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sábado, março 10, 2018
A multidão
Alguém escreveu numa parede da cidade, com letras grandes e gordas, todas as minhas frustrações e medos. Dei de caras com aquela lista, de tudo que é frágil em mim, e parei na minha absoluta vergonha. Não imaginava quem soubesse tão bem o que se esconde em mim. Ainda por cima, com a audácia de o expor à luz do mundo!
Eis que chega mais alguém que se queda diante a parede. O receio e o choro apoderaram-se do seu semblante, tal como a mim. Quase que podia ler a angustia que emanava daquela face, pois era igual à minha. Outra alma inquieta reclamava para si aqueles dizeres. Entendi que não podia prende-los só para mim, nem para a minha poesia sombria!
Olhei em volta. Mais pessoas tinham chegado, com os seus corpos quietos e semblantes aflitos. Não tardou para que se juntasse ali uma multidão imensa de silêncio amargurado. Foi então que compreendi: aquela lista malfadada não era apenas minha, mas sim daquela gente toda, que tal como eu partilhávamos as mesmas misérias!
Ficou claro que não estávamos sozinhos nos nossos infortúnios. Nenhum desapontamento era exclusivo, nem tão pouco algum receio único de um só ser. A lista na parede não era de ninguém, embora, ao mesmo tempo de todos aqueles que ali se abeiraram. Carne, osso e dor. Só isso. Sem nomes, nem géneros, nem raças, somente angústia!
Aquelas palavras mal-afortunadas expunham a mágoa que devia estar tatuada apenas na tristeza humana. Escondida. Alguma alma ousada decidiu exorcizar os seus demónios, escrevendo com nudez crua o que não deve ser dito, para que todos olhem a fonte de todas as lágrimas. No entanto, mais parecia um espelho a reflectir o fundo de todas as vidas!
Os rostos naquela grande multidão ganharam coragem para se entreolharem. Não tardou para que sorrisos nascessem entre o silêncio. Logo a seguir formou-se um borborinho que foi perdendo a timidez para se transformar em conversas. Não tardaram as gargalhadas pelas piadas contadas sobre todas aquelas fraquezas que roçavam o cómico!
Então, todos juntos, chegaram à conclusão do ridículo dos seus medos, que, sem a força da solidão, quase já não faziam sentido. Pelo contrário, eram como anedotas perante a verdadeira face do mundo. Insignificâncias, se comparados com a vontade de ser feliz. A parede já não importava, ignorada por todos, pois já não sentiam incertezas!
Enorme era a multidão, quando todos os corações solitários se juntaram!
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1 comentário:
Apregoo ao mundo que não me importa o que os outros pensam de mim, mas ao ler o início do teu texto senti o desconforto que provavelmente sentiria se visse os meus próprios receios cruamente expostos, à vista de todos...
O texto é belo, rico e intenso. Angustiante e cativante. Gostei muito!
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