domingo, novembro 22, 2020

Silêncio repetido

Existe um silêncio dominical na vila, mas é sábado e os padres rezam Santa Missa para ninguém. 

O dia está quente contudo o Verão pouco espaço ocupa na memória. O sol brilha por Novembro dentro embora a praia esteja longe e o mar seja uma lembrança fria. 

Na rua ninguém calça os seus sapatos em caminhadas vazias. A solidão está personificada nos vultos de quem não passa por mim. 

O pensamento faz-me companhia nos cigarros que não fumo nesta pausa longa do viver. 

Sou, mas não me entendo. Compreender é difícil quando a paisagem não fala e os outros são personagens inexistentes.

Pela tarde dentro surgem palavras sem sentido. Não há destino para lá da vontade de o descobrir. Talvez descobrir seja o destino e isto não passe de uma frase feita.

A tarde avança nas veredas confinadas da vila quieta. As casas caladas não parecem ter gente lá dentro. Interrogo-me sobre eles como se me importassem.

Observo e isso é tudo. Não é entretenimento nem tão pouco aprendizagem. Divago nas insignificâncias que me rodeiam e gosto de me perder assim.

Entretanto o sol vai baixando cedo porque é Outono e eu esqueci-me. A humidade vem com as sombras que crescem e sinto melancolia. Já escrevi sobre isto tantas vezes e repetir incomoda. 

O momento é igual, mas é diferente. Talvez por isso insista em transcrever o desassossego como se este se manifestasse nas letras que ganham corpo.

Já cá estive a escrever sobre isto em outras ocasiões. Mas não foi hoje. Hoje é assim, mesmo sendo como outros dias que já foram assim. Já tive dias assim, mas que nunca foram assim, como hoje, que repito o que penso.

A humidade parece a mesma, contudo o casaco que visto é diferente. Aquele que já vestiu outros casacos em busca de conforto no fresco que a tarde traz rapidamente, esse, já pouco me lembro dele, embora tenha estado lá e tenha escrito coisas iguais.

Vou repetindo porque isso basta e não me interessa o resto. A solidão manifesta-se repetidamente, portanto é meu dever purga-la. 

Conheço bem o fim de tarde em outonos vazios. Trazem consigo estes sentimentos introspectivos. 

Lá fora nada parece fazer sentido. Acho que de certa forma nunca fez nem é suposto fazer. Seja em que tempo for, o mundo encontra sempre maneira de ser estranho e excluir quem não compreende a sua falta de nexo. 

Esta é mais uma tarde de outono em que a vila está vazia. Não interessam os porquês. As emoções parecem repetidas porque fazem parte de mim. 

Mesmo assim, nunca escrevi sobre esta tarde, por isso faço-o como se fosse uma novidade. Surpreende-me como sempre. Inquieta-me. E só assim vou encontrando algum sentido. 

2 comentários:

Esquilinha e as suas coisas... disse...

Não somos os mesmos de instante para instante, nem os instantes se repetem, mesmo que as variáveis pareçam todas iguais... acho que nunca são. Não se podem repetir momentos. Talvez a esperança resida nisso, na novidade a todo o instante.
Quase me doeu lê-lo, de tão real que senti a tarde descrita. Permita-me dizer-lhe que gostei, porque no final sorri e olhei pela minha janela e pensei: Esta podia ser a descrição da minha tarde, não fosse a tarde de cada um única e irrepetível.

" R y k @ r d o " disse...

Sou mais de poesia do que de prosa, embora também goste. Gostei muito de ler esta introspeção através dos sentidos e pensamentos. Caminhar só, olhando em frente e em seu redor, como se não olhasse, nada visse, quando olha e vê tudo.
Gostei muito mas mesmo muito de ler. Claro que fiquei seguidor

Cumprimentos poéticos