Por vezes, quando me aproximo perigosamente da berma do abismo, entre as minhas vertigens, gosto de encarar as suas profundezas infinitas!
Nesses momentos, juro que consigo ouvir o sussurro da sua voz gutural e sedutora a chamar o meu nome. Desdenho do perigo e deixo esse chamamento traduzir-se em tonturas que me tomam o corpo, assim como uma sudorese anestesiante, que me unta a pele.
Sonho em saltar. Mas sei bem que se o fizer, nunca iria tocar violentamente o fundo numa queda impiedosa. Em vez disso, abriria umas asas, tão negras que toda a luz que as ousasse desafiar seria ofuscada pela sua escuridão.
Voava entre as escarpas com a mestria de um anjo (ou de um demónio). Cruzava sem incertezas as paisagens frias dos escombros da vida, para depois voltar novamente a esta berma onde me encontro agora, sem qualquer tipo de medo que me tolde a coragem.
Entretanto, amaldiçoo esta metáfora do abismo… Quem, de entre os poetas deste mundo que cantam a melancolia, nunca a usou?
Todos!
Todos quiseram saltar!
Todos quiseram voar!
Todos assim o rimaram!
Todos se repetiram!
Tal como eu!
Assim declaro que maldito seja o abismo e o desejo de o sentir…
1 comentário:
"Todas as vezes que o sentido próprio faz amor com o sentido figurado, nasce uma metáfora."
Quem não? Quem nunca se sentiu irresistivelmente atraído pelo abismo? Pelo chamamento do fim, do fácil, do mundano?
A diferença está entre quem se queda, petrificado, hipnotizado, à sua berma e nada faz senão comtemplar o vazio angustiante; e entre quem não hesita e se lança, indómito, nas suas profundezas para, como tu, ver brotar as asas que o salvam do negrume consciente.
Deixa a metáfora habitar em ti!
Liberta o génio que ela alimenta e voa no e para o mundo!
Não está ao alcance de todos, sabes?
P.S. A imagem é poderosa e bela!
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