terça-feira, julho 14, 2015

Os outros (O Narrador V)


A conversa está ser interessante?
Não olhes para mim dessa forma, já devias saber que não existe pior solidão do que aquela que sentimos quando estamos rodeados de pessoas. Tinhas perfeita noção disso quando vieste para aqui. Mesmo assim preferiste acreditar que podia ser diferente. Nada contra. Tentar não custa.
Olha só para esta gente à tua volta com as suas conversas mundanas. Banalidades inúteis que nada mais fazem do que irritar. Mesmo assim aí estas tu a tentar simular um sorriso, a tentar participar nos temas discutidos, a fazer um esforço tremendo para te misturares com eles. Achas mesmo que fazes parte deste grupinho? Estás com eles, não és parte deles. Sabes bem disso. Lá por serem muitos, dizerem umas coisas engraçadas e até simpatizarem contigo, não te fazem verdadeiramente companhia. Não são teus amigos, pelo menos no verdadeiro sentido da palavra. São bons conhecidos na melhor das hipóteses. Este é o mundinho deles, não o teu. Não quer dizer que tenham alguma coisa de mal, nada disso. Até é bom conhecer gente assim para certas ocasiões. Pessoas banais são necessárias também. Simplesmente há que ter em atenção que não pertences aqui. Se procuras felicidade não a vais encontrar com eles, pelo contrário, apenas frustração. Não esqueças que estás apenas a fazer o que é suposto um ser humano fazer: socializar. O que para alguém como tu pode ser uma tortura!
Bem sei que a tua mente paira noutro sítio qualquer, vagueando entre lugares distantes e fantasmas do passado. Fazes da tua existência uma viagem abstrata que nada tem a ver com a realidade que te rodeia. É duro. Fazes-te passar por quem não és para que não cheguem a ti, àquela tua verdadeira essência feita de inquietude. Já te partiram o coração e doeu. Doeu muito. Ainda hoje te dói. Por isso é melhor ficar do lado de cá, longe dos demais para que não volte a acontecer.
Chegaste a essa conclusão porque as pessoas magoam. Confiar nos outros é como jogar à roleta russa com as nossas emoções, nunca se sabe quando é que a arma vai disparar. A única certeza é de que a bala te vai atingir em cheio. Portanto, o melhor mesmo é não confiar. Toda a gente trai, mesmo sem querer. Tu não és excepção! Por isso mesmo criaste essa personagem com que vestes o teu verdadeiro “eu”, que ninguém conhece. (Salvo eu que sou o teu narrador. Agradeço esse privilégio apesar de também desconfiares de mim. Pouco me importa.)
Claro que deixando de confiar nos outros começamos a ficar secos, desajustados da realidade consumidora de banalidades. Por isso, viramo-nos para nós, para o sonho interior e começamos a sentir aquela inquietação no coração que tu tão bem conheces. Deixamos de estar sintonizados com este mundo feito de relações sociais, mas porque estamos presos nele começamos a viver com amargura. Claro que não te vou explicar isso novamente, estou só a lembrar.
Olha para os outros com atenção. Achas que és caso único? Repara em cada pessoa individualmente. Olha para os pequenos pormenores de cada um. Pois… É isso mesmo. Alguns são como tu. Farsantes a tentarem ser quem não são para simplesmente se integrarem com o resto do mundo. São como actores numa representação perpétua de uma peça de teatro onde são obrigados a participar. Vivem frustrados, cheios de mágoas no seu interior. Exactamente como tu!
Ainda assim vê como eles sorriem. Parece que se encaixam perfeitamente no seu lugar. Sabes porquê? Isso mesmo. Abdicaram de ter personalidade própria. Ideais, vontades, sonhos e metas apenas deles. Decidiram apagar-se a eles mesmos para conseguirem sobreviver no doce marasmo dum dia a dia coberto de rotinas monstruosas tal como todos os outros com medo do julgamento que possa acontecer. Preferiram castrar o seu intelecto em prol do simples destino de ser banal. Serve de refúgio um entretenimento ocasional e os programas de talentos de domingo à noite, onde a mente se convence do fado inevitável que a segunda-feira traz. Tudo não passa de uma mentira. Uma brutal e violenta mentira!
Sabes bem que todos que têm uma mente irrequieta não a conseguem prender por completo. Fica sempre ali uma voz incomodativa constantemente a palrar sobre como estás a desperdiçar a tua existência com futilidades. Sobra o isolamento do quarto onde ainda reside um pequeno santuário da sua fantasia, infelizmente não serve para mais nada a não ser chorar pela decepção que se acumula!
Que se passa? Sentes os olhos pesados e o coração apertado? Creio que não é motivo para isso. Apenas te estou a relembrar que a vida é demasiado interessante para ser desperdiçada com gente que desperdiça a sua própria existência com inutilidades. Ainda estás a tempo de acordar. Aliás, todos nessa situação ainda estão tempo de viver…
Parece que me entusiasmei demais. Falar é fácil eu sei. Mas sabes que às vezes pareço um daqueles pastores americanos a pregar moralismos e deixo-me levar. Seja como for, seja qual for a tua escolha, eu estarei aqui para narrar a tua vida.

2 comentários:

Às margens de mim. disse...

Olá, boa noite!
Belíssima mensagem!!! Levo com muito carinho deixando o registro da agradável sensação que sempre experimento ao passar por este belo blog
AbraçO

Imprópriaparaconsumo disse...

A vida é um acto de coragem. :)