Chegou a casa ao fim da tarde. Pedaço claustrofóbico, entre quatro paredes e um tecto, transformado em edén pessoal depois de um dia de trabalho, de gente estranha, de confusão caótica na dita ordem do mundo.
Ele há dias onde parece que tudo lá fora enlouquece!
Sacudiu o mais possível o cansaço de cima das costas, mas o peso teimava em não desaparecer. Frustrações, imposições, castigos acumulados no corpo, da carne até à alma. Um fardo difícil de carregar e de iludir.
Ele há dias onde custa fingir que não dói viver!
Arrancou as roupas encardidas com o cheiro lá de fora. Colavam-se à pele com a viscosidade transpirada da rotina. Atirou-as para longe. Algures num canto escuro, enfadonho e esquecido do buraco a que chama lar.
Ele há dias onde não existe um sitio que pareça acolhedor!
Dirigiu-se para a sanita e despejou todos os dejectos que se abrigavam em si. Puxou o autoclismo e entrou no chuveiro em busca de limpeza. Talvez a água quente trouxesse algum alívio e pudesse atenuar a solidão. Sem sucesso.
Ele há dias em que sentir parece ser pecado!
Olhou-se ao espelho, no entanto a figura que encarava em nada se parecia consigo. A criança determinada a conquistar o mundo, metamorfoseou-se numa personagem pintada a rugas de tempo passado sem aventuras.
Ele há dias em que todos questionamos: afinal quem somos nós!
Arrastou-se até ao quarto. O silêncio escurecido das portadas em baixo parecia trazer algum conforto. Entrou para o aconchego dos cobertores como quem encontra refúgio. Desenhou ali o seu santuário de crente no sossego.
Ele há dias em que tudo que há a dizer, é calar!
O adormecer sabe bem a quem é consumido pela fadiga. A recompensa do esquecimento veio com o sono que é reservado aos justos, ou aos desajustados. O crime de sonhar cumpre assim a sua pena.
Ele há dias em que o maior desejo é simplesmente dormir!
Mergulhou imediatamente no vazio. Ficou invisível com o seu entorpecer. Um salto feito de nada pela noite dentro. Sabe que a madrugada há-de ofertar o ânimo aos seus filhos perdidos. A energia regressa com o sol.
Ele há dias em que tudo que se deseja, é despertar numa manhã descansada!
1 comentário:
A descrição perfeita de tantos dos meus dias, ultimamente...
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