terça-feira, maio 15, 2018

O aroma da padaria


Onde estão as minhas recordações de criança?
Visitei-as naquele dia vazio. Encontrei ruínas abandonadas. Paredes decrepitas com trepadeiras a tomar os seus tijolos, pintar o estuque em tons de verde e a ameaçar a sua verticalidade. É a Natureza a reclamar o que afinal lhe pertence.
Da padaria que visitava na minha infância restavam apenas uns muros grafitados. Isso não impediu que a lembrança do seu cheiro característico chegasse às minhas narinas, como se estivesse lá novamente a comprar uma regueifa. No entanto, tudo me parecia demasiado pequeno aos olhos do meu corpo adulto.
Assim estava também a loja de caça. O pequeno mercado. O casarão da velha quinta. A própria alma do lugar onde, antigamente, pessoas passavam atarefadas por outras que conversavam sobre as coscuvilhices da vizinhança e a canalha que corria em brincadeiras traquinas. Havia sempre muita gente, ao contrário do vento solitário que hoje sopra nos caminhos sem ninguém.
Aqui e ali, alguém se lembrou de recuperar, ou modernizar, o que já lá estava, entre as ruas sozinhas esquecidas pelo progresso. Mesmo assim eram cenários que nada me diziam, para além da sua aparência limpa no meio de uma ruralidade ultrapassada pela tecnologia, pelos cursos superiores, pelas grandes superfícies comerciais, pela novidade, pela cidade que agora é aqui tão perto!
O problema do tempo que passa é que as coisas mudam e tudo que foi vivido vai sendo anulado, ou melhor, distorcido pela percepção do crescimento. O que ontem era presente, hoje não passa de meras linhas escritas na memória. Portanto, de que vale procurar o passado no dia de hoje, quando já não sou o mesmo?
Em mim tanta coisa mudou. Os meus sonhos de criança parecem ridículos, pela ingenuidade com que eram pautados. Ao mesmo tempo são como uma riqueza infinita pelo simples facto de existirem. Chego à conclusão que do passado não posso exigir muito mais. Basta saber apenas que já lá estive e sentir a alegria de o ter vivido, sem mais querer das recordações, a não ser o que elas me ensinaram.

1 comentário:

Janela Indiscreta disse...

Mas a memória tem cheiro e sabor. Tudo muda é verdade mas o passado faz parte do que somos, o bom e o mau.
:)