domingo, outubro 17, 2021

A festa

No dia em que eu desisti, o mundo fez uma festa em minha honra. 

Os povos de todas as culturas saíram à rua, com cantos, danças e foguetes. Pegaram-me em ombros para desfilar comigo nas avenidas enquanto toda a gente clamava o meu nome e me batia palmas com um entusiasmo eufórico. 

Os governos declararam feriado e na comunicação social não se falava noutra coisa. A alegria contagiou a Terra inteira por causa do meu nome superior. 

Então, levaram-me ao topo do edifício mais alto e todos gritaram em uníssono para que fizesse um discurso de vitória. Excitado pela euforia, abri os braços e saboreei aquele momento de glória absoluta. 

Durante vários momentos, longos, deixei que focassem em mim todo o seu êxtase. Depois, com as palmas das mãos viradas para baixo, gesticulei um sinal a multidão para que fizessem silêncio. Obedeceram quase de imediato, conseguiram acalmar a energia e calaram-se para me escutar, tal era a fome pelas minhas palavras sabias. 

Olhei-os com clemência e projectei a minha voz na direcção dos quatro cantos do planeta bradando: 

«Hoje desisti!» imediatamente fez-se ouvir uma monumental salva de palmas. Voltei a pedir silêncio e continuei: 

«Desisti com orgulho, parece que todo o peso do mundo saiu de cima das minhas costas e por isso sinto-me leve que quase parece que consigo voar!» As palmas soaram novamente junto com palavras de incentivo. Assim que voltou a calmaria continuei: 

«Contudo, não posso voar, nem o quero! Não quero ser mais do que aquilo que posso ser, por isso, hoje, sou novamente um de vocês! Um herói que não tem vergonha de desistir! Sem a obrigação de me superar a qualquer preço!» Veio mais uma ovação. 

«Por favor não me dêem mais vivas.» Disse, com a emoção estampada no rosto para que todos me vissem. 

«Esta leveza é o símbolo da Liberdade que todos merecemos. Sem qualquer tipo de autoridade que me diga que a responsabilidade deve ser assumida a todo o custo, mesmo que não a queira, ou que ma tentem impingir! Hoje, regresso à condição de ser humano, frágil, longe das grandes glórias com que me tentaram iludir.» Desta vez ouvi menos palmas e reparei que a multidão se começava a dispersar rapidamente. 

«Obrigado!» Agradeci aos poucos que restaram com uma ligeira vénia. Também esses não me ligaram muito. Estavam ali parados, inertes e distantes, como se não tivessem mais nada para fazer. Nem sequer lhes mereci um olhar minimamente atento.

A minha voz emotiva já não interessava a ninguém. Toda a festa grandiosa feita em meu nome, era agora uma memória descartável, como se nunca tivesse acontecido. Sobrou a leveza da minha decisão. Juntamente com a tranquilidade de ser Livre.


1 comentário:

" R y k @ r d o " disse...

Há sonhos assim
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Um domingo feliz
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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