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terça-feira, outubro 20, 2015
A miséria dos outros (O Narrador VII)
Dizes tu que o teu mundo desmoronou! Achas que já nada faz sentido nessa tua vidinha patética. Pois bem, desta vez digo-te algo extremo. Se achas que os teus problemas são pesados tenta fazer isto:
Parte a espinha se queres saber a verdade sobre a vida. Separa os nervos da medula espinal e paralisa o teu corpo para te tornares em algo peculiar. Desfaz a coluna vertebral, ou se preferires esmaga um membro. Mais acima, mais abaixo, tanto faz, desde que fiques aleijado, entrevado, ou deformado.
Já viste o mundo pelos olhos de um paralítico? Encostado a um canto, a olhar pela janela, ou a circundar as ruas sentado numa cadeira de rodas que deambula com dificuldade. Evitar buracos, degraus e outros altos e baixos pelo caminho áspero e impiedoso. O pavimento não se importa com a miséria dos outros, ainda assim é preciso seguir em frente. Por isso continua-se.
Haja obstáculos! Foi Deus que os colocou no caminho para tornar as pessoas mais fortes! Pelo menos é o que dizem as frases que se vão espalhando pela internet… Quem diz isso, ou nunca teve um fardo pesado para carregar, ou tenta com todas as suas forças acreditar nisso para aliviar o peso, ou então acredita mesmo nessas palavras. Sim é possível acreditar e aceitar a dureza. Mas são raros! Adiante.
E os “pobres coitados” dos “aleijados” (como lhes chamam as velhas) vão em frente. Mesmo indo devagar o longe está à espera. Já alguma vez viste um “aleijado” na rua? Tiveste pena ou ignoraste? Ou já te interrogaste sobre o que ele sente? Sim, porque eles também sentem e observam melhor que ninguém tudo que está à volta. Incluindo tu. Sim tu, que passas diante dele!
As pessoas andam de um lugar para o outro. Na presença de um enjeitado, há os que olham para o outro lado, na sua perfeita beleza e saúde, tentando ignorar o quão cruel pode ser a condição humana. Mais à frente esquecem, adiando o confronto com a própria carne. Sabem bem que um dia, se não for antes, as rugas e a demência vão reclamar o que é seu! Nessa altura, e só nesse momento, terão de se preocupar com a miséria do seu destino.
Há os curiosos. Ávidos por uma boa história dramática. Gente básica que procura entretenimento na desgraça alheia. São como abutres que se abeiram para conhecer os pormenores mais sórdidos da incapacidade do “coitado”. (Já referi que é assim que lhes chamam as velhas, mas não só.) Seja na televisão, no jornal, na vizinhança, ou na rua entre um desconhecido qualquer. Haja paciência para aturar essa gentinha ignorante, com o cérebro mirrado pelo preconceito, que deseja somente da vida uma boa história mórbida para contar aos seus iguais em conversas vazias.
Depois há os genuinamente simpáticos. “De bem com a vida” como dizem os brasileiros. Sorriem naturalmente, de forma aberta e contagiante. Pode-se ganhar o dia só por contemplar um sorriso desses! E isso vale tanto para pessoas dias “normais” como para os limitados fisicamente. Essa gente é mais preciosa do que toda a riqueza do mundo junta. Se conheceres alguém assim, rejubila pela sorte que tens. E faças o que fizeres nunca o afastes de ti.
Ainda há os que não se catalogam, indiferentes a tudo seguem as suas vidas mergulhados nos seus pensamentos. Gosto desses. Não fazem mal nem bem. Simplesmente existem. Não são especiais nem insignificantes. Há qualquer coisa de pacifico nisso, ser indiferente ao mundo sem desejar marcar o seu lugar na história, ainda assim fazer parte dela anonimamente no seu desinteresse.
São estes seres que passam e constituem nossa dita sociedade. Qualquer infortunado por uma fatalidade qualquer te dirá o mesmo. Acredita que são bons a observar, os “aleijados” deste mundo que o conhecem bem melhor que os sábios.
Sim, tens razão. Hoje estou a usar palavras demasiado duras (Será que sim?). Acredito que te pareçam assim aos teus ouvidos delicados. A propósito, hoje não estou a narrar a tua vida. Sabes porquê? Porque não és o centro do universo. A vida não precisa de ti para continuar. Os teus problemas não passam de uma tamanha insignificância se comparados com o resto do mundo. Até o próprio planeta é indiferente se comparado à vastidão do universo.
Agora compara-te a ti e aos teus problemazinhos com isto tudo!
Pois… É isso mesmo. Não é meu objectivo ser rude contigo. Apenas abrir-te os olhos. Levanta-te e enfrenta a vida. Só isso.
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