O frio é cruel como a realidade. Dói quando toca na pele e de mansinho penetra pela carne dentro até invadir o ânimo que habita nos espíritos mais calorosos. Traz consigo a sonolência que adormece o corpo e desperta a mágoa.
A apatia implacável que o Inverno acarta faz-me esquecer quem sou. Todas as ideias que me fazem seguir em frente, recolhem a um canto perdido na alma para ficarem escondidas. Por sua vez, surgem os instintos que têm como único objectivo atravessar a noite gélida.
O calor parece uma memória distante. O pensamento vagueia lento na geada matinal. Não encontro poesia aqui e isso é insuportável. A existência tem os seus ciclos e os seus tempos, sem a obrigatoriedade de dar explicações. A natureza cumpre as suas regras e a minha aparente derrota em nada importa.
As regras físicas tentam domar-me o alento e por vezes sinto-me vencido. Não lhes reconheço autoridade sobre mim, ainda que não tenha vigor para as combater. A friagem tirou-me a vontade de batalhar, tal como faço nas madrugadas de insónia veranis, onde os sentimentos se materializam em linguagens misteriosas que traduzo com prazer.
Resta o sono como conforto. Abre-se como uma espécie de porta para o meu mundo distante. Essa terra de enigmas que reside em mim e que, embora calada pelas palavras frigidas, é o meu único e verdadeiro refúgio da severidade do mundo.
Entretanto, avanço sem esperança. Ou melhor, a minha figura humana, carrega o meu ser, apenas na qualidade de observador. Sou o meu próprio esquecimento. Mas no fundo, durante esta travessia enregelada, sei que a Primavera me espera como uma amante que aguarda o seu amado.
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