Existe um silêncio dominical na vila, mas é sábado e os padres rezam Santa Missa para ninguém.
O dia está quente contudo o Verão pouco espaço ocupa na memória. O sol brilha por Novembro dentro embora a praia esteja longe e o mar seja uma lembrança fria.
Na rua ninguém calça os seus sapatos em caminhadas vazias. A solidão está personificada nos vultos de quem não passa por mim.
O pensamento faz-me companhia nos cigarros que não fumo nesta pausa longa do viver.
Sou, mas não me entendo. Compreender é difícil quando a paisagem não fala e os outros são personagens inexistentes.
Pela tarde dentro surgem palavras sem sentido. Não há destino para lá da vontade de o descobrir. Talvez descobrir seja o destino e isto não passe de uma frase feita.
A tarde avança nas veredas confinadas da vila quieta. As casas caladas não parecem ter gente lá dentro. Interrogo-me sobre eles como se me importassem.
Observo e isso é tudo. Não é entretenimento nem tão pouco aprendizagem. Divago nas insignificâncias que me rodeiam e gosto de me perder assim.
Entretanto o sol vai baixando cedo porque é Outono e eu esqueci-me. A humidade vem com as sombras que crescem e sinto melancolia. Já escrevi sobre isto tantas vezes e repetir incomoda.
O momento é igual, mas é diferente. Talvez por isso insista em transcrever o desassossego como se este se manifestasse nas letras que ganham corpo.
Já cá estive a escrever sobre isto em outras ocasiões. Mas não foi hoje. Hoje é assim, mesmo sendo como outros dias que já foram assim. Já tive dias assim, mas que nunca foram assim, como hoje, que repito o que penso.
A humidade parece a mesma, contudo o casaco que visto é diferente. Aquele que já vestiu outros casacos em busca de conforto no fresco que a tarde traz rapidamente, esse, já pouco me lembro dele, embora tenha estado lá e tenha escrito coisas iguais.
Vou repetindo porque isso basta e não me interessa o resto. A solidão manifesta-se repetidamente, portanto é meu dever purga-la.
Conheço bem o fim de tarde em outonos vazios. Trazem consigo estes sentimentos introspectivos.
Lá fora nada parece fazer sentido. Acho que de certa forma nunca fez nem é suposto fazer. Seja em que tempo for, o mundo encontra sempre maneira de ser estranho e excluir quem não compreende a sua falta de nexo.
Esta é mais uma tarde de outono em que a vila está vazia. Não interessam os porquês. As emoções parecem repetidas porque fazem parte de mim.
2 comentários:
Não somos os mesmos de instante para instante, nem os instantes se repetem, mesmo que as variáveis pareçam todas iguais... acho que nunca são. Não se podem repetir momentos. Talvez a esperança resida nisso, na novidade a todo o instante.
Quase me doeu lê-lo, de tão real que senti a tarde descrita. Permita-me dizer-lhe que gostei, porque no final sorri e olhei pela minha janela e pensei: Esta podia ser a descrição da minha tarde, não fosse a tarde de cada um única e irrepetível.
Sou mais de poesia do que de prosa, embora também goste. Gostei muito de ler esta introspeção através dos sentidos e pensamentos. Caminhar só, olhando em frente e em seu redor, como se não olhasse, nada visse, quando olha e vê tudo.
Gostei muito mas mesmo muito de ler. Claro que fiquei seguidor
Cumprimentos poéticos
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