Sabes quem és? Tens a certeza que sabes mesmo quem és? Ou fazes confusão com aquilo que gostavas de ser? Pois, agora que falo nisso a dúvida faz-te hesitar na resposta. É difícil ter honestidade quando, no fundo, sabes que o teu ser é feito de pedaços remendados com linhas, colas e fitas. Claro que muitas vezes é fácil uma pessoa se enganar a si mesma para alimentar a ilusão de uma existência mais leve. Mas é falso! Tudo falso!
Volto a perguntar quem és? Uma mentira, ou uma verdade dolorosa? Sabes que não te deixo dar uma resposta errada, nem tão pouco argumentar contra. Quanto mais me negas mais razão me dás. Tenho soberania em ti. Sabes que vim não sei de onde, parido por uma ideia incógnita dentro daquilo que entendes por pensamento. Talvez seja até a própria personificação de loucura, ou dor, embora sempre com verdade.
O melhor mesmo, para que me possas dar uma resposta sincera, é voltar aos sonhos de criança. Ainda te lembras deles? Antes que o mundo tenha dilacerado a inocência. Quando tudo era regido pela fantasia. Era bom brincar, não era? Quem querias ser tu nessa altura, lembras-te? A memória está deturpada pelas vivências adultas e amargas, no entanto essa recordação nunca se perde, por mais enterrada que esteja. Surge num repente quando folheias os velhos cadernos da escola, ou assistes a um desenho animado antigo. Ora reflecte um pouco.
É triste abandonar a criança que foste, mas esta não desaparece, pelo menos por completo. Um pouco da sua essência ainda vai acompanhando as tuas desventuras, como um espectador amargurado pela trama. Podes perguntar-lhe, que vais ter uma resposta sem medo por entre um rosto envergonhado. A desilusão é grande ou andas apenas por caminhos mais penosos?
Às vezes o Universo dá-nos aquilo que queremos, embora noutra linguagem diferente da que nos foi ensinada, que não sabemos interpretar. É estranho, mas a aventura que um dia desejamos está a acontecer, noutras palavras que não as nossas, noutros cenários que não são aqueles que imaginamos. Um pouco de silêncio mostra essa verdade. Um pouco de pausa ajuda na revelação. Um pouco de ausência ajuda a voltar à origem.
Se não te lembras de ti em tenra idade, basta observares uma criança qualquer: Que sabem elas da vida? Ainda assim divertem-se a brincar ao que eles julgam ser o amanhã, ludibriados pelas expectativas dos adultos, os mesmos que não viveram as deles. Tu também foste assim, a construir castelos na areia da praia com a ilusão de que ao cresceres tudo vai ser como no Verão, simples despreocupado.
Claro que o crescer é amargo e dizem-nos as regras estabelecidas que viver é muito mais árduo. Mesmo assim, temos de aceitar o facto que a criança que fomos desapareceu? É aqui que me surge uma dúvida repentina: E se for esse mesmo o objectivo? Erradicar por completo a criança que um dia nos sonhou? Afinal de contas se não nos incentivarem a sonhar, qual seria o sentido de ser adulto?
Estou a fazer perguntas a mais e a desviar-me do ponto inicial: Quem és? Não precisas de responder. A tua condição humana faz isso por ti. A sociedade que te acolhe nos seus ideais vazios diz-me tudo o que preciso saber. Não encares isto como um incentivo de revolta, ou um motivo para verter umas quantas lágrimas. Apenas um constatar da verdade. Do passar dos dias entre a inercia das obrigações e o entretenimento que vão colocando à tua disposição. É assim para todos e pouco há a fazer. O que pode um ser humano sozinho fazer contra sua própria génese? Nada! A própria ideia em si é quase um convite à insanidade e para isso já basta a inquietação constante que habita em ti.
Há uma desmotivação intensa cada vez que acordas sem o conforto do manto da ilusão. A manhã não ofereceu descanso, com esta realidade presente a enregelar o ânimo. A melancolia é um sentimento constante a acompanhar a solidão do existir. No fundo, estar só, é a única verdade confiável.
Os outros têm os seus corpos e as suas fantasias. Vivem como dormem. Agradecem cada migalha de prazer sem nunca questionar se o mundo podia ser diferente. Certamente também têm os seus momentos de lucidez, onde a tristeza é profunda e só a mentira anima o vazio. Tal como tu, não os revelam ao mundo. É proibido não ser feliz e a pena a cumprir é mais dolorosa do que a mágoa de existir. Não olhes para eles. Não são referência e pouco ou nada têm para te ensinar.
Há aqueles que compreendem. Sim, eles existem: Os sábios! Podes reconhece-los no silêncio em que observam os demais. Se lhes conseguires colher uma troca de palavras, não te esqueças de aprender. Nem tão pouco de ensinar, porque todos nós sabemos algo que sirva para preencher o enigma do inefável. Todos os saberes são poucos na pequenez humana. O caminho para a auto compreensão está nestes pequenos passos de partilha.
Se por um mau acaso nunca encontrares nenhum desses sábios, basta olhares no espelho. A figura que te observa vai ter uma resposta sincera à questão que mais assusta: Afinal quem és tu?
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