Nunca me senti uma princesa. Claro que a minha masculinidade não ajuda, embora tenha a certeza de que existe uma versão masculina de princesa num conto de fadas.
Já fui (ou ainda sou) um guerreiro; bruto; glorioso; pirata; monte de merda; asqueroso; estúpido; inteligente ou iluminado, creio que não faltam adjectivos para descrever todas as minhas acções. Se calhar até fui um príncipe encantado num conto de fadas qualquer e nem me apercebi.
Contudo gostava de um dia sentir o que as princesas do imaginário sentem ao serem amadas na beleza da fragilidade. Por ausência de estímulos de candura, não consigo imaginar tal cenário. É pena. Frustrante até, já que nem nas palavras apoiadas na imaginação consigo conceber tais sensações.
Não tenho culpa te ter sido privado da inocência. Foram tantos aqueles que me ma roubaram que já lhes perdi a conta. Tenho alguns guardados na mágoa que ao crescer se fez violência. A memória não serve só para guardar rancor, nem tão pouco as mãos para fazer justiça, embora a boca tenha sede de vingança.
Será que as princesas têm alguma coisa disto no seu pensamento? Acredito que não, ou pelo menos é assim que as descrevem. Com uma total ausência de maldade ou raiva. E eu tenho inveja delas. Muita inveja!
Não se deviam iludir as crianças com contos que não passam de armadilhas para tornar a existência ainda mais penosa. Dói ainda mais quando essa ilusão ainda teima em persistir na idade adulta. Chamam-lhe esperança. Dão-lhe um estatuto de sentimento maior e dizem que é o último a morrer. Esquecem-se no entanto de referir que a esperança não passa de um analgésico para as agonias do dia-a-dia.
Era bom adormecer para acordar uns tempos mais tarde com um beijo de uma desconhecida a quem passaria a amar incondicionalmente, para sempre, numa felicidade constante. Só que, convém estar ciente de que se me deitar a dormir permanentemente, o corpo vai-se encher de chagas pútridas e as necessidades fisiológicas vão se acumular até tornar o ambiente nauseabundo. Isto para não falar na falta de nutrição que vai deixar a figura humana esquelética eliminando todos os traços de beleza.
Nos contos de fadas, escondem sempre a miséria da condição humana. Ninguém quer saber dos feios, dos aleijados, dos magoados, ou dos excluídos. Esses, não merecem histórias, só o ignorar dos olhares que passam. Esses, são os que sonham, mesmo sabendo que sonhar dói e ninguém se importa!
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