quinta-feira, maio 25, 2023

O puto


O estupor do puto não se cala dentro de mim!

Está zangado, com os outros; a escola; a família; o mundo. Ninguém o compreende. Farto dos grandes a ralharem com ele sem dizerem porquê. Quer brincar, não pode! Quer falar, não sabe! Quer sonhar, não deve! Grunhem eles a apontar o dedo.

Porquê? Porque sim, ou porque não. Porque simplesmente são eles a mandar e a criança só tem de obedecer. A curiosidade infantil não tem direito a uma explicação satisfatória sobre essa coisa de ser adulto.

Sem orientação, o pirralho não obedece. Não nasceu ensinado. Depois chamam-lhe mau. Traquina. Ordinário. Repetem-se os ralhetes, sem nunca virem acompanhados da tão esperada justificação. Surgiu, então, uma raiva rebelde, aos poucos, dentro do coração ingénuo.

O mundo, assim, parece frio, cinzento e sem alma. É tudo uma confusão enorme aos olhos do pequenote. Não lhe dão espaço para imaginar. Ele quer divertir-se. Inventar universos minúsculos feitos de grandiosidade e alegria. Qual é o mal?

O menino já não é um bebé. Cresceu e está furioso. Sempre a resmungar. Agora, eu tenho de o aturar. Lá vou tentando descobrir soluções para as perguntas que nunca lhe responderam. Contudo, só lhe posso dizer: o caminho para a maturidade é uma merda!

Não chega! As coisas têm de ser ditas no momento certo. A semente tem de ser plantada na altura correta para poder germinar em condições. Agora, talvez seja muito tarde. O solo da serenidade está cheio de ervas daninhas.

Eu bem o deixo divertir-se, sem rédeas, nem raspanetes. Mas ele há coisas sem o mesmo sabor depois de passar a meninice. Já não vai a tempo de compensar. Continua descontente. Confuso. À procura dum rumo.

O estupor do puto afinal ainda não cresceu. Está sempre a refilar. E eu, aqui, a ouvi-lo sem poder fazer nada, por mal dos meus pecados. A maioridade não trouxe a sabedoria que era suposto. Só ainda mais dúvidas.

Com tudo isto, só me resta uma alternativa. Ter de me aturar! Aqui, dentro de mim!


1 comentário:

Manuela C. disse...

À procura dum rumo? É mesmo necessário? E aquele que vamos fazendo sem sequer nos apercebermos que o estamos a fazer não serve? Tem que ter placa informativa "o rumo é por aqui"? Deixa lá o puto berrar e refilar! No meio de berros e refilanços virá uma gargalhada (só é preciso estar atento) e essa gargalhada sabe pela vida! A sabedoria? Essa, ouvi dizer, é infinita e se a gente a tenta atingir, depois de muitos obstáculos ultrapassados, só atinge a frustração de a ver cada vez mais longe... "Deixar a compreensão parar perante o que não pode ser compreendido é um grande feito. Aqueles que o não conseguem serão atormentados pelo flagelo dos céus". Não sei se o Chuang Tzu dizia isto assim, se se referia a outra coisa qualquer, mas é a minha interpretação.