segunda-feira, agosto 09, 2021

Angústia erógena

Existe um erotismo estranho na fragilidade. Cativa-me o desmoronar da perfeição humana, quando as mentiras que suportam aquilo que tomamos por adquirido são reveladas. 

Há uma certa liberdade quando verificamos que a realidade não passa de um instrumento de submissão. Uma entrega voluntária de corpo e alma a dominação que a sociedade impõe. 

Sofremos os castigos e mendigamos por mais. Somos escravos da nossa própria ideia. A verdade é um véu que se levanta para mostrar outro véu e ainda mais outro. Se queremos lá chegar temos de levantar todas as camadas de supostas verdades. E mesmo assim, nunca temos a certeza onde está realmente a verdade que procuramos. 

Contudo, apresenta-se com pudor a alma nua decorada pelas cicatrizes que o viver impõe, outrora caladas, curadas pelo silêncio da boca proibida de mencionar tais queixumes. 

Magoa e chora-se na solidão de quatro paredes. Faz-se poesia nas palavras não ditas, nas dores não purgadas, no sofrimento proibido. Numa forma quase macabra, acho isso bonito. O choro; as dores; as cicatrizes que ficam para lembrar uma história. 

Dói querer ser gente, mas não faz mal. É suposto ser assim e é só assim que deve ser, mesmo a doer. 

O sofrimento é um silêncio constante que grita cá dentro onde o mundo não ouve. Lamentar é uma humilhação mesmo quando o flagelo é insuportável. 

Atrás da tua pele existe uma angústia erógena. Esconde-se como um chamamento que só os malditos conseguem ouvir. Depois, há o perfume da ilusão desfeita que emana do teu ser incompleto. Tudo é violento nesta atração pela carne imperfeita. E ainda bem! 

Sabes que os amores mais memoráveis acontecem por causa de desventuras. Começam na sombra, moldados pelo barro do proibido. Oculta-se o bom-senso para as confissões que nunca se fazem aos padres da santa inquisição. Eles acendem as fogueiras e o desejo dança nelas. 

A dor vem com a companhia da solidão. A cura chega na ânsia de beijar o que é negado. Mas ninguém pode negar por completo aquilo que inquieta. Lábios de vidro estilhaçados pelo beijo cortante que apazigua o sofrimento. Ama-se o que está despedaçado porque só assim a beleza pode ser infinita. 

A perdição parece eterna. Pois que assim seja. A paixão está escondida na fragilidade secreta onde mora o desejo!


2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Confesso que gostei muito desta publicação.
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Cordiais cumprimentos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Vera Lúcia A Fonseca DF disse...

"decorada pelas cicatrizes que o viver impõe" feliz conclusão. Eu aplaudi na solidão da minha leitura pessoal. Belo Texto, memoráveis palavras. Valeu