segunda-feira, outubro 27, 2014

O cadáver do enforcado


O corpo jazia dependurado. A corda, robusta, perfeita para a sua missão, segurava toda aquela figura necrosada. Uma ponta amarrava o ramo da árvore que, com a sua grossura, não cedia perante o peso de alguém sem vida. A outra ponta apertava, implacável, o pescoço do pobre homem. Certificava-se que o oxigénio não passava por lá. Assim foi, até que a vida se extinguiu. Agora apenas garantia que aquele cadáver se mantinha lá no alto, sem cair.
Os dias passaram desde a execução. A carne do sujeito, sem o bater do coração e o irrigar do sangue, foi apodrecendo lentamente.
O que era um rosto rosado, quente, a esbanjar vida, foi profanado por um grito mudo que não se conseguiu soltar da garganta comprimida. O debater dos membros apenas piorou a agonia. A morte tomava-o sem misericórdia.
Quando finalmente parou, a face encontrava-se pálida. Dum branco cadavérico. Desprovida do rubor de quem tem um espírito vivente. As bochechas, carnudas, foram perdendo o seu volume, como se fossem chupadas pelo interior. Agora, apenas restavam os contornos sinistros duma caveira, coberta por uma fina camada de pele que se degrada a cada minuto que passa.
Os olhos, foram depenicados pelos corvos que se deliciaram com o manjar. No seu lugar estão dois buracos negros que emanam o mais absoluto terror. O queixo continua caído, como se continuasse a soltar perpetuamente um apelo desesperado por misericórdia.
Enormes ratazanas e outros bichos ignóbeis passeavam-se pelos ramos, descendo até ao morto, por entre movimentos hábeis. Aos poucos, roíam-lhe as roupas e iam-se alimentando de pedaços de carne pútrida, contribuindo para a sua decomposição.
As bruxas, essas, vinham pela calada da noite até ao mórbido local, em busca das mandrágoras que por ali cresciam. Procuravam essas raízes para os seus feitiços odiosos. “Debaixo de um enforcado crescem as melhores”! Assim acreditavam elas. Pois, numa cómica ironia da vida (ou morte), os homens jazidos na forca, ejaculavam logo após o derradeiro estrebuchar. Fecundavam assim, com o seu sémen moribundo, as plantas, tornando-as num apetecível ingrediente para as artes do oculto.
As pessoas de bem afastavam-se dali. Se a visão aterradora daquele cenário não fosse o bastante para os demover de se aproximarem, o cheiro nauseabundo que dali emanava tratava disso. Por vezes, alguns mais corajosos, ou crianças inocentes, cediam à curiosidade e abeiravam-se daquele sítio maldito. Era certo fugirem logo a seguir para deixar sair os vómitos enojados das suas entranhas. Para não falar nos pesadelos que durante muitas noites os iriam visitar.
Hoje, se passarem por ali, apenas vão ver uma árvore muito antiga rodeada por uma bela vegetação. Uma paisagem digna da tela dum pintor famoso. A natureza é assim. Lá tem os seus meios de fazer esquecer os horrores de outros tempos. No entanto, se escutarem com atenção, vão ouvir os gritos de desespero de quem aí pereceu…

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