não deixes que essas sanguessugas, a coberto da moral do sentimento da amizade, te roubem o tempo, os devaneios e a pouca paz de espírito que tanto fizeste para merecer.
São como vampiros a drenar-te a energia anímica, enquanto tomam a tua atenção com as suas histórias enfadonhas sobre as vulgaridades do dia-a-dia. Já reparaste no cansaço que se abate sobre ti quando se vão embora?
É isso que fazem: cansam! Roubam! Contaminam a positividade que existe em ti! Desgastam essa energia que te é essencial, sem nunca a chegares a usar em quem devias: na tua própria pessoa.
Vira-lhes as costas e deixa-os a falar para a tua ausência. O que não te falta são caminhos a percorrer. Além disso, o que há com abundancia no mundo são vozes com algo a dizer. Por isso não fiques aí na paralisia do que te ensinam que “assim é que deve ser”. Faz isso, faz aquilo, porque assim é que é correcto. Mentira! Apodreces sem história em dias seguidos de momentos iguais, até que um dia o espelho te diga que o tempo passou e tu desapareceste com ele.
Todas aquelas frases feitas que são partilhadas na internet, com imagens todas bonitas, a bendizer a amizade são uma grande mentira. Um aconchego para tentar iludir o vazio que a individualidade te impõe. Chegas à conclusão de que quem as inventou não tinha vida própria. Restou usar palavreado bonito para iludir umas quantas pobres almas a dar-lhe atenção em troco de ilusões vazias.
Analisas as fotos partilhadas nas redes sociais onde te ‘marcaram’ com toda a pompa e circunstância. Toda a gente a posar para a câmara. Todos com sorrisos abertos, cheios de alegria para provar em imagem que a felicidade habita naqueles corpos. Pois bem! Dou-te as boas vindas ao palco da vida onde todos são actores numa peça de teatro! Sem esquecer que todos são em simultâneo espectadores duma felicidade encenada!
Onde está a tua alma no meio disto tudo?
A gritar por um pouco de verdade!
São estes os teus ‘amigos’! Os mesmos que te magoam e a quem tu magoas de volta, como se fosse um jogo a imitar um filme ou uma novela. Somos todos heróis, sem que ninguém queira interpretar o papel de vilão. Talvez nessa posição se encontre um pouco de verdade, pois os maus da fita terminam sempre sozinhos.
A solidão!
Já aqui estivemos tantas vezes… A narrar as maleitas e potencialidades deste sentimento incompreendido. No entanto, se não me turva a memória, nunca o fizemos em contexto de amizade. Quando um ínfimo de inocência que vive (e sempre viverá) em ti, procura a salvação na frágil moralidade de outro ser humano qualquer. O resultado dessa equação termina quase sempre em desilusão!
E tu sabes bem disso. Estudaste essa lição vezes e vezes sem conta para falhar no teste constantemente. Se tens de culpar alguém porque te magoaram, essa pessoa és tu!
Só tu!
Apenas tu!
Não és o centro do mundo e ninguém te deve nada. Sobra a eterna culpa de esperar alguma coisa dos outros como um mendigo implora uma esmola.
Faço um pouco de silêncio para que possas percorrer a berma do abismo, entre a verdade e o choro.

Agora, depois de o teu espírito acordar. Louvo-te por ainda tentares viver a amizade, mesmo que esta só tenha o destino de magoar. O amor tem muitas faces e os amigos são uma delas.
Para além do que a solidão oferece, existem os outros, que tal como tu escolheram um caminho. Seja por que motivo for, é essa estrada que seguem. Não nos cabe a nós julgar e muito menos exigir que nos agradem. Ou vice-versa…
A criança que um dia foste, a brincar no recreio e que acreditava em contos de fada, ainda reside num canto qualquer do teu fado. E seja porque motivo for, continua a pesar nas tuas escolhas, mesmo que estas levem à decepção.
Acreditar no impossível pode parecer um ‘cliché’ bonito para se publicar na internet mesmo que a alma doa. Ainda assim acreditas. Para além da religião, filosofia ou novelas. Acreditas que tudo pode ser melhor. Isso é bonito. É como um dom. Um tesouro que te torna especial…
Perdoa-me a dureza das palavras. Só quero que a mágoa te passe ao lado.
No entanto, de que vale isso se sem a tua inocência continuas sem chegar a lado nenhum?
Deixo-te por agora.
Já tomei muito tempo da tua atenção na minha função de narrar…

4 comentários:

Ana Branco disse...

A amizade... Não facilita, esse teu narrador!...
Tem sido o pensamento que mais me atormenta nos últimos tempos. Porque tive duas desilusões seguidas nesta vertente da existência, que tanto prezo! E, sinceramente, não sei dizer se sofri (e sofro) mais com estas duas situações, do que já sofri por amor. Não sei mesmo...
Tenho verdadeiros amigos, puros e incondicionais, que me dão tanto quanto eu dou. E sei que, por isso, sou uma felizarda. Não consigo evitar, porém, sofrer pelo sacrifício a que me obriguei, ao afastar duas pessoas com as quais tanto me partilhei. O arrependimento não mora aqui, de todo! Mas a dor persiste.

Posso ousar dar-te um conselho?
Acredita sempre. Sê inocente, pois há quem mereça a tua amizade. E se há um sentimento poderoso, capaz de destacar o nosso melhor, é a amizade. Não duvides! :)

António Silva disse...

Sim, a amizade cria muitas desilusões porque esperamos demais dos outros. Todos têm o seu caminho e por vezes caminhamos juntos de tal forma que os tomamos por garantidos. Mas os caminhos são diferentes e há alturas em que se afastam, a bem, ou a mal. Nós também magoamos...
Amizade é um tipo de amor, logo, passível de magoar. Muitas vezes mais do que o dito amor romântico, por causa dos caminhos diferentes.
Mas sim, vale a penha acreditar na amizade, no entanto sem exigir que os outros sejam sempre iguais e sem nunca esquecer que magoa.

Ana Branco disse...

Tenho idade e experiência suficientes para não acreditar em contos de fadas, com finais felizes. Seja na amizade, seja no amor, seja em qualquer forma de relação interpessoal.
Não espero dos outros senão o que dou; até menos, em abono da verdade. Porque eu dou-me muito e cedo percebi que não posso, nem devo, exigir deles a mesma entrega, a mesma intensidade. E "a coisa" funciona!
Não me conheces, mas não assumo, normalmente, atitudes exigentes ou complicadas. Apesar de ser mulher. Eheheh!
Exijo, porém, reciprocidade, investimento, empenho e retorno. Em doses moderadas, claro, mas a amizade não passa de um mero relacionamento superficial se não se revestir destes factores. Se assim não for, devo afastar-me. E autopreservar-me. Independentemente de os outros não aceitarem a minha decisão (dá jeito ter pessoas como eu ali ao lado, disponíveis) e não sem antes me ter magoado fortemente, porque não sou uma desistente por natureza. Sou Carneiro, btw. ;)

António Silva disse...

Sim. Numa amizade deve haver o mínimo de entrega, senão é mero conhecimento. Não posso dizer que tenha sido magoado muitas vezes. Só as suficientes, aquelas que toda a gente deve sentir.
Sou Peixes, reservado por natureza e não gosto de estar dependente de outros.
A amizade e as suas consequências dariam uma grande discussão filosófica. Por mim, acho que devem existir e incentivadas até. Cada pessoa deve lidar com elas conforme a sua experiência de vida. Porque afinal de contas, não é uma ciência exacta. E ainda bem!