quinta-feira, novembro 12, 2020

Rasto de pequenas histórias


O passado, mesmo que tenha sido ontem, parece cada vez mais longe. Há meras vinte e quatro horas atrás todas as recordações não passam de dúvidas que o cérebro assumiu como verdadeiras. 

Só o acordar me parece mais ou menos real. Como um começo de algo novo, sendo o que está guardado nas memórias apenas um adereço para aquilo que compreendo como sendo eu. 

Mesmo assim considero que a realidade tem o seu quê de improvável, como se existisse ao meu redor um muro invisível que serve de ocultação para tudo que é de facto concreto. 

A bem da verdade podemos dizer que até o "presente" é uma ilusão. Se repararmos, desde o momento em que observamos qualquer coisa, e até que essa informação chegue ao cérebro, passa-se algum tempo, ainda que sejam fracções de fracções dum segundo. 

Por mais instantânea que seja essa velocidade, quando tomamos verdadeiramente consciência daquilo que observamos, essa coisa já é "passado", apesar de a considerarmos como "presente". Portanto, isto a que chamamos "presente", este mesmo momento em que as palavras são assimiladas, já aconteceu. 

Concluo assim que o "presente" não existe na percepção da realidade. É como perseguir a própria cauda. O tempo corre e nós vamos atrás dele. Deixamos um rasto de pequenas histórias, aprendizagens e sobretudo dúvidas. Mesmo assim, para aqueles que são inquietos, como eu, tudo isso parece longínquo. Por vezes até, irrelevante. 

No entanto eu sou-me assim: a descrever pensamentos que se vão acabar por dissipar quando a minha atenção se virar para outro enigma. É esta a sina dos desassossegados: constantemente a questionar o que é suposto ser verdade. 

Talvez por isso a fantasia seja um local confortável. Porque nela, somos nós que ditamos as regras e estas não nos são apresentadas como verdades inquestionáveis. 

Procuro sempre a novidade; a acção constante que nunca chega a ser. Outros aconteceres que sejam mais do que eu. Tudo isto faz sentido na sua própria incoerência. Só assim consigo encontrar uma explicação que me satisfaça, sem que nada seja de facto explicado. Só palavras que servem de aconchego...


2 comentários:

Esquilinha e as suas coisas... disse...

Mas se tivermos noção que estamos a viver na fantasia, não será isso também desolador?

António Silva disse...

Não se trata de viver na fantasia, mas de trazer a fantasia para a realidade e estimular a imaginação.