sábado, março 24, 2018

Amor tristis


O amor, para ter beleza, tem de ser triste.
Deve haver na sua génese um fim anunciado. Uma melancolia constante a lembrar que todos os gestos de afecto são frágeis, no entanto violentos, como punhais que retalham a alma.
O desejo quer-se sombrio, a profanar os sonhos ingénuos de quem acredita na felicidade.
O toque mantem-se gélido, ainda assim a chamar o arrepio de quem anseia escurecer.
Quente só o sangue, que nasce nos cortes da lâmina, ou no morder que saboreia o seu gosto carmesim. A boca sabe-o de cor, prova o beijo, o sexo e o suor, na pele pálida de quem deixa a vida se esvair.
O feitiço tem sabedoria própria e há quem o queira alcançar para tornar memorável a queda no abismo.
Os pagãos amam como quem morre; como quem vive; como quem peca orgulhoso da sua desgraça!
Dizem-se hereges aqueles que se esperam na penumbra. Gestos e ditos profanos ficam entregues a instantes escondidos de dor e êxtase. A magia acontece depois que o dia se cala. Não existem virtudes nos filhos perdidos.
Os corpos servem de caos. Um abraço nada mais é do que um mergulho no vazio.
Os lábios fundem-se em juras infernais. Não se pronuncia o amanhã, porque nele mora o desespero.
O momento serve de desculpa ao prazer. As veias, como rios de segredos, que se oferecem ao rasgar. Nasce a fome sem remorsos. Depois da noite infinita, o pecado é esquecido pela madrugada.

2 comentários:

Janela Indiscreta disse...

O amor para ser bonito tem de ter dor? Sei que nada é perfeito mas ainda gosto de histórias com finais felizes ...

António Silva disse...

As vezes gosto de histórias de amor tristes. Tipo Romeu e Julieta. Não é uma regra, apenas gosto de vez em quando...