quinta-feira, dezembro 26, 2013

Apenas um sorriso


O vampiro estava escondido a observar o palacete. Decorria uma festa no salão de baixo. Havia comida, dança, sorrisos e conversas entusiasmadas. 
Os convidados chegavam em luxuosos automóveis. As mulheres, com corpos esculturais, exibiam vestidos luxuosos, cabelos artisticamente penteados e jóias brilhantes. Mesmo ao longe conseguia sentir o perfume delas como se fosse um convite. Os homens, esses, ostentavam fatos elegantes, devidamente aprumados, mostrando uma postura confiante típica de quem é bafejado pela riqueza.
Contemplava o que se passava lá dentro. Principalmente a forma jovial como dançavam ao som de uma pequena orquestra. Os passos bem treinados, os rodopios e principalmente a alegria que os pares sentiam, fizeram com que o vampiro desejasse estar lá dentro. Imaginou-se numa valsa a conduzir uma jovem de grande beleza e a ser o centro das atenções.
Naquela noite não queria sangue. Desejava apenas um sorriso. Um singelo sorriso que fosse verdadeiro. Era apenas isso que ansiava. Somente um sorriso.
Podia tentar entrar mas assim que os seguranças o avistassem iriam, certamente, confundi-lo com um velho mendigo, senil e sem-abrigo. Aquela gente não suporta pedintes. Seria escorraçado como um cão sarnento. Ou pior. Ninguém ia acreditar se dissesse que apenas desejava um sorriso.
Isto é. A menos que uma alma malfada o olhasse nos olhos e visse as trevas que se escondem no seu íntimo. Sentiria um terror absoluto. Até o mais forte dos homens treme perante a imagem de um monstro assim. Mesmo assim iriam atacá-lo. Teria de ser violento. Podia vir um, dois, três, dez, vinte, cem, duzentos, mil… Tanto faz. Todos iriam morrer pelas suas mãos. Tinha sido amaldiçoado pelo diabo (ou algo pior) e a sua sina era matar.
O vampiro manteve-se escondido a observar a festa. Naquela noite não queria sangue. Desejava apenas um sorriso. Um simples vislumbre de carinho por mais insignificante que fosse. Seria pedir demais?
Naquela noite tudo que o vampiro queria era um pouco de amor que lhe aliviasse o fardo, imensamente pesado, da solidão. Naquela noite o vampiro não queria matar, mas como em tantas outras, teria de cometer uma atrocidade e verter sangue inocente…

4 comentários:

Anónimo disse...

sublime. adorei!

Anónimo disse...

sublime. adorei!

António Silva disse...

Obrigado :)

Unknown disse...

A presunção da imortalidade, ironicamente, arrasta consigo tantas fraquezas...