De que vale falar no anoitecer se, há muito tempo, anoiteceu em mim.
Não foi apenas uma noite, mas várias. Algumas tenebrosas; outras vazias; solitárias; apaixonadas; raivosas; violentas ou serenas. A escuridão tem vários sentidos conforme a sina de quem nela se embrenha.
Cada noite que cai tem a sua história e declamo cada uma como uma fábula insatisfeita, porque nenhuma me completou, e nenhuma foi verdadeiramente imortal, como a poesia tem de ser.
A brutalidade de quem ama!
No corpo, na voz, no prazer e no silêncio de outro alguém em comunhão com o meu desassossego. A paixão é infinita na sua brevidade, por isso, nada mais é do que a ilusão no sentir naquele momento.
O sentido de quem odeia!
Planos de vingança dão um propósito na vida de quem é injustiçado. Se a dor destrói, a dor também recria. No seu ventre insensível, gera os monstros mais desumanos, educados com os mesmos instintos que os (me) esmagaram.
A mansidão de quem acalma!
Por vezes o céu nocturno está estrelado, ou a lua está iluminada para que se acredite em magia. Quando assim é, vem como uma mão maternal, aconchegante e compreensiva, tal como um descanso sem julgamentos.
O recolhimento de quem medita o seu dia!
Porque há que lembrar a jornada e de quando em quando, questionar cá dentro: “Quem somos”? A resposta surge quando o mundo está calado. Existe uma pacificação que tem de ser feita com o impulso interior, para que o fardo do amanhã tenha menos peso.
Assim são os meus anoiteceres, cheios de cenários longínquos, jornadas grandiosas e sentimentos controversos. Assim sou eu, como as minhas noites, pequenos contos na insónia das palavras. Tanta coisa e nada em simultâneo. Sementes que me fazem e refazem nas Primaveras do existir.
Embora, quiçá, devido ao hábito, conheça apenas estes horizontes noctívagos, como um vampiro melancólico. Fadado a viver na madrugada nua. Não devo culpar ninguém, até porque o destino (se existir) é como tem de ser. Ou melhor, o que aconteceu agora é passado e há que seguir em frente.
Como tudo muda, talvez deva agora dar atenção ao nascer do sol...
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