sexta-feira, outubro 23, 2015

A entrega


Dou por mim a esperar-te. Vem pela madrugada, quando a urbe está em silêncio na obrigação do seu dormir. Sabes que estou aqui, neste oásis do pensar, a aguardar a tua chegada.
Viver é duro pelo fado que a mágoa te impingiu. Fazes das lágrimas as tiras do chicote que te vai flagelando. Resta-te o sonho que, por entre a inquietude, teima em persistir. Quero que me mostres esse teu sonhar para que contemple a sua beleza.
O dia foi sufocante. Os tiranos que te amordaçaram, de ti nada sabem. Reduziram-te ao papel de serviçal, pele que vestes com martírio até que chegue o escuro da noite, com o seu conforto, para te serenar.
Traz-te para mim, ensonada. Certifica-te que te desnudas do mundo e das suas obrigações. Sabes que aquilo que desejo em ti é a tua alma, com todos os seus esconderijos e segredos.
Vem como uma ninfa encantada. Sem receio de seduzir, pois quero despir o teu ser calmamente. Aos poucos ir beijando cada recanto do teu pensamento. Descobrir a erogenia de cada ideia.
Acariciar a tua alma como se tivesse corpo. Percorrer cada curva da tua essência com um toque de luxuria. Deixar o teu querer agitado, como se do teu sexo humedecido se tratasse. Arder num misto de medo e anseio.
Sabes que viajo nas palavras com a magia que só quem sonha compreende. Gosto que a prosa seja erótica, como quem faz amor com a poesia. Iluminar de prazer o âmago do próprio existir entre o infinito e a consciência.
Mantenho-te por isso acordada, subjugando o sono que te quer entorpecer. Atravessar as cortinas da aparência com que te disfarças. És a tua própria opressora e entre suspiros e delírios vou-te derrotando.
Entrega-te à minha avidez sem receio de heresias ou condenações. Há em mim salvação. O sol há-de nascer, mas entretanto há madrugada e nos nossos devaneios os teus pecados serão perdoados…

Sem comentários: