sábado, setembro 07, 2019

Tão inútil como é suposto ser


Dei por mim a pensar na vida. Não que o pensamento tivesse algum objectivo. Até porque, não se tratava de uma recordação, ideia, ou sequer um planeamento futuro. Apenas fragmentos sem coerência sobre o existir, que se misturavam com os gestos de quem se cruzava comigo na rua pouco movimentada.
Na realidade pouco sei de mim. Sou melhor a observar o comportamento dos outros. Aqueles que não têm nada a ver comigo. Não se trata de julgamentos, mas antes de compreender a existência humana. Se alguma coisa entendo de mim, é pelo que vejo nos demais. Diferenças e semelhanças físicas e sentimentais.
Mesmo assim não sei quem sou. Não posso traçar uma linha que me defina. Algo que faça sentido. Embora, se calhar, não seja suposto fazer. Também não faço questão de me conhecer. Gosto de me surpreender com as minhas próprias atitudes. Deve ser aborrecido para quem não tem nada a descobrir no seu íntimo.
As pessoas são um enigma. Como um puzzle de carne e ideais. Cada qual é único, embora semelhante a todos na rotina humana. São como um indicador de onde eu próprio me posso encaixar, mesmo sem ter vontade de o fazer. Suponho que há sítio para todos, pelo menos há pregões para tudo e mais alguma coisa. A esses não escuto, fazem-me doer os ouvidos e o ânimo.
Há algo imenso em mim, isso eu sei. É estranho este sentimento. Tenho uma certa curiosidade sobre a pessoa que sou. Mesmo sem pressionar os sentimentos a emergir, sei que tenho uma originalidade única na minha essência. Mas dou-lhe tempo de amadurecer. Vou pouco a pouco a revelar-me, a aprender, a mudar e a crescer.
Creio que não tenho sonhos. Pelo menos desses romantizados, que pouco mais são do que uma ilusão e não servem para mais nada a não ser entreter a vontade. Tenho algo diferente que não sei explicar e a grandiosidade dessa diferença talvez esteja mesmo nessa incompreensão. Seja como for, não me sei dizer para além destas palavras.
Isso não significa que não tenha fantasia, pelo contrário, até a tenho em abundância. Não duvido que faz parte da imensidão que referi. Em cada olhar que dou sobre o mundo encontro criatividade. Escondo esta característica debaixo da pele. Também ela vai crescendo comigo e sempre que necessário emerge à superfície do viver para surpresa de tudo o que é banal.
Desejar ser mais do que sou pode ser uma tormenta, ainda que possa também levar a uma certa elevação poética. Agora que falo nisso, a poesia, só por si, devia ser considerada uma ideologia social. Não tenho dúvidas que havia mais ímpeto na vontade de cada um. Vista assim, é somente um aparte a servir de refugio a quem ama o inatingível.
Há um prazer misterioso em vadiar entre emoções. Aqueles que não se conhecem sabem a que me refiro. A fuga constante aos dias iguais. Os sentidos que não satisfazem a calma. A ansiedade que afinal não é. As rimas impossíveis de encaixar na ausência de idioma que as traduza. O caminho que não tem destino porque chegar dói.
O pensamento já vai longo e tardio. Tão inútil como é suposto ser. Na fronteira da imensidão de inquietude que existe perdida dentro de mim. Sem mapa, ou indicações, não sei onde fica. Apenas a oiço cantar o seu chamamento. Vou assim, procurando desassossegado por respostas, como os outros fazem, ocultos pelo silêncio envergonhado que o dia calou.

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