segunda-feira, janeiro 18, 2016

Dia de sorte


Hoje vi uma lesma a arrastar o seu corpo viscoso pelo caminho.
Há muito que não me cruzava com um bicho destes. Seguia coberto de baba deslizando pelo chão. Era lento. Mas a sua progressão não parecia notar a falta de membros que o fizessem correr.
Curioso, peguei-lhe. Fiquei imediatamente com a mão besuntada pela sua viscosidade. Não me importei. Não senti nojo algum.
Olhando aquela criatura pegajosa a debater-se inutilmente para encontrar o solo, tive um instinto breve (não passou disso) de a comer, mesmo assim viva. Era grande e gorda. Certamente um petisco para quem apreciasse essa iguaria. “Qual seria o seu sabor?” Interroguei-me.
Obviamente que os meus dentes não se enterraram naquela carne gordurosa. Cheguei à conclusão que tal intento era loucura. A ideia do seu corpo pegajoso a amontoar-se na minha boca foi repugnante. Um vómito iria certamente nascer dessa façanha.
Ainda não estando totalmente resignado tentei somente prová-la com a língua numa passagem rápida. Ainda assim o meu cérebro consciente demoveu-me. Uma náusea imediata aconteceu e acabei por sentir uma certa repulsa, quem sabe até receio.
Peguei na lesma e voltei a coloca-la no mesmo sítio para continuar a sua marcha. “Vai em paz bichinha. Hoje é o teu dia de sorte.” Disse-lhe com um certo carinho até pelo ser rastejante que, indiferente ao acontecido, retomou o seu curso alheio à existência humana.
“Faz tudo que as lesmas é suposto fazerem”!

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