domingo, dezembro 05, 2021

Dia de festa

O menino estava tão bonito, parecia um padre em ponto pequeno. O hábito branco, cabelo penteado imaculadamente e um terço na mão, faziam-no parecer um pequeno anjo, enquanto posava para a fotografia! Quem olhava para ele não podia imaginar que se tratava do maior reguila do vilarejo. Era conhecido por todos os habitantes pelas suas travessuras endiabradas, que, apesar de lhe valerem algumas valentes tareias, nunca deixou de fazer.

Naquele tempo, início dos anos oitenta, a primeira comunhão era um evento extremamente importante nos vilarejos do interior. Um rito marcante de passagem na infância.

Nesse ano, as catequistas treinaram as crianças para um momento especial, em que o padre, durante a celebração, perguntava aos pequenos qual era o dia mais importante da vida deles? Ao que os pequenos respondiam em uníssono: "É o dia da minha comunhão"!

Tudo isto foi ensaiado vezes sem conta até à perfeição. Só que, no dia da missa, com a igreja cheia de gente e toda engalanada, o padre, ao fazer a pergunta, deparou-se com um silêncio total por parte das crianças. Tendo em conta que estavam intimidadas pela solenidade do momento, repetiu, sem que tivesse resposta novamente.

Ao reparar na timidez nos rostos dos pequenos, repetiu uma terceira vez. E mais uma vez ficaram em silêncio, para frustração do padre e das catequistas. Só o nosso pequeno reguila ganhou coragem de tomar a palavra, e com o dedo levantado disse bem alto: “É o dia em que o meu pai mata o porco”!

Isto fez com que uma gargalhada geral percorresse a igreja. Com excepção das catequistas que não esconderam a vergonha, bem como do padre que ficou vermelho de raiva!

Aqui, convém lembrar que o dia da matança do porco era também uma ocasião festiva nos vilarejos do interior. Juntavam-se familiares e amigos em alegre convívio. Comia-se com fartura, bebiam-se uns copos, diziam-se umas piadas, e as regras rígidas daquele tempo pareciam abrandar com esta festa caseira. Tudo à custa do pobre animal, cujo único crime foi ficar gordo. Obviamente que o nosso pequeno traquina gostava desse dia, em que podia fazer umas brincadeiras mais malandrecas e escapar-se dos castigos com facilidade.

Para azar do nosso rapazola, e apesar das gargalhadas que ecoavam na igreja, esta era a sua primeira comunhão e tinha de se portar muito bem. A julgar pela cara de desagrado dos pais (secretamente divertidos), parece que não se ia livrar de umas boas palmadas.

Com tudo isto, o nosso pequeno traquina fez jus à sua fama; o padre e as catequistas aprenderam que as crianças são imprevisíveis; o povo daquele vilarejo ia-se recordar daquela primeira comunhão durante muito tempo; e nas futuras matanças do porco esta história ia ser recordada com entusiasmo por muitos anos.


Texto elaborado para um desafio de escrita do site: Laboratório de Escrita


1 comentário:

" R y k @ r d o " disse...

Texto muito bem escrito que muito gostei de ler.
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Saudações natalícias
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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