sábado, fevereiro 25, 2017

Em Fevereiro tem Carnaval


No Carnaval as gentes saem à rua porque é obrigatório ser alegre naqueles dias. Cantam, saltam e dançam. Mascaram os corpos para esconder a podridão que existe em si. Alguns, em simultâneo, aproveitam para fingir aquilo que gostariam de ser. Tudo neles é frustração, pois a vida escapa-lhes durante o resto do ano. Trazem as fantasias para dizerem que é brincadeira, quando na realidade abraçam aquela mentira a pretexto dos festejos e cospem na banalidade em que se tornaram. Tudo fica invadido de cores vivas para disfarçar o negro da sujidade, nas paredes, nas estradas, nos rostos, nas almas de quem tem data marcada para brincar ao ser feliz!
No Carnaval o sino toca a anunciar um funeral. Aquele, que jaz cadáver, está dispensado da folia. A mentira, para ele, já passou. Resta-lhe o conforto da terra fria. Os que o vão velar, esses, assumem a tristeza como um facto, a saudade como um fado e deixam os festejos do lado de fora das paredes chorosas. Devem remeter-se ao esconderijo da sua própria desgraça para que não sejam vistos em público. Tanto pesar parece mal perante quem celebra a ilusão. Cabe-lhes baixar o rosto em sinal de vergonha e calar qualquer lamento, esse direito não lhes assiste até que cheguem as cinzas da quaresma. Até lá que se mantenham no silêncio porque ninguém os quer saber!
No Carnaval ainda há quem definhe na solidão. Os escorraçados, os malucos, os famintos, os aleijados, os velhos que se desenham em rugas e atrofio, porque o seu corpo já não sabe dançar, nem o seu espírito tem vontade de cantar. Tudo que vive neles é a dor. À janela do seu sofrimento, lançam olhares danados aos foliões, que coloridos festejam a mentira. Lançam-lhes injúrias cobertas de ódio e maldição. Cospem naquela indecência com o maior dos desdéns. Atiram-lhes pedras inflamadas com raiva de quem está abandonado. Enchem-se de nojo perante a sua festança, porque uma máscara merece mais atenção do que aqueles se esquecem na berma da alegria.
No Carnaval também saem à rua os indiferentes. Passeiam-se entre a multidão sem nada que os cative verdadeiramente. Trajam-se com fantasias a rigor para que se misturem melhor entre os que dizem festejar. Quem sabe, se também eles, possam encontrar um pouco de alegria momentânea entre esse mundo em cor. A estes importa-lhes olhar para os demais a saltarem como macacos ensinados ao som da música arranhada. Há um certo fascínio em observar o comportamento dito humano, mesmo que signifique suportar um certo martírio em se confundir com os outros. Depois disso regressam a casa para despirem as mascaras e sentirem o prazer orgásmico do silêncio.
No Carnaval os bêbados arrastam-se pelas ruas em busca de mais um copo. Afinal os festejos providenciam a desculpa perfeita para que se possa beber sem apresentar qualquer satisfação. No resto dos dias, outros pretextos devem existir para ter uma garrafa por perto. Seja como for, a frustração não se engana sozinha e o álcool é um bom amigo daqueles que nada mais querem saber. Pela noite dentro preenchem o vazio na alma com a cor alaranjada da cerveja até que os seus sonhos sejam esquecidos. De manhã acordam deitados sobre o próprio vómito e dejectos, sujos com a própria porcaria e o vicio nas entranhas, forçados a lidar novamente com a crueldade da vida.

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