quarta-feira, dezembro 09, 2020

O conforto da distância


Está frio e como sempre estou sozinho. Mas não sinto saudades e isso é estranho. 

Os outros, querem sempre alguém ou alguma coisa. Vão-se perdendo nesses sentimentos inebriados. Eu não sou assim, embora os compreenda. 

O vento sopra e a solidão fala. A chuva cai e a interrogação cresce. O que procuro não está aqui, nem depois do horizonte. A companhia é sempre algo temporário, fruto do caminho que se percorre. A carne é só minha. A dos outros pertence a eles, tal como os seus pensamentos. O máximo que podemos fazer é partilhar estas jaulas cobertas por aparência e anatomia. 

Ninguém criou uma ciência que funda todos num só. Inventaram religiões para explicar o inefável. Depois justificaram correntes políticas para negar o indizível e controlar as mentes mais pequenas (que são tantas). Não deixam crescer a curiosidade em nome de um bem maior que não passa de egoísmo. Humanidade, não é mais que uma palavra bonita para ditar nos discursos sem sentido. 

Mas eles já não me importam. Fazer-lhes frente é uma luta desigual. Cansa-me a revolta inútil. Perdi o encanto por causas nobres. 

Existe algo escondido neste mundo e em todo o mistério da existência. Não conheço essa verdade e isso incomoda-me. Fujo para o conforto da distância. A multidão não tem nada para me oferecer para lá do que é banal. Já não procuro rostos que tenham escrito no olhar a inquietação de ser diferente. 

Aqui, ao lado de todos, apresento-me longínquo, num lugar em que nenhum toque me alcança. Há um desinteresse crescente em mim sobre a vida alheia. Acho isso fascinante. 

Quem sabe esteja numa direcção que me leve à Gnose. Embora, provavelmente, a fronteira com a loucura seja demasiado ténue. Ou pelo menos seja vista assim por aqueles que não compreendem, nem querem compreender e atacam com todas as forças aqueles que o tentam fazer. 

Já fui como eles. Talvez, por vezes, ainda seja. Intolerante. Afinal de contas, cada um defende a sua verdade por mais ridícula que seja. 

Não posso afirmar que haja algo extraordinário em mim. O que entendo por diferente deve ser só ilusão. Estou aqui também, a desabafar com frases feitas. 

Está frio e eu não me entendo. Possivelmente também seja como os outros e isso é estranho. 


2 comentários:

Janela Indiscreta disse...

O que é ser diferente? Não seguir regras? Não ser igual aos outros?
Quem define o que é certo ou errado?
É quase sempre uma questão do poder das massas.
Está frio. É um facto.
:)

António Silva disse...

Olha que boa pergunta!
Realmente o que é ser diferente? A partir de que termos é que podemos considerar a diferença das massas?
Na realidade todos somos diferentes uns dos outros, mas vamos copiando coisas uns dos outros. No fundo, não conheço ninguém que seja verdadeiramente original. Aqueles que aparentemente o são apenas desenvolveram ideias pré-existentes, ou que não são muito usuais (posso-me incluir neste grupo).
E assim de repente parece que já tenho a base para um texto futuro!
Agradecido :)